No início de 2020, analistas norte-americanos argumentaram que a resposta inicial das autoridades chinesas perante o novo coronavírus, que surgiu na cidade de Wuhan, poderiam constituir o “Chernobyl” da China. Um artigo do Washington Post mostra que essa perceção pode ter sido, entretanto, alterada.
De acordo com um artigo do jornalista Ishaan Tharoor, publicado na terça-feira no Washington Post, à medida que 2020 chega ao fim, é nos Estados Unidos (EUA) que paira a sombra de Chernobyl, sobre uma nação politicamente dividida, que ultrapassou as 300 mil mortes por covid-19 na segunda-feira, enquanto aumenta o número de novos casos.
Como destacou o repórter, a China acredita ter lidado de forma mais eficaz com a pandemia do que os adversários geopolíticos no Ocidente, controlando a propagação do vírus e reduzindo a transmissão nos episódios de surto. Mas este sucesso é pouco reconhecido no resto do mundo, sendo crescente a preocupação sobre a atuação do Governo do Presidente chinês Xi Jinping.
Em 2020, o governo chinês reprimiu as liberdades civis em Hong Kong e as minorias étnicas em Xinjiang, atuando ainda sob Taiwan e aumentando a tensão na fronteira com a Índia, situações que, sublinhou Ishaan Tharoor, obscureceram o declínio constante nas relações entre os EUA e a China.
A administração Trump impôs tarifas sobre produtos e sanções de entidades chinesas, procurou convencer os parceiros europeus a bloquear o avanço tecnológico chinês e apontou a China como o beneficiário das últimas décadas de globalização. Enquanto isso, referiu o analista, Jinping encaminha o país para um novo ano próspero.
Contudo, apesar de a economia da China ter recuperado mais rapidamente do que outras potências durante a pandemia, o seu crescimento está a desacelerar. Nos seus discursos, Jinping frisou que o país deve fortalecer o seu mercado interno e abandonar a exportação. Intenções semelhantes foram manifestadas durante a administração Trump, tendo havido pressão para uma “dissociação” relativamente à dependência de produtos chineses.
Numa análise sobre o tema, James Crabtree, da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, de Singapura, argumentou que esta intenção “representa uma nova compreensão radical da globalização e do lugar que a China” ocupa nesse processo.
“A ideia é que o futuro económico da China será moldado não numa visão plana de integração contínua com o Ocidente, mas em dois circuitos distintos: um doméstico e outro globalmente orientado”, explicou o historiador económico Adam Tooze.
“Enquanto o mundo estava distraído pelo drama das eleições presidenciais dos EUA, Xi [Jinping] revelou discretamente uma estratégia económica adequada para uma nova Guerra Fria”, escreveu Crabtree. “Tanto para a China quanto para a própria globalização, os resultados provavelmente serão profundos”, apontou.
Os contornos dessa mudança, continuou Ishaan Tharoor, são difíceis de prever, mas passa por um futuro em que a China estará menos disponível para as procuras e para os interesses ocidentais, embora o Presidente chinês ainda esteja comprometido com questões internacionais. No fim de semana, reiterou o objetivo de reduzir a emissão de carbono em 65% na próxima década.
A mudança relativa ao posicionamento da China no exterior pode ser vista em diferentes áreas, lê-se no artigo. Recentemente, o Financial Times mostrou como é que os gastos da China nos projetos de infraestrutura em países da Ásia e da Europa, apoiados por empréstimos de bancos estatais chineses, caíram drasticamente nos últimos anos.
“As relações sino-americanas voláteis e o acesso mais restritivo aos mercados externos para as empresas chinesas levaram a um repensar dos motores de crescimento pelos principais planeadores económicos de Pequim”, disse ao Financial Times Yu Jie, investigador da Chatham House.
“Naturalmente, se as empresas estatais decidirem focar-se no mercado doméstico, seguindo os desejos da liderança, o recurso financeiro orçamentado para investimentos no exterior será reduzido em conformidade”, acrescentou.
Analistas chineses afirmam, por outro lado, que os temores do Ocidente são exagerados. “Mesmo que Pequim quisesse imaginar que a China governará o mundo, isso é, na melhor das hipóteses, uma ilusão”, escreveu Huang Jing, reitor do Instituto de Estudos Regionais e Internacionais de Pequim.
Por outro lado, a resiliência da China ao longo de 2019 e a contínua consolidação autoritária de Jinping contam uma história igualmente importante, frisou Ishaan Tharoor.
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