O ataque à vila de Palma, na província moçambicana de Cabo
Delgado, que provocou centenas de mortes e de deslocados poderia ter
sido evitado. Quem o afirma é uma activista que trabalha na região há
três anos e que garante que o Governo de Moçambique foi avisado e que
nada fez para evitar o “massacre”.
“É uma tragédia, é um massacre”, e “podia ter sido evitado”. É desta
forma que a activista Jasmine Opperman, investigadora do Observatório
Cabo Ligado, se refere, em declarações à TSF, ao ataque à vila de Palma que provocou três mil deslocados e 800 desaparecidos, além de dezenas de mortos.
Contudo, os números das organizações não-governamentais são “conservadores”, aponta Jasmine Opperman, notando que haverá, “pelo menos, 40 mil” pessoas afectadas pela violência.
“O ataque podia ter sido prevenido”, diz ainda,
notando que “os serviços de informação avisaram o Governo moçambicano e
as embaixadas estrangeiras três dias antes do ataque”.
“Porque é que não se fez nada? Não há indicação de que [o aviso] tenha sido levado a sério”, lamenta ainda a activista na TSF.
Jasmine Opperman sublinha também que “o Governo moçambicano precisa de ajuda“.
“Precisamos de segurança em Cabo Delgado agora”, apela, apontando ainda
que “não podemos descartar a hipótese de um ataque como este voltar a
acontecer noutro sítio”.
Assim, a activista pede ajuda internacional, considerando que os terroristas estão a receber ajuda de outros países.
“O aperfeiçoamento, a sofisticação, os planos de
longo prazo, o acesso a munições e armas enquanto o ataque estava a
decorrer” mostram que “eles receberam treino por parte de estrangeiros”,
destaca.
“Ligações significativas ao Estado Islâmico”
O ataque foi levado a cabo por um grupo local conhecido por Shabaab ou Juventude em Português, que tem sido responsável por vários episódios de violência na região de Cabo Delgado.
Em 2019, o Shabaab foi admitido no grupo Província da África Central
do Estado Islâmico (ISCAP na sigla em Inglês) e passou a chamar-se Ahl
al-Sunnah wa al Jamma’ah.
Desde então, assumiu o controlo do porto estratégico de Mocimboa da Praia e ocupou agora Palma.
O ISCAP assumiu os louros pelo ataque à vila de Cabo Delgado e a agência de notícias do Daesh celebrou o episódio, referindo as “mortes de 55 forças moçambicanas e Cristãos, incluindo trabalhadores de fora do país”.
O que é certo é que o grupo de terroristas que atacou a vila
moçambicana estava altamente organizado, surgindo de “três direcções
numa operação bem planeada”, como reporta a CNN.
“Alguns dos atacantes usavam uniformes militares“,
mostrando “comando, controle e disciplina aprimorados”, e conseguiram
“confundir o pequeno número de tropas” que estavam no local, acrescenta a
estação internacional.
Moçambique tem tentado controlar o grupo terrorista, contando com a ajuda de militares russos e sul-africanos contratados, mas sem sucesso.
Um elemento do Departamento de Estado dos EUA revela à CNN que o país está “convencido dos ligações substanciais e significativas [do grupo terrorista] ao Estado Islâmico”.
“As tácticas e as manobras dos extremistas durante
estes últimos meses, bem como a sua efetividade no combate, além de
outros indicadores, convenceram-nos que há apoio significativo do Isis”,
aponta este elemento referindo-se ao grupo terrorista também conhecido
por Daesh.
Analistas contactados pela CNN acreditam que o Shabaab integra
combatentes da Tanzânia que partilham a mesma “origem linguística e
étnica”.
“O que aconteceu em Palma é um horror absoluto”
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) registou 3.361
deslocados internos em Moçambique causados pelos ataques em Palma. É o
equivalente a “672 famílias”, segundo o porta-voz da OIM, Paul Dillon.
O porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação dos
Assuntos Humanitários (OCHA), Jens Laerke, considera que a situação em
Palma é “um horror absoluto”, que causará a deslocação de outras “milhares de pessoas” pelo país inteiro, “em direcção à fronteira com a Tanzânia”.
“O que aconteceu em Palma é um horror absoluto”, frisa Jens Laerke, apontando que “fizeram coisas horríveis e continuam a fazê-las”.
O porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Andrej Mahecic, refere que “as pessoas foram mortas ou mutiladas, as casas foram saqueadas e queimadas e os campos foram destruídos”.
Mulheres e meninas foram “sequestradas, forçadas a casar, em alguns casos violadas e submetidas a outras formas de violência sexual“, relata ainda Andrej Mahecic.
“Também há relatos de recrutamento de crianças à força para os grupos armados insurgentes”, acrescenta.
Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, a população
moçambicana precisa da ajuda urgente de cerca de 254 milhões de dólares (cerca de 217 milhões de euros) “para enfrentar a tripla crise resultante da violência, das crises climáticas e da pandemia de covid-19”.
A ONU indicou que apenas 1% do valor necessitado foi angariado até agora.
Presidente de Moçambique desvaloriza ataque
Apesar dos números trágicos e dos apelos de ajuda para a província de
Cabo Delgado, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, considera que o
ataque a Palma “não foi maior que tantos outros” que o país já sofreu.
Em declarações divulgadas pela Rádio Moçambique e citadas pela Rádio Renascença, Filipe Nyusi diz que o ataque só está a receber mais atenção mediática por causa do projecto da petrolífera Total na província.
“Não percamos o foco, não fiquemos atrapalhados.
Vamos abordar o inimigo como temos estado a abordar, porque a falta de
concentração é o que os nossos inimigos – internos e externos – querem”,
apela Nyusi.
A descoberta de gás natural naquela região motivou
grandes investimentos de multinacionais, mas também poderá estar
associada ao aumento dos ataques, segundo alguns analistas.
A violência em Cabo Delgado tem levado milhares de pessoas a fugirem
para o mato ou a deslocarem-se para outras áreas do país. Haverá quase 700 mil deslocados, segundo números das Nações Unidas.
Em declarações à TSF, o pároco de Palma diz que “não sabe da maioria
das pessoas da sua paróquia”. “As pessoas não sabem se os seus
familiares estão vivos, se não estão vivos, se foram raptados. As pessoas que fugiram estão a passar fome. É tudo dramático”, lamenta o padre.
Entretanto, o secretário-geral da União das Cidades Capitais da
Língua Portuguesa (UCCLA), Vítor Ramalho, revela na TSF que vai ser
realizada uma reunião por videoconferência para estudar medidas para acabar com a violência na província moçambicana.
Até porque o que aconteceu em Palma, “pode acontecer amanhã em qualquer cidade”, avisa Vítor Ramalho.
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