Bolsonaro aprovou uma lei que prevê a suspensão das patentes em emergências de saúde, mas afirma que não vai ser aplicada para já. Uma associação ligada à Pfizer está a pressionar o governo americano a intervir e bloquear a lei brasileira.
A proposta estava na mesa de Bolsonaro desde 11 de Agosto, e vai mesmo avançar. Há cerca de três semanas, o Senado do Brasil aprovou uma lei que dá ao governo a possibilidade de suspender temporariamente as patentes de vacinas e medicamentos em situações de emergência, tal como a actual pandemia de covid-19.
A medida tinha sido já aprovada na Câmara dos Deputados e recebeu 61 votos favoráveis e 13 contra no Senado e seguiu para o gabinete presidencial, tendo sido aprovada por Jair Bolsonaro.
O projecto partiu do senador Paulo Paim, do Partido dos Trabalhadores, e explica que tem de ser criada uma “lista de patentes ou pedidos de patentes” de produtos que possam ser úteis no combate a situações de emergência sanitária, depois da consulta de órgãos públicos, instituições de ensino, centros de pesquisa e sectores produtivos envolvidos.
O texto define também que o detentor da patente ou do pedido dela, caso ainda não obtida, receberá o valor de 1,5% do preço líquido de venda do produto derivado em royalties até que o seu valor seja definido.
Após a elaboração da lista, o governo terá um período de 30 dias, que pode ser alargado por mais 30 dias, para decidir se avança com a suspensão das patentes dos medicamentos ou vacinas necessários.
A medida não vai ser aplicada a patentes que sejam objectos de acordos de transferência de tecnologia de tecnologias de produção ou quando os titulares da propriedade intelectual conseguirem “garantir o atendimento à demanda nacional”.
Bolsonaro aprovou a lei, mas a Secretaria-Geral da Presidência refere que ainda não será aplicada no momento actual porque as vacinas estão a ser “devidamente fornecidas pelos parceiros internacionais”. “Contudo, no futuro, caso exista um desabastecimento do mercado local, há a previsão legal para a possibilidade de aplicação da medida, em um caso extremo”, refere a nota.
No entanto, o presidente brasileiro vetou as partes da proposta que obrigavam o proprietário da patente a efectuar a transferência de conhecimento e dos insumos dos medicamentos ou vacinas em causa.
“Essas medidas seriam de difícil implementação e poderiam criar insegurança jurídica no âmbito do comércio internacional, além de poder desestimular investimentos em tecnologia e a formação de parcerias comerciais estratégicas”, justificou a Presidência.
Associação ligada à Pfizer quer que Biden bloqueie a lei
Apesar de nada indicar que vai ser posta em práctica agora, a nova lei não agrada às farmacêuticas, que temem que possa ser aberto um precedente que lhes prejudique o negócio.
Segundo avança o The American Prospect, uma organização que apoia os direitos de propriedade intelectual está a pressionar a administração Biden a intervir e bloquear a lei brasileira.
A 24 de Agosto, a Associação de Donos de Propriedade Intelectual (IPO) escreveu uma carta à Representante do Comércio dos Estados Unidos, Katherine C. Tai, e ao director do Escritório de Patentes e de Marcas Comerciais, Drew Hishfeld, sobre as “muitas preocupações” que tinham sobre a lei brasileira, segundo o site Law360.
“Apesar da IPO reconhecer que os direitos das licenças obrigatórias de propriedade intelectual (PI) possam ser legalmente permitidos em situações raras e limitadas, a IPO acredita que a licença dos direitos de PI deve partir de uma tentativa voluntária, escreveu Daniel Staudt, presidente da IPO, na carta, deixando um apelo à intervenção do governo dos Estados Unidos.
O Prospect avança que uma das gigantes farmacêuticas que está a produzir vacinas para a covid-19, a Pfizer, é um “membro corporativo” da IPO e que paga uma anuidade. Os pagamentos variam entre 2500 e 7250 dólares por ano, dependendo no número de patentes da empresa. A Microsoft ou a Akros Pharma são outros membros da organização.
Esta também não é a única ligação da IPO à Pfizer. Um dos membros do Conselho Administrativo da Associação, Eric Aaronson, é também o principal conselheiro da farmacêutica em questões de propriedade intelectual.
Não é a primeira vez que grupos ligados à Pfizer tentam influenciar as políticas no Brasil. Numa outra peça do site In These Times, é relatada a ameaça velada que a presidente do grupo de comércio farmacêutico brasileiro Interfarma fez em Abril.
Elizabeth de Carvalhaes revelou na altura à Folha de São Paulo que a empresa, que tem a Pfizer como um dos clientes, pode parar com a distribuição de vacinas caso a suspensão das patentes avançasse, já que a “a procura é muito maior do que a oferta” e é mais vantajoso “vender aos países que não quebram as patentes”.
Recorde-se que o Brasil já registou mais de 500 mil mortes por covid-19 e 20 milhões de casos positivos desde o início da pandemia.
https://zap.aeiou.pt/brasil-aprova-suspensao-de-patentes-em-emergencias-de-saude-e-ha-apelos-a-intervencao-de-biden-429186