A invasão ao Capitólio por parte dos apoiantes de Trump só aconteceu, como vários jornais de grande destaque mundial realçam, devido ao incentivo do líder. Porém, apesar de se revelar um verdadeiro atentado à democracia, não é a primeira vez que manifestantes partem para a violência, impulsionados por palavras de políticos.
Num comício realizado na quarta-feira de manhã, Donald Trump apelou aos seus apoiantes a que se dirigissem até ao Capitólio, como sinal de apoio à sua recusa de abandonar o cargo e simplificar a transição a Joe Biden. O republicano vincou pediu que fosse usado todo “o tipo de orgulho e ousadia para recuperar o nosso país”.
Entre os manifestantes presentes estavam membros de grupos de supremacia branca, incluindo os Proud Boys. A sua participação em atos de violência como o que ocorreu no dia 6 de janeiro, reflete não só o que passa atualmente na América, como espelha uma longa realidade nos EUA ao longo dos anos, onde líderes políticos incentivaram grupos supremacistas a desafiar ou derrubar governos democráticos.
Violência de reconstrução
Outros momentos de mudança de poder social e político levaram a confrontos na história dos EUA entre supremacistas brancos e alianças raciais, sobretudo quando se tratava do direito de voto.
Um exemplo disso foi o período que se seguiu à Guerra Civil (que ocorreu entre 1861-1865), quando as organizações de supremacia branca consideraram ilegítimo o domínio do pós-guerra sobre os estados do sul.
Shannon M. Smith, historiadora da Saint John’s University, estudou a forma os grupos paramilitares ou autoproclamados “reguladores” espalharam o medo e o terror entre os eleitores republicanos negros nos estados do sul.
A especialista recorda que os supremacistas tinham como alvo evitar que os negros participassem nas eleições e, na altura, deixaram uma promessa: “realizar as eleições pacificamente se pudermos, pela força se for necessário”.
Ainda assim, e com constantes ameaças, foram muitos os eleitores negros e brancos que lutaram e formaram organizações políticas, não negando o seu direito de voto e criando os seus próprios grupos armados para se protegerem das ameaças.
“Cavalheiros de propriedade e posição”
No século XIX, esta atitude dos grupos supremacistas era sustentada por “cavalheiros de propriedade e posição” que frequentemente lideravam ou apoiavam indiretamente as organizações anti-abolição.
Em 1867, pós-guerra civil, vários investigadores federais em Kentucky descobriram que “muitos homens ricos e importantes” compactuavam com os grupos armados. Uma testemunha na investigação federal declarou que “muitos dos homens mais respeitáveis do condado pertenciam ao partido Lynch.
As conspirações entre supremacistas, e o apoio de grandes líderes, levaram a que pelo menos seis homens negros fossem mortos no ataque de Hamburgo à milícia negra da Carolina do Sul, pelos Camisas Vermelhas. De acordo com Smith, o grupo sabia que não enfrentaria consequências da violência exercida, e assim foi.
A especialista destaca que na época, as testemunhas tinham muitas vezes medo de desafiar os líderes locais por receio de ataques. O “reinado do terror” foi tão completo que “os homens não ousam relatar ultrajes e aparecer como testemunhas”, escreve a historiadora num artigo do The Conversation.
Quando o Tribunal Distrital dos EUA, em Kentucky, apresentou acusações contra dois homens por violência em 1871, os promotores não conseguiram encontrar testemunhas dispostas a falar contra o acusado e o medo acabou por vencer.
Em comícios políticos e eleições em todo a região Sul, milícias democratas oficiais desfilaram pelas cidades e apelaram às secções eleitorais para ameaçar os eleitores republicanos negros e brancos, proclamando: “este é o nosso país e pretendemos protegê-lo ou morreremos”.
O objetivo seria afastar os eleitores republicanos, alegando vitória eleitoral. Esses líderes democratas ganharam o poder por via do medo da violência das milícias apoiadas pelo estado.
Segundo Smith, hoje em dia, os supremacistas brancos continuam a interpretar os comentários dos políticos de uma forma muito fiel.
Este tipo de ações, incentivadas por estes grupos, podem levar a um aumento da violência e despoletar crimes de ódio no país, tal como já aconteceu no passado.
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