Um relatório detalha centenas de expulsões ilegais de
requentes de asilo pelas forças de autoridade oficiais de
estados-membros da UE. Várias ONGs acusam a Comissão Europeia de ser
cúmplice por continuar a financiar as operações de patrulha nas
fronteiras e por não punir os países em causa.
Uma nova investigação do consórcio de jornalistas Lighthouse Reports
veio lançar novas dúvidas sobre a política migratória de estados-membros
da União Europeia e de países vizinhos, relatando alegadas devoluções de migrantes para que estes não possam pedir asilo no espaço europeu.
Este tipo de práctica sem se avaliar primeiro as circunstâncias dos migrantes é ilegal segundo a lei internacional e a Carta Europeia dos Direitos Humanos e é também ilegal um país negar pedidos de asilo, que estão a cargo dos tribunais.
Vários países europeus e estados-membros da UE têm efectuado centenas
de reenvios ilegais nas fronteiras externas do bloco desde o início de
2020, numa “violenta campanha” para negar o acesso ao asilo, alega o relatório.
A organização jornalística publicou vários vídeos captados pelos
próprios migrantes, por câmaras de vigilância e por drones mostra que os
reenvios são levados a cabo por forças de segurança encapuzadas e unidades de polícia à paisana que recebem fundos da UE para operações de vigilância nas fronteiras do bloco europeu.
Através dos testemunhos, entrevistas com mais de 12 actuais e antigos
agentes da polícia e as imagens, os jornalistas concluíram que pelo menos 189 pessoas
tinham sido negadas acesso ao sistema de pedido de asilo da UE
ilegalmente, o que acreditam ser apenas uma “pequena amostra das
devoluções”.
Vários vídeos publicados pelo grupo filmados na Croácia mostram homens armados e de cara tapada a agredir migrantes com cacetetes
e gritando para que voltassem para a Bósnia. Os migrantes dizem que
pediram asilo aos polícias croatas, mas que lhes foi negado e mostraram
as marcas das agressões no corpo.
Foram também filmadas várias devoluções de migrantes na fronteira da
Roménia com a Sérvia e os membros da força de autoridade que vigia a
fronteira romena confirmaram que esta é uma práctica recorrente e que são instruídos a seguir.
Na Grécia, a equipa aponta que terão havido pelo menos 635 reenvios
desde Março de 2020 e que 15 terão sido levados a cabo por homens de
cara tapada, que antigos e actuais membros da Guarda Costeira grega
identificaram como parte das equipas que se dedicam a patrulhar as
travessias do mar Egeu.
“A nossa investigação mostra que estas forças clandestinas não são
populares mascarados, mas sim unidades da polícia que têm de reportar
aos governos da União Europeia. As operações são negadas em público mas financiadas e equipadas com orçamentos da UE“, explicam os jornalistas.
As revelações da investigação do Lighthouse Reports, que foi feita em
parceria com a revista alemã Der Spiegel e o jornal francês Libération
durante oito meses, veio confirmar as críticas que muitas ONGs já tinham
feito à política migratória da UE e sobre a falta de acção das
autoridades europeias.
Croácia, Grécia, Itália e Chipre são alguns dos países que mais dinheiro recebem da UE
para gestão dos fluxos migratórios e todos eles têm acusações de
devoluções ilegais de migrantes. As políticas migratórias da Hungria nos
últimos anos têm também causado polémica.
Recentemente, a Polónia, outro estado-membro da UE, também tem sido criticada por estar alegadamente a devolver migrantes à Bielorrússia,
que está a aceitar vistos de refugiados iraquianos e afegãos e
obriga-os depois a atravessar ilegalmente a fronteira com a Polónia como
retaliação contra as sanções europeias ao governo de Lukashenko.
Segundo Bruno Oliveira Martins, investigador no Peace Research
Institute de Oslo, a culpa não é apenas dos países individuais mas
também da União Europeia. “É preciso sublinhar que que estas pessoas
encapuçadas, por muito que aparentem atuar à margem da lei, estão na
verdade a cumprir políticas oficiais da UE”, revela ao Expresso.
Comissão Europeia é cúmplice, acusa Amnistia
Em resposta à situação a Croácia lançou na quinta-feira uma
investigação às alegações e vai criar um organismo específico para
investigar estes casos. “A nossa equipa de peritos já está no terreno
para determinar o que terá acontecido, onde e quem
esteve envolvido, onde aconteceu. Há muitas questões que precisam de uma
análise minuciosa”, anunciou o Ministro do Interior da Croácia, Davor
Bozinovic.
A Comissão Europeia também já respondeu, com a Comissária para os
Assuntos Internos da UE, Ylva Johansson, a descrever o relatório como
“chocante” e mostrando-se “extremamente preocupada”. “Isto tem de ser
investigado, mas parecem indicar que há alguma orquestração de violência nas nossas fronteiras externas”, diz Johansson, citada pela Euronews.
A Comissária do Conselho Europeu dos Direitos Humanos, Dunja
Mijatović, reagiu no Twitter, dizendo que estava “na hora” dos membros
“investigarem eficazmente, tomar medidas, responsabilizarem-se e acabarem” com estas violações aos direitos humanos.
O porta-voz da Comissão, Adalbert Jahnz, respondeu à situação. “Os
vídeos e relatos de devoluções nas fronteiras externas da UE que foram
publicados pelo Lighthouse Reports são muito preocupantes.
Actos de violência contra migrantes, requerentes de asilo e refugiados
são inaceitáveis e devem ser investigados”, disse em conferência de
imprensa.
No entanto, esta não é a primeira vez que a Comissão Europeia sabe da
existência destas políticas de devoluções de migrantes. Em Janeiro, a
ONU ordenou uma investigação e “inquéritos urgentes às alegadas
violações e maus-tratos” a migrantes, mas a Comissão nunca penalizou qualquer estado-membro envolvido nestas políticas.
A Amnistia Internacional também não está convencida com a resposta da
Comissão. A investigadora da ONG nos Balcãs Jelena Sesar refere que
esta investigação é “a mais recente prova de que as devoluções ilegais e
a violência contra os requerentes de asilo e migrantes são comuns nas
fronteiras externas da UE”.
Sesar acusa também as autoridades europeias de “fingir que não veem a violação chocante da lei da UE” e de “continuar a financiar a polícia e as operações nas fronteiras de alguns países”.
“O financiamento da Comissão Europeia tem sido usado pelas
autoridades croatas para comprar equipamentos para a polícia e até para
pagar os salários dos patrulhas na fronteira, o que torna a UE cúmplice nestas violações“, remata.
https://zap.aeiou.pt/relatorio-devolucoes-ilegais-fronteiras-ue-436706