Milhares de afegãos foram deixados à sua sorte e sem ajuda do governo britânico durante a saída caótica das tropas ocidentais em Agosto. São estas as acusações do diplomata Raphael Marshall, que estão a ter repercussões do Reino Unido.
O executivo terá mentido sobre ter analisado todos os pedidos de ajuda, acusa o denunciante, tendo havido milhares de emails, inclusivamente alguns enviados por deputados, que ficaram por ler.
Marshall, que tem apenas 25 anos e três anos de experiência, estima que cerca de 150 mil pessoas pediram para serem retiradas do Afeganistão, mas que menos de 5% foram apoiadas. “É claro que algumas das pessoas que ficaram para trás foram assassinadas pelos talibãs“, revelou.
Depois de ter sido introduzido um novo sistema para gerir os emails, Marshall diz que todas as mensagens foram lidas, mas que nada foi feito com os seus conteúdos. O denunciante acredita que isto foi feito para permitir ao primeiro-ministro dizer aos deputados que não ficaram emails por ler.
Mesmo no caso de aqueles cujos pedidos foram lidos, os critérios de escolha de quem ia ser resgatado eram “inúteis“, cita o The Guardian, porque deixavam a decisão nas mãos de cada indivíduo. Marshall diz que a certa altura esteve sozinho no processo de evacuação e que teve de fazer escolhas de vida ou de morte com base em critérios sem sentido.
O denunciante afirma também que Dominic Raab, ex-Secretário dos Negócios Estrangeiros, aprovou uma lista de profissões que devia ser priorizada, como juízes e agentes de inteligência, mas que esta nunca chegou a quem estava a processar os emails. Isto levou a que os guardas que estavam a proteger a Embaixada britânica não tivessem prioridade no resgate.
A falta de experiência dos membros da equipa responsável também foi um problema. Ninguém tinha estudado o país ou trabalhado lá anteriormente e Marshall diz inclusivamente que o líder da equipa nem sabia o termo correcto que designa os cidadãos do Afeganistão, referindo-se à população como “afghanis”.
As barreiras linguísticas também foram um problema, assim como os computadores dados pelo departamento governamental, visto que os soldados não tinham as palavras-passe para os poderem usar. Os erros podem ter “resultado directamente nas mortes de pessoas deixadas para trás desnecessariamente“.
Mesmo dentro do Departamento de Negócios Estrangeiros, voluntários que já tinham experiência na área ficaram “horrorizados com o nosso sistema caótico” e não podiam ter documentos ou acesso à caixa de entrada porque os sistemas informáticos não tinham sido integrados.
Marshall revelou também que, apesar de milhares de pessoas estarem a tentar fugir, o Departamento recebeu ordens de Boris Johnson para usarem uma “capacidade considerável” para ajudar animais que estavam na caridade Nowzard de Paul “Pen” Farthing, a sair do Afeganistão.
O denunciante diz que os soldados passaram tempo precioso a carregar os animais em vez de ajudar pessoas quando havia uma capacidade limitada no aeroporto. O governo “transportou animais que não estavam em perigo à custa de britânicos e pessoas em risco iminente de serem assassinadas”, acusa.
“O Secretário não entendia a situação desesperada em Cabul”
As revelações já estão a valer muitas críticas a Dominic Raab. Recorde-se que o ex-governante estava de férias quando o caos em Cabul estava a decorrer. O então Secretário disse que estava informado de tudo e que tinha participado em reuniões importantes, mas que tinha delegado algumas tarefas importantes.
O testemunho de Marshall, no entanto, sugere que houve poucas mudanças na desorganização depois do regresso de férias do Secretário, a 16 de Agosto. Nos dias finais da evacuação, Raab devia ter aprovado pessoalmente casos excepcionais, mas Marshall afirma que o Secretário demorou horas a responder só para depois devolver os ficheiros e pedir que fossem submetidos noutro formato.
“Restava pouco tempo para alguém que entrasse no aeroporto, por isso, a decisão do Secretário de causar um atraso sugere que ele não entendia a situação desesperada em Cabul”, afirmou Marshall perante um comité de deputados.
Raab, que é agora Secretário da Justiça, respondeu, dizendo que é errado descrever o sistema como disfuncional. “Mais de 1000 funcionários do Departamento estavam a trabalhar de dia e noite num sistema hierárquico com as tropas no solo no Afeganistão debaixo de pressões operacionais enormes. Gostava de assinalar que em apenas duas semanas, 15 mil pessoas foram resgatadas“, disse, citado pelo The Guardian.
Já Boris Johnson também descreveu como “completamente absurda” a ideia de que pediu para ser dada prioridade a animais nos voos. “O que posso dizer é que resgatar 15 mil pessoas de Cabul da forma como o fizemos no Verão, foi um dos feitos militares mais excepcionais dos últimos 50 anos ou mais”, disse à Sky News.
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