Para os investigadores, a área onde o ecossistema de mangues foi encontrado terá sido, há centenas de milhares de anos, uma zona de água salgada. As plantas terão, então, ficado “encalhadas” durante a última era glaciar.
Contra todas as previsões genéticas, geológicas e botânicas, uma investigação recente descobriu um conjunto de mangues — ecossistemas costeiros de transição entre biomas terrestre e marinho — vermelhos nas profundezas tropicais da península de Yucatan, muito longe da área onde seria expectável, já que os arbustos são grandes amantes de mar (água salgada), o qual fica a 170 quilómetros do local onde a descoberta foi feita.
De forma a encontrar justificação para ela, investigadores de várias áreas recorreram a teorias antigas para confirmar uma suspeita que já havia sido avançada também por cientistas e por habitantes locais: aquela zona foi anteriormente um ecossistema de mangues de água salgada que ficou “encalhado” durante a última era glaciar, quando os oceanos recuaram.
Isto faz da descoberta uma “relíquia de água doce de um ecossistema com cerca de 125 mil anos de idade”. Para Felipe Zapata, da Universidade da Califórnia, esta é uma “descoberta extraordinária”. “Não só os mangues encontrados detém as suas origens impressas no seu ADN, como todo o ecossistema costeiro da última era glaciar encontrou ali refúgio — estudos anteriores também davam conta de possíveis “lagoas fósseis” ao longo da costa mexicana que também terão sido separadas do mar, embora não tão longe como a mais recente descoberta.
Tal como lembra o site Science Alert, os mangues vermelhos crescem sobretudo nas águas salgadas dos trópicos, embora sejam por vezes encontradas em águas doces. Isto acontece sobretudo quando os depósitos de cálcio são suficientemente ricos para que se possam estabelecer sem qualquer necessidade dos nutrientes do mar.
Através de análises feitas por investigadores aos genomas de 79 árvores em 11 áreas ao redor na península do Yucatan, descobriram que as árvores que habitam na água doce são distintas das que vivem na água salgada. Por exemplo, as árvores de água doce apresentavam características que as relacionavam com um mangue encontrada na Lagoa de Términos, na vertente do Golfo do México da península do Yacatan, o que parece sugerir que estes dois mangues podem ser “irmãos” e ter antepassados comuns, os quais devem estar na parte norte da península.
Outras lagoas “interiores” no México, por outro lado, parecem estar ligadas aos mangues das Caraíbas, o que sugere que existem duas linhagens distintas de manges vermelhos: a do norte e a do sul.
“A análise genética da população confirma que os mangues do rio San Pedro são uma relíquia de um ecossistema costeiro que colonizou os lagos de tufa do rio, provavelmente durante o último interglaciar, tendo ficado para trás ao longo das margens do rio após os oceanos terem recuado durante a glaciação do Wisconsin“, afirmam os autores.
Através dos modelos existentes feitos sobre os níveis do mar para o sul do Golfo do México, os investigadores identificaram planícies costeiras baixas, as quais se poderiam facilmente transformar numa “banheira” se o nível do mar subisse um pouco. Antes do último evento de glaciação, todas as calotas polares tinham derretido e o nível do mar era aproximadamente 6 a 9 metros mais alto do que é hoje.
Esta diferença é suficiente para inundar as terras baixas de Tabasco no México e submergir as florestas tropicais que fazem fronteira com San Pedro. A “banheira” ficou então cheia de água salgada dentro de séculos, dizem os investigadores. Isto significa que em apenas poucas gerações os mangues foram capazes de se estabelecer-se ao longo das linhas costeiras em mudanças.
No entanto, os mangues não são caso único. Outras espécies mais pequenas também foram capazes de colonizar estes novos ambientes muito rapidamente — com quase uma centena a encontrar-se lá até aos dias de hoje.
Este ecossistema “único” providencia uma acesso essencial ao último evento de aquecimento da Terra, podendo dar-nos informações importantes sobre para onde nos dirigimos face às alterações climáticas — com os modelos a sugerirem uma subida de cerca de cinco metros até 2300. A dúvida está em como é que os ecossistemas se vão adaptar a estas mudanças, pelo que os mangues poderão ser importantes para os investigadores neste sentido, lembra o Gizmodo.
“A parte mais surpreendente deste estudo é que fomos capazes de examinar um ecossistema de mangues que está preso no tempo há mais de 100 mil anos” explicou Octavio Aburto-Oropeza, ecologista marinho da Universidade da Califórnia de San Diego e principal autor do estudo.
“Há certamente mais a descobrir sobre como as muitas espécies deste ecossistema se adaptaram através das diferentes condições ambientais ao longo dos últimos 100 mil anos. O estudo destas adaptações anteriores será muito importante para compreendermos melhor as condições futuras num contexto de alterações climáticas.”
No entanto, o investigador deixa um aviso: para que o sistema de mangues descoberto em São Pedro, no México, sirva como objeto de estudo no futuro — de forma a antecipar o comportamento de outras espécies — é preciso que ele continue a existir. O alerta justifica-se com o facto de o sistema estar sob ameaça — na década de 70, a desflorestação que aconteceu naquela região deixou as florestas seriamente despidas, pelo que os mangues só sobreviveram por serem difíceis de alcançar.
https://zap.aeiou.pt/floresta-aquatica-presa-tempo-mais-100-mil-anos-436629