Em setembro do ano passado, a Índia anunciava cerca de 100 mil novos casos de covid-19 por dia e estava a caminho de ultrapassar os Estados Unidos como país com maior número de infetados do mundo. Quatro meses depois, caíram a pique.
No final de janeiro, o Ministério da Saúde da Índia confirmou uma diminuição recorde de cerca de 9.100 novos casos diários num país de quase 1,4 mil milhões de habitantes. Foi a contagem diária mais baixa em oito meses na Índia. Na segunda-feira passada, o país confirmou cerca de 11 mil casos.
“Não é que a Índia esteja a testar menos ou as coisas não estejam a ser relatadas”, disse Jishnu Das, economista de saúde da Universidade de Georgetown, em declarações ao NPR. “Aumentou, aumentou – e agora, de repente, desapareceu! Quer dizer, a utilização das Unidades de Cuidados Intensivos caiu. Todos os indicadores dizem que os números diminuíram.”
Falando em “mistério”, os cientistas estão a investigar porque é que o número de casos na Índia caiu tão drasticamente – e tão repentinamente, em setembro e outubro, meses antes do início de qualquer vacinação.
“É a pergunta de um milhão de dólares. Obviamente, as medidas clássicas de saúde pública estão a funcionar: os testes aumentaram, as pessoas vão aos hospitais mais cedo e as mortes diminuíram”, afirmou Genevie Fernandes, investigadora de saúde pública na Universidade de Edimburgo.
“Mas, na verdade, ainda é um mistério. É muito fácil ficar complacente, especialmente porque muitas partes do mundo estão a passar pela segunda e terceira vagas. Precisamos de estar de guarda.”
O que é que os indianos estão a fazer?
A Índia é um dos vários países em que o uso de máscara em espaços públicos é obrigatório – até ao ar livre e a pessoas que correm na praia.
Segundo Fernandes, durante a pandemia, “a polícia, a monitorização e a fiscalização foram intensificados”. A polícia distribui multas a quem não usa máscara.
Um inquérito publicado em julho revelou que 95% dos entrevistados disseram que usaram máscara na última vez em que saíram de casa.
Na Índia, sempre que se faz uma chamada, em vez de um tom de chamada, ouvem-se mensagens patrocinadas pelo Governo a avisar sobre a importância da lavagem das mãos e de usar máscara. Agora, a mensagem também apela às pessoas que se vacinem.
Calor e humidade
A maior parte do país é quente e húmido – e há algumas evidências que sugerem que o clima da Índia ajuda a reduzir a propagação de doenças respiratórias.
Uma revisão de centenas de artigos científicos, publicada em setembro na revista científica PLOS One, revelou que os climas quentes e húmidos parecem reduzir a disseminação da covid-19. Calor e humidade combinam-se para tornar os coronavírus menos ativos.
Estudos anteriores também descobriram que as gotículas do vírus podem flutuar durante mais tempo no ar frio e seco.
“A temperatura, é claro, está a nosso favor. Muitos vírus são conhecidos por multiplicar-se mais nas regiões mais frias”, disse Daksha Shah, epidemiologista e vice-diretor de saúde de Mumbai.
Num estudo de casos de covid-19 no estado indiano de Punjab, descobriu-se que 76% dos pacientes não infetaram ninguém– embora não se saiba porquê. No geral, 10% dos casos foram responsáveis por 80% das infecções.
Por outro lado, há algumas evidências científicas em contrário: um estudo publicado em dezembro no GeoHealth disse que a severa poluição do ar urbano na Índia pode exacerbar a covid-19.
Além disso, um artigo publicado no The Lancet revelou que o calor extremo também pode forçar as pessoas a ficarem dentro de casa em espaços com ar condicionado, o que contribui para a disseminação do vírus.
Prevalência de outras doenças
Outro ponto a considerar é a quantidade de outras doenças que já se espalham pela região: malária, dengue, febre tifóide, hepatite e cólera. Alguns especialistas especulam que as pessoas com um sistema imunológico robusto têm mais probabilidade de sobreviver na Índia.
Um estudo publicado em outubro revelou que países de baixa e média baixa classe com menos acesso a instalações de saúde, higiene e saneamento têm números mais baixos de mortes por covid-19 per capita.
Outro estudo publicado em agosto descobriu que as mortes por covid-19 per capita são menores em países onde as pessoas estão expostas a uma ampla gama de micróbios e bactérias.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, a covid-19 matou 154.392 pessoas na Índia em 1 de fevereiro. Essa é uma taxa de mortalidade de 1,44% – muito menor do que a dos Estados Unidos ou de muitos países europeus.
Demografia
A Índia também é um país muito jovem. Apenas 6% dos indianos têm mais de 65 anos e mais da metade da população tem menos de 25 anos. Os jovens têm menor probabilidade de morrer de covid-19 e maior probabilidade de não apresentar sintomas se infetados.
Um estudo publicado na revista Science revelou que a taxa de mortalidade da covid-19 diminui na Índia após os 65 anos – possivelmente porque há poucos indianos que vivem além dessa idade.
Testes sorológicos mostram que a maioria das pessoas em certas áreas da Índia pode já ter sido exposta à covid-19 sem desenvolver sintomas.
O clima e a demografia da Índia não mudaram na pandemia e a queda dos casos foi recente. Aliás, os números caíram quando os especialistas previram que disparariam: em outubro, quando milhões de pessoas se reuniram para os festivais hindus de Diwali e Durga Puja – altura em que a poluição do ar também é pior.
Os casos também diminuíram, apesar de dezenas de milhares de agricultores indianos terem acampado nos arredores da capital durante meses.
O epidemiologista Shah sugere que, assim como outras variantes infecciosas descobertas no Reino Unido e noutros lugares, uma variante mais branda possa ter começado a sofrer uma mutação na Índia.
“Três opções: uma é que acabou por causa da forma como as pessoas se comportaram. Ou acabou porque acabou e nunca mais vai voltar – ótimo!” disse Das. “Ou acabou, mas não sabemos por que acabou – e pode voltar.”
Essa última opção é o que mantém os cientistas e especialistas em saúde pública acordados à noite. Por enquanto, os indianos aguardam expectantes para serem vacinados.
https://zap.aeiou.pt/casos-em-queda-livre-o-misterio-do-desaparecimento-377870