O Papa Francisco chega ao Iraque, esta sexta-feira, onde vai
visitar várias cidades que foram destruídas pelo grupo terrorista Estado
Islâmico (EI). A maioria da população cristã concentra-se no norte do país.
“Estamos a correr contra o tempo. Mas se Deus quiser tudo vai ficar
pronto a tempo”, disse à agência Lusa o padre Amar Yako, pároco da
igreja de Al Tahira, em Qaraqosh, que vai receber o Papa no domingo e
não tem mãos a medir para acelerar as obras de reconstrução do edifício
religioso.
A preocupação do padre Yako é fácil de entender. Basta fazer uma simples pesquisa no Google Maps pela igreja para se perceber o grau de destruição a que a cidade de Qaraqosh e o seu templo católico ficaram sujeitos, durante a ocupação do EI, entre 2014 e 2017.
“É impressionante o esforço que a população tem feito na região,
depois de ter sofrido muito às mãos de terroristas”, explicou também à
Lusa Maria Lozano, responsável de comunicação do departamento alemão da
fundação Ajuda para as Igrejas Necessitadas (ACN), uma das organizações
que contribuiu com doações para a recuperação da igreja da paróquia de
Al Tahira.
Lozano esteve no norte do Iraque por cinco vezes e assistiu ao
resultado da destruição do EI e dos ataques da coligação internacional
militar que conseguiu desmantelar o califado dessa organização
jihadista, que matou milhares de pessoas.
“Quando chegou à planície de Nínive, o EI disse aos cristãos que
tinham um mês para se converterem ao islamismo ou para saírem do
território”, disse Lozano, ajudando a compreender por que existia uma
comunidade de mais de um milhão de cristãos no Iraque e hoje restam
poucos mais de 300 mil.
A cidade de Mossul, que o Papa também visitará no domingo de manhã,
foi uma das mais afetadas pelo conflito entre o EI e as forças aliadas,
alvo de numerosos combates e bombardeamentos.
A população não resistiu ao regime de terror fundamentalista
islâmico, milhares de homens morreram, muitas mulheres foram
escravizadas, e quem conseguiu fugir só agora está a conseguir
regressar, muito lentamente, explicou Lozano.
“Penso que apenas 40% da população regressou. Muitos
não voltaram por receio de encontrarem um ambiente inseguro. Muitos por
não suportarem a memória do que lá passaram”, disse Lozano.
Segundo dados da ACN, nos três anos de guerra contra o EI, 34 igrejas
foram totalmente destruídas, 132 foram incendiadas, 197 parcialmente
danificadas, assim como mais de mil casas de cristãos foram totalmente
destruídas e mais de três mil incendiadas, mostrando o grau de
perseguição a esta minoria religiosa.
A poucos quilómetros de Qaraqosh e de Mossul, fica a cidade de Erbil,
onde o Papa Francisco celebrará uma missa no domingo à tarde e que
conseguiu passar relativamente incólume aos violentos conflitos dos
últimos anos.
“Esta foi, por isso, uma cidade que acolheu muitos refugiados. E é um
dos locais para onde regressa ainda muita da população perseguida pelo
EI”, acrescentou Lozano, referindo-se ao processo de reconstrução que
ainda está em curso, nesta região do norte do Iraque.
Maria Lozano está convencida de que a mensagem de Francisco na missa
de Erbil será exatamente a de dizer a esses milhares de cristãos que
sofreram às mãos dos terroristas que não estão sozinhos, na sua dor.
Na cidade de Najaf, que foi um dos pilares do regime xiita, já se
podem ler cartazes com as boas-vindas ao Papa, no meio de destroços que
lembram os bombardeamentos aliados que permitiram a libertação da região
e revelam que o abandono que entretanto se instalou na região não
permitirá uma reconstrução nem rápida nem indolor.
O Papa Francisco poderá ouvir estórias da ocupação do EI da boca de
cristãos que falam o aramaico, a língua que alegadamente foi usada por
Jesus Cristo, e que a Igreja Católica Caldeia, com forte implantação no
norte do Iraque, procura preservar, através de projetos de ajuda social.
Provas desta presença cristã no Iraque estão ainda espalhadas por
creches, infantários e orfanatos que a Igreja Católica Caldeia, bem como
a Igreja Ortodoxa, têm procurado construir e manter.
Outra ajuda importante tem sido dada pela Ordem Dominicana, explicou
Lozano, que lembra o auxílio social dado à população cristã, que “se
sente muitas vezes tratada de forma injusta”, como “cidadãos de
segunda”, para quem um sinal do Papa durante a sua visita será
reconfortante.
O Papa “levará certamente uma mensagem de consolo cristão.
E isso vai ser tão, mas tão importante para aquelas pessoas, que
sofreram tanto…”, concluiu Lozano, lembrando o esforço que pessoas como o
padre Amar Yako estão a fazer agora para tapar buracos de balas em
paredes e feridas nos sentimentos das pessoas.
Na semana passada, o Presidente do Iraque, Barham Salih, considerou
que esta “histórica” visita do Papa Francisco irá transmitir uma
mensagem de “paz e tolerância” a todos os iraquianos.
“A mensagem do Papa e a mensagem do Iraque deve ser: não em nome de
Abraão, não em nome de Deus, não em nome da religião. O extremismo está a
matar”, disse Salih.
O Presidente iraquiano, de origem curda, lembrou ainda que o encontro
entre o Papa e o ayatollah Ali al Sistani, a máxima autoridade
religiosa xiita do país, “representará uma profunda afirmação sobre a moderação religiosa“.
Segundo o jornal online Observador,
o Papa vai viajar em carros cobertos para evitar aglomerados de
pessoas, numa altura em que aumentam os casos de infeção de covid-19 no
país.
https://zap.aeiou.pt/visita-historica-iraque-papa-384794