Numa altura em que vários países da Europa começam a pensar em desconfinar, o oposto acontece na República Checa. O país já ultrapassou as 20 mil mortes e volta a entrar num novo confinamento. Mas que razões poderão ter levado a este cenário?
Embora o número de novos casos de coronavírus tenha descido durante seis semanas consecutivas, o país da Europa Central tem vivenciado novos recordes nos últimos dias.
Uma nova variante do vírus espalhou-se pelo país, o que deixou os hospitais perto do colapso. O número de mortos já ultrapassou os 20.000 e a taxa de mortalidade está entre as mais altas do mundo.
Ainda assim, tal como frisa a CNN, à partida não existia razões para o país estar entre os mais fragilizados pela pandemia. A República Checa é uma nação relativamente rica, é membro da União Europeia, tem acesso às vacinas, equipamentos médicos e testes, possui um governo eleito democraticamente e o seu sistema de saúde é respeitado.
Com vários países da Europa a viver com apertadas restrições, só na passada sexta-feira é que o Governo checo impôs um confinamento que teve início esta semana. Isto acontece numa altura em que o resto do mundo começa a pensar em flexibilizar algumas regras de combate à pandemia.
“O governo adotou uma estratégia infeliz de tomar decisões com base nas capacidades atuais dos hospitais, o que significa que muitas vezes as medidas chegam tarde demais”, disse Jan Kulveit, investigador do Future of Humanity Institute.
Vários passos em falso
Rastislav Maďar, reitor da Universidade de Ostrava, e um dos maiores epidemiologistas do país, aponta três fatores como a causa da crise atual.
Para o especialista, o primeiro aconteceu quando o governo se recusou a restabelecer a obrigatoriedade da máscara no verão, o segundo, quando decidiu reabrir lojas antes do Natal, e o terceiro quando não conseguiu reagir à nova variante que apareceu no início de janeiro. “Estes foram os três grandes erros e agora, estamos apenas a rezar para que não haja um quarto”, disse Maďar.
Também a política pode ter desempenhado um papel na tomada de decisões. “Este foi o momento em que a pandemia começou a espalhar-se novamente. Ainda havia tempo de a parar, mas não aconteceu, pois as eleições estavam a aproximar-se”, sublinha Dagmar Dzúrová, professora de demografia do Departamento de Geografia Social e Desenvolvimento Regional da Charles University em Praga.
Recorde-se que mais recentemente, o Parlamento da República Checa recusou o pedido do Governo de coligação minoritária para alargar o atual estado de emergência.
Na opinião Dzúrová, outro problema da abordagem checa é a falta de apoio financeiro significativo. Esta situação levou a um baixo cumprimento das regras.
No país, as pessoas que estão em quarentena têm direito a apenas 60% do seu salário, que apenas é pago pelos empregadores nas primeiras duas semanas. E embora as empresas tenham direito a indemnizações, muitas delas classificaram as medidas como inadequadas.
Outro grande problema tem sido a fiscalização das restrições. “As pessoas estão cansadas, e como tal têm-se encontrando em casa, dão festas, viajam para as montanhas, há uma reação contra a polícia, que não pode fazer muito”, frisou Dzúrová.
Com a mensagem do governo cada vez mais confusa, a desinformação começou também a espalhar-se. “Este problema não é exclusivo da República Checa, mas parece haver mais pessoas que acreditam em teorias da conspiração e acham que o risco de contrair o vírus é exagerado”, refere Kulveit.
Neste sentido, o especialista diz que os media do país também contribuíram para que se gerasse maior confusão no início da pandemia.
Vítimas do seu próprio sucesso
De acordo os especialistas, os checos não possuem tanto medo de contrair o vírus porque durante a primeira vaga da doença as coisas correram bem e os números de mortos e infetados não foram muito altos. Isso pode contribuir para que muitas pessoas se sintam desacreditadas em relação à doença.
“Grande parte da sociedade sentiu que nada de muito mau havia acontecido e que as medidas, que tiveram um enorme peso económico, não eram necessárias”, recorda Dzúrová.
Os checos não são os únicos a tornarem-se vítimas do seu próprio sucesso, mas a incapacidade do governo de explicar as questões está a piorar a situação, referem os especialistas.
Recentemente, o governo lançou uma campanha de informação sobre o coronavírus, mas concentrou-se principalmente nas restrições e, mais recentemente, na vacinação.
Desde ontem as medidas também ficaram mais rígidas: durante as próximas três semanas é proibido sair da zona de residência, as escolas estão fechadas, mas as creches e as lojas permanecem abertas.
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