“Libertem-nos, aqui nós asfixiamos!” No campo de Lesbos, na Grécia, os migrantes avançam sobre o grupo de jornalistas, autorizados excecionalmente a percorrer algumas fileiras de barracas, para relatar que estão fartos de serem tratados há sete meses “como porcos”.
O campo de refugiados é conhecido por Mavrovouni, nome grego da montanha onde foi erguido o “Moria 2.0”, montado à pressa após o incêndio no gigantesco campo de Moria, em setembro do ano passado.
Embora todos concordem que “a segurança é melhor” do que no campo anterior, não se pode dizer o mesmo das condições de vida. “As pessoas queixam-se de tudo, principalmente no inverno, com as chuvas fortes. Faz muito frio“, conta à AFP Raed Alobeed, refugiado sírio que criou uma organização de ajuda aos solicitantes de asilo.
Nas barracas deste campo provisório, que deve ser substituído no próximo inverno por um novo centro para solicitantes de asilo, “as noites são extremamente frias, o que é muito difícil com um bebé de cinco meses”, relata a síria Abdelkhader Ali, de 25 anos.
Num antigo terreno do Exército, “a chuva molha as barracas, mas é melhor do que nada”, diz o somali Shafi Dibiere. Para o jovem Bakari, do Mali, “é um pouco melhor do que no Moria, mas há três dias que não podemos tomar banho”.
Não há água quente e são poucos os chuveiros e casas de banho. “As condições sanitárias e higiénicas não são boas”, lamenta Jacques, da República Democrática do Congo (RDC). “Pelo menos, aqui a polícia trabalha, estamos mais seguros do que no Moria.”
Violência frequente
A violência era frequente no “antigo campo de Moria”, lembra Raed Alobeed. Abusavam sexualmente das mulheres, “esfaqueavam pessoas, roubos, máfia, venda de drogas, etc… Aqui isso quase não existe, com cerca de 300 policias”, assinala o refugiado sírio.
Mas para o congolês Jogo, que, como muitos, não revela o nome verdadeiro, “a polícia só vem quando há brigas. Aqui não vivemos, somos como porcos“. “Temos que nos desenrascar com o que nos dão, duas refeições diárias”, conta Jacques. “Não há nenhum lugar para procurar comida.”
Devido ao confinamento, os migrantes só podem sair uma ou duas vezes por semana. No antigo Moria, eles podiam ir até a cidade para fazer compras. A falta de liberdade é a principal queixa dos migrantes do Mavrovouni. E também o cansaço, após meses ou anos à espera de asilo.
Durante a visita do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur), surgem jornalistas sob escolta policial, autorizados a falar com os migrantes durante alguns minutos nesta segunda-feira, por ocasião da visita a Lesbos da comissária europeia Ylva Johansson.
“Isto é uma prisão, não podemos fazer nada“, queixa-se o afegão Jawed, de 34 anos, que esperava poder falar com a comissária. Mas no fim, Ylva não compareceu ao encontro. Ao chegar a Mavrovouni, uma multidão de migrantes cercou o avião da comissária e, depois, o carro.
O sírio Ahad, pai de sete filhos, teme que o devolvam à Turquia, depois de ver o seu pedido de asilo rejeitado três vezes. “Gostamos da Grécia, por que a Grécia não gosta de nós?”, questiona Cédric, procedente da RDC.
“Libertem-nos, vocês têm que nos libertar!”, gritam mulheres do Mali e da RDC, enquanto se dirigem à saída do campo. Uma delas, que vive em Lesbos desde 2019, diz à AFP: “Já passei pela grande entrevista, e nada acontece. Quero sair daqui, libertem-nos, por favor. Queremos ir para a escola, queremos construir nossa família.”
Quando os portões se fecham atrás dos jornalistas, ela grita: “Aqui asfixiamos!”
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