O Presidente do Brasil admitiu na quinta-feira que teve
sintomas de reinfeção pelo novo coronavírus “há poucos dias” e afirmou
que tomou ivermectina, fármaco sem comprovação científica contra a
covid-19.
As declarações de Jair Bolsonaro foram prestadas na habitual transmissão em direto na rede social Facebook, em que voltou a defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19, como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina e a chamar “covardes” aos críticos desses fármacos.
“Eu estava com sintomas, há poucos dias, de
uma possível reinfecção. Tomei ivermectina e no dia seguinte estava
bom”, declarou Bolsonaro, defensor desse tipo de medicamentos desde o
início da pandemia.
“Canalha é quem disse que não toma isso e não dá alternativa.
Eu nunca vi ninguém morrer por ter usado hidroxicloroquina, que é
largamente usada na região amazónica para combater a malária, para
combater o lúpus ou então artrite”, acrescentou.
O chefe de Estado dirigiu ainda críticas ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, exonerado nos primeiros meses da pandemia por discordar de Bolsonaro em relação à gestão da pandemia.
Mandetta depôs recentemente, como testemunha,
na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga alegadas
omissões do Governo no combate à covid-19.
“Ser ministro da Saúde de fora é fácil. O
Mandetta (…) condena a cloroquina e fala o quê para você? Fica em casa
e, quando estiver sentindo falta de ar vai para o hospital para fazer o
quê? Se não tem remédio comprovado? Para ser intubado. Quem não tem alternativa, cale a boca. Deixe de ser canalha em criticar quem usa alguma coisa”, disse Bolsonaro.
“Quando tenho problema de estômago, alguém
sabe o que eu tomo? Tomo Coca-Cola e fico bom, é problema meu. O bucho é
meu. Talvez o meu bucho, todo corroído pela Coca-Cola, me salvou da
facada do Adélio”, acrescentou o Presidente, referindo-se ao homem que o
esfaqueou em 2018, em plena campanha eleitoral.
Bolsonaro continua a ser um dos chefes de Estado mais céticos em relação à gravidade da doença, classificou a covid-19 de “gripezinha”, continua a censurar a adoção de medidas de isolamento social, e criticou várias vacinas, chegando a pôr em causa a eficácia das máscaras.
Essa postura levou a que fosse instalada uma
CPI no Senado, que vai investigar a gestão do Governo no combate à
pandemia, que já fez quase 417 mil mortos e 15 milhões de infetados no
país.
Cloroquina ditou saída de Nelson Teich
De acordo com o Expresso,
o segundo ministro da Saúde do mandato de Bolsonaro, Nelson Teich, cujo
cargo durou apenas 28 dias, explicou por que razão abandonou o Governo.
“[As razões da minha saída] devem-se, basicamente, à constatação de
que eu não teria a autonomia e a liderança que imaginava indispensáveis
ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em
relação às divergências com o Governo quanto à eficácia
e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da
covid-19”, declarou Teich, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à
gestão da crise sanitária no Brasil, citado pela Folha de São Paulo.
“Enquanto a minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia evidência da sua eficácia
para liberar, existia um entendimento diferente por parte do
Presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, até do
Conselho Federal de Medicina, que naquele momento autorizou a extensão
do uso”, acrescentou.
O ex-ministro da Saúde brasileiro disse ainda que a gota de água
foram as declarações de Bolsonaro, quando disse seria o seu papel
decidir “essa questão da cloroquina”.
“Está tudo bem com o ministro da Saúde [Nelson Teich], sem problema
nenhum, acredito no trabalho dele. Mas essa questão da cloroquina vamos
resolver. Não pode o protocolo dizer que só pode usar em caso grave… Não
pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, anunciou o
Presidente, em meados de maio de 2020.
“À noite, houve um live [vídeo], onde ele [Bolsonaro] coloca
que espera que, no dia seguinte, vá acontecer isto, que vai ter uma
expansão do uso [de cloroquina]. E aí, no dia seguinte, eu peço a minha
exoneração”, confirmou Teich.
China acusa Bolsonaro de “politizar” coronavírus
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da China rejeitou esta
quinta-feira as insinuações levantadas pelo Presidente do Brasil sobre a
origem do novo coronavírus que provoca a covid-19.
Numa conferência de imprensa, o porta-voz do ministério, Wang Wenbin, garantiu que a China se opõe “firmemente a qualquer tentativa politizar e criar estigmas” em torno do SARS-CoV-2.
Numa cerimónia pública na quarta-feira, em Brasília, Jair Bolsonaro tinha questionado a origem do coronavírus SARS-CoV-2.
“É um vírus novo. Não se sabe se nasceu em laboratório ou se foi de um homem que comeu um animal. Sabemos que há guerras bacteriológicas”, declarou Bolsonaro.
A única guerra que está a ser travada,
respondeu Wang Wenbin, é contra o novo coronavírus, que “é um inimigo
comum da humanidade”.
O diplomata chinês apelou a todos os países do mundo que “unam esforços (…) para uma vitória rápida e completa sob a pandemia”.
Jair Bolsonaro tinha ainda destacado, numa alusão direta à China, que se deve recordar “qual é o país cujo PIB [Produto Interno Bruto] mais cresceu com a pandemia”.
A economia da China cresceu 18,3 por cento, no
primeiro trimestre deste ano, em relação ao período homólogo de 2020,
quando a atividade económica no país asiático paralisou, devido às
medidas de prevenção contra a covid-19.
A China obteve um crescimento anual de 2,3 por
cento no ano passado, tornando-se a única grande economia a crescer em
2020. Só Taiwan teve um desempenho económico melhor, com o PIB a crescer
3,1 por cento.
Poucas horas depois dos comentários iniciais, Jair Bolsonaro sublinhou que não tinha dito “a palavra China”.
“Agora, vocês da imprensa não falam onde nasceu o vírus. Falem. Ou
estão temendo alguma coisa”, disse o Presidente brasileiro aos
jornalistas.
Já o presidente do centro brasileiro de
investigação médica Instituto Butantan, Dimas Covas, reiterou que o
SARS-CoV-2 não foi produzido na China e não faz parte de uma guerra
biológica.
“A Organização Mundial da Saúde fez uma
auditoria em Wuhan e deixou claras as condições de surgimento deste
vírus. (…) A China fez o que o Brasil não fez, conseguiu controlar a
epidemia”, acrescentou Dimas Covas.
Segundo um comunicado, o investigador falava
durante a entrega de um milhão de doses da vacina contra a covid-19
CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e a mais
utilizada no Brasil.
Dimas Covas admitiu atrasos na entrega de um
lote de seis mil litros de ingrediente farmacêutico ativo, vindo da
China, que permitiria produzir entre seis e oito milhões de doses da
CoronaVac.
O lote terá afinal apenas dois mil litros e deverá chegar ao Brasil apenas a 13 de Maio.
O Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia, totaliza 411.588 óbitos e mais de 14,8 milhões de infeções.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos,
3.244.598 mortos no mundo, resultantes de mais de 155,1 milhões de casos
de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 16.988 pessoas dos
838.475 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais
recente da Direção-Geral da Saúde.
https://zap.aeiou.pt/bolsonaro-reinfecao-china-politizar-400698