O ex-assessor de Boris Johnson afirmou, esta quarta-feira, no Parlamento, que
o primeiro-ministro britânico chegou a considerar injetar-se com o novo
coronavírus, em direto, na televisão, para mostrar que não havia nada a
temer.
“Em fevereiro, o primeiro-ministro via isto como uma história de pânico.
Descreveu isto como a nova gripe suína. A visão de vários agentes do
número 10 de Downing Street era que, se o primeiro-ministro presidisse
às reuniões COBRA [Comissão para as Contingências Civis] e dissesse a
toda a gente ‘Isto é como a gripe suína, não se preocupem. Vou pedir ao
Chris Whitty [Conselheiro Médico do Governo] para me injetar, em direto,
na televisão, com o coronavírus para que todos percebam que não há nada
a temer’, que isso não ajudaria num planeamento sério”, afirmou Dominic
Cummings aos deputados.
Durante uma audição de mais sete horas com deputados das comissões
parlamentares de Saúde e Ciência, o ex-assessor do chefe do Executivo
disse que “é completamente absurdo que Johnson seja primeiro-ministro”.
Cummings, que cessou funções em novembro, lançou duras críticas ao Governo, descrevendo-o como “leões liderados por burros”, e disse que o secretário de Estado da Saúde, Matt Hancock, deveria ter sido demitido por mentir.
“O secretário de Estado da Saúde deveria ter sido demitido por pelo
menos 15 a 20 coisas, incluindo mentir em várias ocasiões em reunião
após reunião no Conselho de Ministros e publicamente. Disse
repetidamente ao primeiro-ministro que deveria ser despedido.”
Porém, alegou Cummings, Johnson respondeu que iria manter o ministro “porque ele é a pessoa que será despedida quando acontecer o inquérito” público à gestão do Executivo sobre a pandemia.
Sobre o segundo confinamento, em novembro, o ex-assessor alega que
Boris resistiu às recomendações dos cientistas para avançar em setembro e
confirmou que o ouviu dizer que preferia ver “corpos empilharem-se aos
milhares”, como noticiou a BBC.
“Ouvi isso no escritório do primeiro-ministro”, afirmou, dizendo ainda: “Essencialmente, eu considerava que ele era inadequado para as funções
e estava a tentar criar uma estrutura em torno dele para tentar parar o
que eu pensava que eram decisões extremamente más e empurrar outras
coisas contra a sua vontade”.
Cummings também pediu desculpas pelos seus próprios “erros” e
lamentou que “dezenas de milhares de pessoas que morreram não precisavam
de ter morrido”.
Boris garante que tentou “minimizar a perda de vidas”
Na sessão semanal de perguntas ao primeiro-ministro na Câmara dos
Comuns, Boris Johnson aproveitou para responder a estas revelações
devastadoras.
“Gerir a pandemia foi uma das coisas mais difíceis
que este país teve de fazer” e “nenhuma decisão foi fácil”, respondeu o
primeiro-ministro, quando questionado pelo líder do Partido Trabalhista,
Keir Starmer, sobre as críticas do ex-assessor.
“Ficar em confinamento foi traumático para este país, lidar com uma
pandemia desta dimensão tem sido tremendamente difícil e, em todos os
momentos, tentámos minimizar a perda de vidas”, acrescentou.
Instado pelo líder do Partido Nacionalista Escocês (SNP) no
Parlamento, Ian Blackford, a pedir desculpa e assumir os erros cometidos
pelo Governo, Boris Johnson acedeu.
“Assumo total responsabilidade por tudo o que
aconteceu. Lamento sinceramente o sofrimento que o povo deste país
experimentou. Mas o Governo sempre agiu com o intuito de salvar vidas,
proteger o NHS [serviço público de saúde] e de acordo com os melhores
pareceres científicos”, vincou.
Johnson negou ter minimizado a dimensão da crise sanitária no início
ou ter sido “complacente” e desmentiu que o anterior chefe dos serviços
civis, Mark Sedwill, lhe tivesse manifestado falta de confiança no
ministro da Saúde.
Cummings foi considerado o arquiteto da campanha que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia e o autor do slogan “Get Brexit Done”, que garantiu uma maioria absoluta nas eleições de dezembro.
Tornou-se depois o assessor com mais poder dentro do
Executivo, decidindo muitas vezes quem tinha acesso ao
primeiro-ministro, marginalizando deputados e até outros membros do
próprio Governo.
Porém, ficou enfraquecido quando foi tornado público que tinha
conduzido centenas de quilómetros até ao norte de Inglaterra após
contrair covid-19, violando as regras de confinamento nacional.
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