Uma investigação independente concluiu que entre 22 mil e 48 mil civis morreram vítimas de ataques aéreos das forças dos EUA desde o 11 de Setembro. O Pentágono admitiu também que o ataque a um veículo em Cabul não matou qualquer membro do ISIS-K e que as verdadeiras vítimas foram 10 civis.
O 11 de Setembro assinalou o início da guerra contra o terror, mas essa guerra tem causado a morte de milhares de inocentes.
De acordo com os cálculos do site Airwars, composto por jornalistas e investigadores de conflitos internacionais que se dedicam a monitorizar os efeitos da guerra nas populações civis, os ataques aéreos norte-americanos mataram entre 22 e 48 mil civis desde 2001.
Os investigadores apontam que a maioria dos meios de comunicação se focam apenas nas mortes dos soldados norte-americanos nas guerras depois dos atentados e ou ignoram as mortes de civis ou referem-nas “quase exclusivamente em generalidades, falando de dezenas, centenas ou milhares”.
O projecto Custos da Guerra da Universidade de Brown estima que 387 mil civis morreram durante a guerra contra o terror, mas o Airwars focou-se especificamente nos ataques aéreos. O site concluiu que o número varia entre pelo menos 22 679 e 48 308 mortos e explica que a grande variação “reflecte os muitos factores desconhecidos quando se trata do sofrimento dos civis em guerra”.
“Os beligerantes raramente acompanham os efeitos das próprias acções – mesmo quando o fazem, é pobremente. Fica a cargo das comunidades locais, da sociedade civil e das agências internacionais contar os custos”, escrevem os investigadores.
Nos últimos 20 anos, o Pentágono declarou um mínimo de 91 340 bombardeamentos aéreos nos sete países que os Estados Unidos invadiram ou se envolveram na guerra – Afeganistão, Líbia, Iraque, Somália, Paquistão, Síria e Iémen.
Em Junho, a Senadora Elizabeth Warren e o Congressista Ro Khanna apelaram ao Departamento de Defesa que revisse “discrepâncias significativas na contagem de mortes de civis“, o que levantou dúvidas sobre os dados oficiais.
No seu relatório anual, o Pentágono apontou que “aproximadamente 23 civis tinham morrido e 10 civis tinham ficado feridos” nas acções militares norte-americanas em 2020. Os números ficam muito aquém das estimativas de investigações independentes do Airwars, que calculou que o número de mortes fosse 102, ou do Custos da Guerra.
“As fontes dizem que o número real de mortes é quase cinco vezes maior. Proteger os civis deve ser uma prioridade. O representante Khanna e eu queremos que o Secretário Austin investiguem”, escreveu Elizabeth Warren no Twitter, apelando à averiguação de Lloyd Austin, Secretário da Defesa.
Dadas as dúvidas lançadas sobre os dados oficiais, a Airwars fez as contas usando “todas as avaliações confiáveis de danos causados a civis pelas acções dos EUA”, o que inclui informações do Bureau of Investigative Journalism, a publicação The Nation, a missão de assistência ao Afeganistão das Nações Unidas e a organização Iraq Body Count.
A análise aponta que 2003 foi o ano mais mortífero, com a morte mínima de 5529 civis. Seguiu-se 2017, com o mínimo 4931. No entanto, 2017 pode ter sido o pior ano, se forem incluídas as estimativas máximas, que chegam aos 19 623 mortos. O Airwars estima que 97% das mortes de civis tenham ocorrido no Iraque, no Afeganistão e na Síria.
Já há vários anos que a política de drones dos EUA é criticada. Uma investigação do The Intercept em 2015 apelidada Drone Papers revelou o procedimento para a aprovação de um bombardeamento e mostrou que durante a Operação Haymaker, que decorreu entre Janeiro de 2021 e Fevereiro de 2013, as forças americanas mataram mais de 200 pessoas e que apenas 35 eram o alvo desejado.
Durante um período de cinco meses da operação, quase 90% das vítimas mortais dos bombardeamentos eram civis. O secretismo e dúvidas em volta do programa de drones obrigou Obama a assinar uma ordem executiva em 2016 que obrigava a inteligência americana a publicar o número de civis mortos fora de zonas de guerra.
No entanto, os verdadeiros números ficaram ainda mais difíceis de calcular quando o sucessor de Barack Obama reverteu esta ordem executiva em 2019 e deixou de reportar as mortes de civis.
Trump aumentou de forma exponencial os ataques de drones em relação a Obama, que já expandido muito o programa em relação a Bush, e ordenou 2234 bombardeamentos nos primeiros dois anos do mandato, em comparação com os 1878 de Obama nos seus oito anos na Casa Branca, segundo o Bureau of Investigative Journalism.
Pentágono reconhece que ataque em Cabul matou civis
Estas revelações do Airwars surgiram pouco antes da polémica causada pelo ataque de drone levado a cabo em Cabul pelos Estados Unidos, na altura em que o aeroporto estava a sofrer atentados terroristas dos ISIS-K.
O alvo era um veículo carregado com explosivos e conduzido por “múltiplos bombistas suicidas”, segundo o exército americano, e o ataque não teria matado inocentes. No entanto, a imprensa afegã noticiou que o ataque matou nove civis, incluindo crianças.
“Estamos cientes de relatos de mortes de civis a seguir ao nosso ataque no veículo em Cabul hoje. Ainda estamos a avaliar os resultados deste ataque. Ficaríamos profundamente tristes com a potencial perda de vidas inocentes”, afirmou na altura Bill Urban, porta-voz do Comando Central.
As dúvidas sobre a versão dos eventos do exército norte-americano foram também levantadas por uma investigação do The New York Times, que analisou imagens e fez entrevistas que puseram em causa a ideia de que havia explosivos no veículo, a suposta ligação do condutor ao grupo terrorista Daesh e se houve uma segunda explosão depois do míssil ter atingido o carro.
O assessor de imprensa do Pentágono, John F. Kirby, inicialmente afirmou que o Comando Central estava a investigar o ocorrido. “Não me vou antecipar ao que o Comando Central está a fazer com a sua avaliação desse ataque. Não tenho ideia de qualquer opção que coloque os investigadores no solo de Cabul para completar a investigação”, declarou.
Os responsáveis militares afirmaram que não sabiam a identidade do condutor do veículo quando o drone disparou, mas que o consideraram suspeito devido às suas actividades naquele dia pois teria supostamente visitado um abrigo do Estado Islâmico e carregado o carro com o que pensavam que era explosivos.
A investigação do NYT identificou o homem em questão como Zemari Ahmadi, um trabalhador de longa data de um grupo de ajuda humanitária dos Estados Unidos. O jornal escreveu também que as suas viagens nesse dia consistiram em levar colegas ao trabalho e que aquilo que foi carregado no veículo podem ter sido vasilhas de água.
O ataque deve ter causado a morte a 10 civis, incluindo sete crianças, segundo o Times, contrariamente aos três apontados pelas autoridades americanas.
O Pentágono acabou por recuar na sua defesa inicial do ataque e admitiu que uma revisão interna mostrou que apenas civis morreram no ataque e que nenhuma das vítimas era um terrorista do ISIS.
“O ataque foi um erro trágico. Estou agora convencido que até 10 civis, incluindo até sete crianças, tenham morrido tragicamente no bombardeamento. Além disso, concluímos agora que é improvável que o veículo e aqueles que morreram estava associados ao ISIS-K ou a uma ameaça directa às forças dos EUA”, confessou o General Frank McKenzie.
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