Bastaram 0,1 miligramas de trítio, 0,07 miligramas de deutério e apenas cinco segundos de experiência para o consórcio de cientistas EUROfusion fixar um novo recorde de produção de energia, através de processos de fusão nuclear.
O sucesso da experiência abre portas ao que pode ser no futuro uma fonte de energia segura, limpa e ilimitada — um sonho antigo que parece estar mais próximo de se tornar realidade, diz a revista Science Focus da BBC.
A proeza foi alcançada no reator nuclear Joint European Torus (JET), que se encontra em Oxford, no Reino Unido, através do choque de núcleos de trítio e deutério que permitiram produzir 59 megajoules de energia.
Além de corresponder à potência energética consumida por 11 mil casas, representa mais do dobro do anterior recorde mundial de 21,7 megajoules, que, recorda o Inverse, foi fixado em 1997.
O projeto juntou mais de 4.800 investigadores que fazem parte do consórcio EUROfusion. Entre as instituições participantes figura o Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN).
“Esta experiência permitiu demonstrar que se sabe como produzir quantidade significativa de energia através da fusão nuclear. É algo que também pode servir de preparação para o desenvolvimento de outros dispositivos de fusão nuclear“, explica Bruno Soares Gonçalves, Presidente do IPFN, citado pelo Expresso.
O JET já não é propriamente novo, mas garantiu um lugar na história ao elevar a fasquia no que toca à produção de fusão nuclear, que é apontada como um dos potenciais caminhos a explorar para a produção de energia limpa, ainda que nem sempre consiga gerar consenso.
Os cientistas têm sonhado com uma fonte de energia limpa e inesgotável através da fusão nuclear, ao longo de mais de 60 anos.
Como é que se consegue dobrar um recorde com um equipamento já antigo? “Foram melhorados todos os sistemas de aquecimento e todos os dispositivos de controlo e agora há mais conhecimento sobre plasmas“, explica Bruno Soares Gonçalves.
Fusão nuclear à escala industrial
Como noutras centrais que produzem energia, os reatores de fusão nuclear geram energia térmica, que costuma ser usada para o aquecimento de água que, por sua vez, se transforma em vapor e põe assim diferentes turbinas a produzir eletricidade.
É todo este processo que Bruno Gonçalves espera poder vir a ser escalado para o reator ITER (sigla em inglês de Reator Internacional Termocuclear Experimental), que está a ser desenvolvido em França.
A expectativa é que a primeira “descarga” efetuada nesse reator ocorra na viragem de 2025 para 2026, apesar dos contratempos gerados pela pandemia.
O ITER prevê produzir 10 vezes mais energia que aquela que é necessária para desencadear cada fusão nuclear, mas ainda não está equipado com os módulos que permitem converter energia térmica em eletricidade.
“O ITER vai permitir testar todas as tecnologias e métodos que poderão vir a ser usados para levar a fusão nuclear para a escala industrial“, explica Bruno Soares Gonçalves, recordando que tanto no Reino Unido como na União Europeia já estão a ser estudados reatores de fusão nuclear com propósitos de demonstração comercial.
Como funciona um reator nuclear
A chave para um reator nuclear bem sucedido de qualquer tipo é gerar, limitar e controlar uma bolha de material super-aquecido, chamado plasma – um gás que tenha atingido temperaturas de mais de 100 milhões de graus Celsius.
A estas temperaturas incandescentes, os eletrões são arrancados dos seus átomos, formando o que são chamados de iões.
Sob estas condições extremas, as forças repulsivas, que normalmente fazem com que os iões saltem uns contra os outros como carrinhos de choque, são superadas.
Consequentemente, quando os iões colidem, eles fundem-se, gerando energia, e temos o que é chamado de fusão nuclear.
Este é o processo que tem alimentado o nosso Sol ao longo de cerca de 4,5 mil milhões de anos e continuará a fazê-lo por mais cerca de quatro mil milhões de anos.
Enquanto os engenheiros tentam aquecer o gás no reator à temperatura certa, são utilizadas bobinas magnéticas super-refrigeradas para gerar campos magnéticos intensos que contêm e controlam o plasma.
Durante anos, os tokamaks foram consideradas as máquinas mais promissoras para o aproveitamento da energia do sol, porque a configuração das suas bobinas magnéticas contém um plasma que é melhor do que a dos stellarators que existem atualmente.
Mas há um problema: os tokamaks só podem controlar o plasma em rajadas curtas que não duram mais de 7 minutos – e a energia necessária para gerar aquele plasma é maior do que a energia que os engenheiros obtêm destas rajadas periódicas.
Os tokamaks, portanto, consomem mais energia do que produzem, o que não é o esperado dos reatores de fusão nuclear, que têm sido apontados como a “fonte de energia mais importante do próximo milénio” — como afirmou Terry Slavin na sua coluna no Observer, do jornal The Guardian.
https://zap.aeiou.pt/batido-recorde-de-fusao-nuclear-com-reacao-10-vezes-mais-quente-que-o-sol-energia-limpa-e-ilimitada-a-vista-462043