Iniciativa legislativa, intitulada Lei da Memória, proposta pelo executivo de Pedro Sánchez, uma coligação formada pelo PSOE e o Unidas Podemos, prevê a criminalização de qualquer mostra de apoio ao regime de Franco, a criação de dias para homenagear as vítimas da Guerra Civil espanhola e alterações nos currículos escolares com vista à preservação da “memória democrática”.
Quarenta e seis anos após o fim da ditadura, os fantasmas da figura de Franco continuam a pairar sobre os espanhóis.
Esta semana, o governo de Pedro Sanchéz aprovou uma proposta de lei que está a gerar polémica nos vários quadrantes da sociedade espanhola, uma vez que eleva a estatuto de crime qualquer mostra de apoio ao regime franquista, prevê a criação de multas para quem exalte a guerra civil e abre a porta à extinção de todas as fundações que operem neste âmbito.
Com esta norma, o governo espanhol tenta impedir que se “repitam” partes mais “negras” da história de Espanha, escreve o El Mundo.
Félix Bolaños, novo ministro da presidência, comunicou aos jornalistas que a lei vai incluir a possibilidade de encerramento das fundações que incitem ao ódio, enalteçam a ditadura ou humilhem as vítimas, o que sugere, por exemplo, o fim da Fundação Franco.
A possibilidade foi confirmada por Bolaños à saída do conselho de ministros onde a legislação, intitulada ‘Lei da Memória’, foi aprovada, com o ministro a adiantar que tal ação não ocorrerá “de imediato”.
O texto deverá agora seguir para a câmara baixa do parlamento espanhol, o Congresso de los Diputados, mas não na sua versão original. É que após apresentação da legislação, o Consejo General del Poder Judicial (CGPJ) contrariou o executivo de Pedro Sánchez ao defender que as associações e os atos públicos de apoio a Franco estão defendidos pela lei da liberdade de expressão, sempre que não se verifique uma situação que constitua uma humilhação para as vítimas.
Como consequência desta decisão, será criado um organismo — Fiscalía de Sala de Memória Democrática — que ficará responsável por investigar todas as violações da lei, assim como os seus culpados, que deverão incorrer em multas que podem ir dos 200 aos 150 mil euros. O valor mais elevado será cobrado a quem exaltar a figura de Franco ou a quem destruir sepulturas, por exemplo.
No entanto, os planos do governo presidido por Pedro Sanchéz e formado através de uma coligação entre o PSOE e o Unidas Podemos podem bater de frente com a oposição do PP nas instâncias parlamentares.
Cuca Gamarra, porta-voz do Partido Popular no Congreso de los Diputados, já criticou o atual executivo que, entende, está demasiado preocupado em olhar para trás e não se preocupa com os problemas e as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis na atualidade.
No seu entender, esta postura não trará “nem futuro nem esperança”, numa mensagem que teve como destinatários os partidos do governo, mas também a Esquerda Republicana da Catalunha e a Candidatura de Unidade Popular — duas forças políticas catalãs representadas no parlamento nacional que defendem uma lei ainda mais ambiciosa.
Como resposta, Félix Bolaños pediu “unanimidade” na votação. O ministro explicou que o primeiro “eixo” da lei tratará de “colocar as vítimas no centro da ação política do governo”.
Com isto, serão consideradas ilegítimas ou nulas todas as sentenças emitidas pelos tribunais durante a ditadura, explicou Bolaños. Como tal, “é a primeira vez que uma lei repudia e condena o golpe de estado e a ditadura”.
O segundo “eixo” terá como prioridade destacar o papel das mulheres na “recuperação da democracia” em Espanha e reconhecer o seu estatuto “agravado de vítimas”. “Queremos que esta lei seja uma homenagem a elas”. Quanto ao terceiro “eixo”, segundo Bolaños, é “dar importância ao movimento memorialista”.
Também no âmbito da lei, serão criados dois dias para honrar a memória das vítimas, o 31 de outubro e o 8 de maio. Para Félix Bolaños, através destes atos conseguem que Espanha se torne um “país mais digno porque ajuda mais as vítimas”. “É uma lei que nos torna melhor como país”, resumiu.
Para além da iniciativa legislativa, o governo espanhol tem uma série de medidas suplementares preparadas. Uma delas prevê a criação de um banco nacional de ADN para que as famílias das vítimas possam saber o paradeiro dos restos mortais dos seus familiares, assim como um centro de documentação que nascerá em Salamanca.
Será também instituído um Consejo Interterritorial que coordenará as comunidades autónomas e o governo nacional. Simultaneamente, o executivo espanhol vai desenvolver um inventário dos bens espoliados pelo franquismo, irá retirar os títulos nobiliárquicos atribuídos por participação na guerra civil e incorporará a “memória democrática” nos currículos escolares.
No projeto lei está também prevista a transformação do Vale dos Caídos, monumento onde estão sepultadas as vítimas da guerra civil espanhola e, até à pouco tempo, o próprio Franco — o governo de Pedro Sanchéz quer torná-lo um cemitério civil. A exoneração dos restos mortais do ditador foi determinada há dois anos pelo governo espanhol, num primeiro e claro sinal do que seria a sua posição no que concerne ao tema.
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