A democrata lança sua candidatura presidencial em busca do “povão”
Divulgado em redes sociais, o vídeo de lançamento da
candidatura de Hillary Clinton à sucessão de Barack Obama que deu a
largada, no domingo 12, à corrida presidencial do próximo ano não cerrou
fogo no ineditismo da possibilidade de uma mulher comandar pela
primeira vez a Casa Branca. Ao sabor do tom populista que deve ser uma
das principais marcas da disputa eleitoral, nos dois lados do espectro
político, cidadãos representativos dos grupos integrantes da coalizão
responsável pelas duas vitórias de Obama (negros, asiáticos, hispânicos,
jovens e gays) falam de seus projetos para os próximos anos, na linha
casamento, casa própria, filhos e emprego. Somente nos segundos finais a
ex-primeira-dama, senadora e secretária de Estado surge para recitar
sua própria meta de vida: governar a maior potência militar do planeta
e, em suas palavras, ser “a campeã de todos os americanos”.
Uma das principais peças do quebra-cabeça
para se entender o vídeo de pouco mais de dois minutos está no curto
discurso, pronunciado na tarde seguinte, do senador de origem cubana
Marco Rubio, o terceiro republicano a se lançar oficialmente candidato à
sucessão de Obama, depois de seus colegas Ted Cruz e Rand Paul. “Ontem,
uma líder política do passado iniciou uma campanha presidencial
prometendo nos levar de novo para trás”, disse Rubio. “Em vez de
oferecer um tempo que já passou, convido vocês a olharem para o futuro.
Só nos EUA um filho de imigrantes, de uma empregada doméstica pode
competir de igual para igual com candidatos oriundos da elite, com
sobrenomes tradicionais na política nacional.”
A outra peça do jogo foi criada em 2008.
Hillary Clinton disputou as primárias com a bandeira da experiência.
Interessada em valorizar a imagem de uma mulher capaz de comandar as
Forças Armadas com pulso forte, a democrata votou a favor da invasão e
ocupação do Iraque. A decisão transformou-se em ponto de partida para a
desconstrução de sua candidatura pelos rivais internos, dedicados a
colar na então senadora a imagem de elitista e representante da porção
mais arcaica na Washington dos lobistas e corporações.
A Clinton “mãe
dos americanos” é uma invenção recente que alcançou a meta de impedir a
viabilização de candidaturas adversárias no partido governista. Os
ex-governadores Martin O’Malley, de Maryland, e Lincoln Chafee, de Rhode
Island, o senador Bernie Sanders, de Vermont, único socialista
declarado no Capitólio, e o ex-senador Jim Webb, da Virgínia, ligado aos
setores militares, carecem de dimensão nacional. O vice-presidente Joe
Biden, ainda uma incógnita em relação a 2016, aparece nas pesquisas em
terceiro lugar, com 12%, atrás até da senadora Elizabeth Warren, de
Massachusetts, a preferida da ala esquerda do partido, que se recusa a
disputar as primárias. E na Cúpula das Américas, no Panamá, o próprio
Obama afirmou: “Hillary tem tudo para ser uma excelente presidente dos
EUA”.
Não por acaso, um dia depois de servir
de palco para o anúncio de sua candidatura, as mesmas redes sociais
destacavam como tópico mais comentado do dia as paradas de Hillary
Clinton em postos de gasolina e redes de fast-food, no caminho de Nova
York para o estado de Iowa, sede das primeiras primárias presidenciais,
no começo de 2016. Foi assim durante toda a semana. Madame Clinton
deixou o jatinho de lado, e com uns poucos assistentes, mais o aparato
de segurança do serviço secreto, prerrogativa de ex-primeiras-damas,
iniciou uma viagem de van pela América profunda. Em sua agenda não
aparecem comícios, mas encontros com grupos estratégicos, entre eles
estudantes e pequenos empresários. Nas conversas, acompanhadas por uma
legião de repórteres, a mesma candidata que espera amealhar cerca de 1,8
bilhão de dólares para a campanha bate duro no modelo de financiamento
eleitoral americano, sem teto para doações privadas e anônimas,
defendido pelos republicanos. Também oferece a mensagem central de sua
candidatura: foco no bolso da classe média, com novos programas de
incentivo à geração de empregos e de combate à crescente desigualdade
social.
Do outro lado do tabuleiro político, os republicanos
ironizam a tentativa da senhora Clinton de se mostrar afinada com o
“povão” e deixam clara a disposição de discutir os dois modelos de país
não apenas nas searas econômica e social (a crise financeira global e a
polêmica reforma da saúde pública não são mais combustíveis para o
populismo de direita, com a economia em franca recuperação e o chamado
Obamacare derrubando de 30% para 12% o número de cidadãos sem planos de
saúde), mas também na da política externa. “Precisamos fortalecer
novamente a imagem dos Estados Unidos no exterior e combater a
diplomacia atrapalhada dos anos Obama-Hillary”, atacou o mais bem
posicionado dos possíveis candidatos da oposição, o ex-governador da
Flórida, Jeb Bush, filho e irmão de presidentes, da ala moderada do
partido.
Críticos da aproximação
com Cuba e da articulação de um acordo com o Irã na área nuclear, os
republicanos culpam a atual administração pelo fortalecimento do Estado
Islâmico e pelo desastre do ataque ao consulado americano em Bengasi em
2012. Na ocasião, foram mortos quatro diplomatas, incluído o embaixador
do país na Líbia. O episódio ocorreu durante a campanha de reeleição de
Obama e Hillary Clinton é acusada de ter dificultado a divulgação dos
ataques e suas motivações. O Congresso, de maioria republicana,
instaurou uma investigação, que deve atormentá-la durante a campanha
mais antecipada da história política recente dos EUA, juntamente com a
decisão – de quem se julga acima da lei, diz a direita – de usar um
e-mail privado, cujas mensagens jamais foram divulgadas, durante o tempo
em que esteve à frente da diplomacia ianque.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/846/hillary-clinton-a-mae-da-america-8390.html