Um pouco por toda a China, em parques públicos ou praças, às primeiras horas da manhã ou ao fim da tarde, grupos de avós reformadas juntam-se para dançar ao som de música alta. A prática tem algumas décadas, e quase tantas tem a polémica que gera.
As “Danças na Praça Pública”, ou “Guang Chang Wu“, surgiram nos anos 1960, no início da China comunista, altura em que dançar ao som de música alta em público era comum. E num país super-povoado, onde todo o espaço é disputado, qualquer lugar se pode tornar um salão de baile: a área livre entre prédios, a calçada, qualquer jardim, parque ou praça.
O fenómeno das “Avós Dançarinas” (assim chamadas por serem maioritariamente mulheres e maiores de 45 anos) ganhou popularidade nas últimas décadas, havendo um número estimado de 100 milhões de praticantes de Guang Chang Wu. Além do género e idade, as avós têm uma coisa em comum: gostam de música alta, muito alta.
Mas, apesar do respeito que tradicionalmente os chineses dedicam aos mais idosos, a verdade é que há algum tempo que o barulho das Avós Dançarinas causa polémica. O ruído incomoda os que passam na rua, perturba o descanso dos que vivem junto às praças, e para os chineses mais jovens e urbanos, não é apenas irritante e antissocial — é ilegal, uma violação da paz.
A irritação chegou a provocar situações extremas. Em 2013, em Pequim, um indivíduo soltou os seus mastins tibetanos e instigou-os contra um grupo de “Avós Dançarinas”, enquanto disparava tiros de espingarda para o ar. Mas, indiferentes aos protestos, as Avós limitam-se a aumentar o volume, desafiando os vizinhos incomodados.
Ao longo dos anos, à medida que a paciência dos mais jovens se ia esgotando, alguns foram tentando abordagens mais ou menos radicais para resolver o dilema.
Esta semana, diz o The Guardian, uma delas tornou-se viral nas redes sociais: um aparelho semelhante a uma arma de atordoar, capaz de silenciar a 50 metros o som dos altifalantes das Avós Dançarinas, apareceu à venda no TaboBao (a versão chinesa do eBay) como a derradeira sabotagem contra as Avós Dançarinas.
As reviews do dispositivo não podiam ser mais animadoras. “Finalmente, silêncio lá fora. Durante dois dias, as avozinhas pensaram que os altifalantes estavam avariados“, diz um utilizador.
“Grande invenção! Com esta ferramenta, agora sou novamente dono da minha rua. Isto não é apenas um produto normal, é justiça social“, diz outro utilizador. Num vídeo viral, é possível ver um utilizador num prédio a silenciar um grupo de damas (como são chamadas por vezes, depreciativamente) que dançava num parque próximo.
O dispositivo faz parte de uma série de produtos que emergiram no mercado para combater a poluição sonora, evitando ao mesmo tempo qualquer interação entre as pessoas. “A distância dá-nos a possibilidade de fugir à fúria das Avós Dançarinas”, explica um utilizador da rede social Weibo, citado pelo SCMP.
Por outro lado, as próprias Avós Dançarinas parecem estar a adaptar-se aos novos tempos, e alguns grupos estão a experimentar dançar com earphones bluetooth — criando uma versão silenciosa das Guang Chang Wu.
Em 2019, Pequim lançou novas leis para “promover comportamentos civilizados”, que permitem que a polícia possa multar as Avós Dançarinas — e as multas podem chegar a valores na ordem dos 65 euros por cada dama mal comportada.
No entanto, as autoridades chinesas apoiaram desde sempre o fenómeno, que consideram ser “uma forma positiva e eficaz de reduzir os custos financeiros e médicos, bem como de melhorar a qualidade de vida das pessoas mais velhas”. Além disso, é complicado combater a vontade de 100 milhões de praticantes de Guang Chang Wu.
Assim, o fenómeno das famigeradas Avós Dançarinas da China parece ter vindo para ficar. Tal como os dispositivos remotos que silenciam os seus altifalantes.
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