O antigo juiz espanhol Baltasar Garzón, que coordena a defesa
de Alex Saab, detido em Cabo Verde e considerado testa-de-ferro do
Presidente venezuelano Nicolás Maduro, acusou na quinta-feira os Estados
Unidos (EUA) de prometerem contrapartidas pela extradição do empresário
colombiano.
A reação de Garzón consta de uma nota enviada à agência Lusa
pela defesa de Alex Saab, após o secretário de Estado norte-americano,
Antony J. Blinken, ter manifestado esta semana a vontade dos EUA
reforçarem a parceria de segurança com Cabo Verde, considerando que
“evidentemente que este ato de solidariedade e apoio não é acidental”.
“Programas para a Guarda Nacional, programas de
investimento para empresas americanas e os elogios à governação e aos
direitos humanos, está muito provavelmente relacionada com a
contrapartida da concessão da extradição”, afirmou Garzón, coordenador
jurídico internacional do caso Alex Saab.
O antigo juiz espanhol receia pela independência judicial de Cabo
Verde e nota a mudança por parte dos EUA, com a nova administração:
“Além disso, é o estilo do partido democrata, diferente em todos os
sentidos do anterior, que se caracterizava pela ameaça e força bruta.
Agora são promessas de governação, amizade, preparação e apoio ao
investimento”, criticou.
Os EUA manifestaram na terça-feira a vontade de reforçar a parceria
de segurança com Cabo Verde, num telefonema de Antony J. Blinken ao
homólogo cabo-verdiano Rui Figueiredo Soares.
“O secretário Blinken e o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Figueiredo discutiram o diálogo bilateral para fazer avançar prioridades comuns,
expandir as relações comerciais e reforçar a parceria de segurança”,
disse o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price.
Blinken destacou “o orgulho” dos EUA por terem “um amigo” em Cabo
Verde, um país “que é um modelo de governação democrática e de direitos
humanos em África”. “Manifestou também interesse em trabalhar com o
Governo cabo-verdiano para chamar a atenção das empresas
norte-americanas para as oportunidades de investimento”, acrescentou
Price.
Alex Saab, de 49 anos, foi detido em 12 de junho pela Interpol e
pelas autoridades cabo-verdianas, durante uma escala técnica no
Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na ilha do Sal, com base num
mandado de captura internacional emitido pelos EUA, quando regressava de
uma viagem ao Irão em representação da Venezuela, na qualidade de
“enviado especial”.
O Tribunal da Relação do Barlavento, na ilha de São Vicente, decidiu
por duas vezes – a última em janeiro, ambas com recurso – pela extradição de Alex Saab para os EUA.
O Governo da Venezuela exige a libertação de Alex Saab, garantindo
que aquando da detenção no Sal, possuía imunidade diplomática, pelo que
Cabo Verde não podia ter permitido este processo.
Por ter ultrapassado o prazo legal de prisão preventiva, o empresário
colombiano foi colocado em prisão domiciliária no final de janeiro, mas
sob fortes medidas de segurança.
Neste processo, os EUA, que pedem a extradição do colombiano, acusam Alex Saab de ter branqueado 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.
Em entrevista por escrito à Lusa, a partir da cadeia, em 08
de janeiro, o colombiano afirmou que é “inocente” das acusações dos EUA,
classificando como “ridículo” que seja apontado como testa-de-ferro de
Maduro. “Posso dizer categoricamente: sim, sou inocente”, afirmou Alex
Saab.
Agentes acusados de violação dos direitos humanos
Desde 2017, as autoridades venezuelanas imputaram a 677 funcionários
de distintos organismos de segurança alegados crimes de violação dos
direitos humanos, anunciou na quinta-feira o procurador-geral da
Venezuela, Tarek William Saab, citado pela Lusa.
“Entre 2017 e 2020, imputámos 677 funcionários de segurança do Estado
e 39 civis por alegadas violações dos direitos humanos”, disse. Saab
falava durante uma sessão do parlamento venezuelano, em que fez uma
gestão da atuação do Ministério Público em várias áreas.
O procurador precisou que “foram detidos, 519 funcionários de
distintos organismos e 29 indivíduos associados a esses delitos
[violação dos direitos humanos]”.
O representante acrescentou que, em termos gerais, foram acusados
1.119 funcionários, entre civis e militares, envolvidos em “casos de homicídio, tortura, tratos cruéis,
desumanos ou degradantes, privação ilegítima de liberdade, violação de
domicílios e outros delitos contemplados na nossa legislação”.
“E, em três anos, conseguimos sentenças condenatórias contra 171 funcionários de segurança do Estado e 13 civis”, frisou.
Segundo Saab, parte dos expedientes por estes crimes foram entregues
ao Tribunal Penal Internacional e à Alta Comissária dos Direitos Humanos
da ONU, Michelle Bachelet, em resposta a pedidos de informação.
Por outro lado, precisou que desde 2019 o Ministério Público criou
promotorias especializadas contra o tráfico de crianças e mulheres e que
desde 2017 aquele organismo “atendeu 610 casos de feminicídios, mais de 50% deles com atos conclusivos (julgados por um tribunal)”.
O procurador explicou ainda que em 2020 foram confiscadas 93,9
toneladas de cocaína provenientes da Colômbia e que entre agosto de 2017
e dezembro de 2020 15.431 pessoas foram acusadas de tráfico de droga e
5.930 condenadas pelos tribunais.
Finalmente, anunciou que foram identificadas 114 pessoas envolvidas
na Operação Gedeón (maio de 2020, tentativa de invasão marítima para dar
um golpe de Estado), 54 das quais admitiram os factos.
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