Uma nova acusação de violação contra um agente da Polícia Metropolitana voltou a reacender as críticas à força policial e questões sobre a cultura sexista e de encobrimento, depois dos protestos motivados pela morte de Sarah Everard.
Depois do caso de Sarah Everard, que suscitou uma onda de protestos e críticas à Polícia Metropolitana no Reino Unido, a força de autoridade está agora novamente a ser alvo de escrutínio depois de mais um caso de um agente que está a ser acusado de violação ter sido divulgado no domingo.
A acusação a David Carrick, de 46 anos, foi feita apenas no domingo, mas o agente vai ser presente a juiz numa videoconferência já esta segunda-feira. A violação terá alegadamente acontecido na noite de 4 de Setembro de 2020 em St Albans, quando o polícia estava de folga.
O polícia pertencia ao Comando de Protecção Parlamentar e Diplomático da Política Metropolitana britânica, que oferce protecção a edifícios governamentais, como embaixadas e o Palácio de Westminster (onde se encontra o parlamento), e foi suspenso a 2 de Outubro.
O procurador-chefe dos serviços da Coroa, Malcom McHaffie, acrescenta que o Serviço de Procuração da Coroa lembra a todos os envolvidos que “os procedimentos criminais contra o réu estão activos e que ele tem direito a um julgamento justo”. “É muito importante que não haja notícias, comentários ou partilhas de informação online que possam de alguma forma influenciar estes procedimentos“, alertou, citado pelo The Guardian.
Polícia sob escrutínio público
Apesar do alerta de Malcom McHaffie, este é um momento crítico para o policiamento no Reino Unido, com grande parte do público a perder confiança nas forças de autoridade.
O caso de Sarah Everard, uma mulher de 33 anos que tinha ido visitar alguns amigos e foi raptada, violada e assassinada pelo agente Wayne Couzens quando regressava a casa, levantou protestos a exigir mudanças nas estruturas da polícia no Reino Unido.
A autópsia revelou que Sarah morreu de compressão no pescoço e Couzens, que pertencia à mesma força de David Carrick, confessou o crime. O agente terá usado a sua autoridade para fingir que ia deter a mulher e atraí-la para fora da rua, tendo-a depois sufocado com um cinto e queimado o seu corpo. Couzens ficou em prisão preventiva e já foi condenado a prisão perpétua.
A morte de Sarah Everard chocou o Reino Unido, não só pela violência, como também por ter sido levado a cabo por um polícia que tem a função de proteger a população e que abusou dessa confiança e autoridade.
Seguiu-se uma onda de protestos e vigílias de homenagem a Sarah Everard, com a polícia a ser novamente criticada pelo uso excessivo de violência contra os manifestantes.
O caso levantou uma onda de desconfiança na sociedade britânica em relação à polícia, que se questiona agora se há mais casos que nunca chegam à justiça e se há uma cultura de encobrimento dentro das forças, especialmente depois de se saber que Wayne Couzens já tinha sido acusado de atentado ao pudor em 2015 e em Fevereiro de 2021, apenas dias antes de ter matado Sarah Everard, sem ter sofrido quaisquer consequências disciplinares.
O agente terá alegadamente chegado a conduzir nu da cintura para baixo num McDonald’s. Uma mulher também já tinha acusado Couzens de conduta inapropriada quando este ainda era agente na força civil nuclear no Kent, que nunca reportou nenhum problema.
Na altura, foi feita uma queixa à polícia do Kent, que está agora ser investigada por poder ter ignorado o caso. “Vamos lançar uma investigação às alegadas falhas da polícia do Kent de investigar um incidente de importunação sexual ligada ao PC Couzens em 2015”, afirma o Independent Office for Police Conduct (IOPC).
“Há outras investigações separadas sobre as falhas da Polícia Metropolitana de investigar duas alegações de importunação sexual ligadas a Couzens em Londres em Fevereiro de 2021”, concluiu o IOPC.
A Scotland Yard afirmou que o seu sistema de triagem não falhou, mas admite que não apanhou o incidente no McDonald’s e continua a investigar a conduta de outro agente que poderá ter protegido Couzens.
A escolha dos agentes está também a ser posta em causa, especialmente devido a casos anteriores, e questiona-se se o sistema elimina devidamente candidatos que sejam propensos a violência ou se há uma cultura sexista prevalente na polícia que os permite continuar sem sofrer consequências.
Cressida Dick reconheceu que “uma ligação preciosa de confiança foi prejudicada” e que ia garantir que “todas as lições” seriam retiradas deste caso, num comunicado depois de ser anunciada a sentença perpétua de Couzens e em resposta a vários apelos à sua demissão.
A líder da Polícia Metropolitana disse também que estava “absolutamente doente” com o caso que “envergonhou” a força, “abalou” a organização e é uma “nojenta traição a tudo aquilo que a polícia representa”.
A Comissária garante que vai continuar a trabalhar para “melhorar a segurança das mulheres e reduzir o medo de violência”. “Não há palavras que podem expressar completamente a fúria e tristeza esmagadora que todos sentimos sobre o que aconteceu à Sarah. Peço imensa desculpa“, concluiu.
As repercussões políticas
Apesar da desconfiança agora criada em volta da Polícia Metropolitana e apelos à demissão de Cressida Dick, a Secretária de Estado para Assuntos Internos tem segurado a Comissária e renovou o seu contrato recentemente, mesmo com as “questões sérias” a que a força tem agora de responder.
Um desses apelos partiu da deputada trabalhista Harriet Harman, que disse que a Comissária tinha de ser afastada do cargo depois da confiança das mulheres na força “ter sido estilhaçada”. O anterior superintendente chefe da Polícia Metropolitana Parm Sandhu também exigiu a demissão.
O líder dos Trabalhistas também já repetiu os seus apelos para uma lei das vítimas que garanta direitos como o desafio a decisões de investigações criminais. Keir Starmer também pediu uma revisão ao que aconteceu para que Couzens continuasse a ser agente mesmo depois das acusações anteriores.
“Temos de chegar ao fundo da questão. Parece que houve alguns sinais, havia provas, havia problemas que deviam ter sido investigados devidamente, e não foram. É agora vital que essa revisão seja feita”, afirma Starmer.
Após o choque inicial com o caso de Everard, Boris Johnson prometeu que ia alocar fundos adicionais para melhorar a iluminação das ruas de Londres e prometeu um reforço de patrulhas de polícia.
Já depois da condenação de Couzens, o primeiro-ministro apelou a que os britânicos confiassem na polícia e disse que contratar mais agentes mulheres “poderia trazer mudanças fundamentais”.
“Acho que haverá centenas de milhares de agentes de polícia, e eu também, em todo o país que ficaram completamente horrorizados com o homicídio de Sarah Everard por parte de um agente da polícia”, referiu Boris Johnson à ITV, admitindo que há um problema na forma como o Reino Unido lida com casos de violação e na ineficácia da justiça.
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