É uma das marcas de roupa de venda exclusiva online mais famosas do mundo graças à sua estratégia de comunicação, mas apesar do sucesso a história e as origens da Shein continuam a ser um mistério. Em Portugal, a marca esteve recentemente envolvida numa polémica por acusações de plágio.
Todos as noites antes de de dormir, Anushka Sachan desbloqueia o seu telemóvel e acede a uma aplicação, um gesto que já se tornou um hábito para a jovem de 20 anos a estudar na Universidade de Hong Kong. “Antes de adormecer penso, ‘ok, faz log-in‘”, explica. A aplicação em causa pertence à marca chinesa Shein, que ao longo do último ano e meia se tornou um fenómeno — maior do que já era anteriormente — graças ao Tiktok.
A Shein — que também dispõe de um website tradicional — esteve recentemente nas bocas do mundo depois de ter ultrapassado a Amazon como aplicação mais descarregada nos Estados Unidos da América, mas também por se assemelhar a um culto entre adolescentes, no que respeita a marcas de vestuário.
Há mesmo quem sugira que a Shein está a ultrapassar a Zara ou a H&M, duas gigantes do mundo da street fashion, neste segmento de mercado, já que consegue ter um ritmo de produção mais rápido — a que custo, vamos ver se seguida — interagir digitalmente com os clientes de forma mais eficiente. “Eles estão a fazer com que a fast fashion pareça lenta”, afirmou Erin Schmidt, analista da Coresight Research, uma empresa mundial de consultoria e pesquisa especializada no comércio de retalho e em tecnologia, à CNN. “Eles estão a mudar o paradigma.”
O motivo que leva Anushka Sachan a aceder à aplicação diariamente é simples: sempre que o faz são lhe atribuídos pontos, os quais são posteriormente transformados em descontos, permitindo lhe usufruir de preços ainda mais baixos nas compras que faz. Para além deste sistema, a Shein também premeia os clientes quando estes assistem às suas transmissões em direto nas redes sociais ou quando participam em concursos de construção de indumentárias. Tudo isto torna a aplicação “viciante“, descreve Sachan, que compara a experiência a um videojogo.
Parece que todas as técnicas estão a resultar, pelo menos com Sachan. “Quando comecei a usar a Shein parei de comprar na H&M porque estava a encontrar as mesmas coisas mas mais caras”, explica a jovem.
Início promissor e uma pandemia de crescimento
Quando a Shein nasceu, em 2008, foi batizada pelo seu fundador Chris Xu, ZZKKO. As experiências anteriores de Xu no mundo do marketing e dos sistemas de pesquisa otimizados (SEO) foram essenciais para a criação do poderoso algoritmo do site da Shein, de acordo com a Coresight Research.
Inicialmente, a empresa vendia apenas vestidos de noiva, tendo alargado o espetro de produtos mais tarde — uma mudança que trouxe à marca o seu segundo nome, Sheinside. Em 2015, uma nova alteração transformou-a no que é hoje, a Shein, uma designação mais fácil de memorizar e de pesquisar online.
Ao contrário da grande maioria das empresas, a Shein não foi negativamente afetada pela pandemia, já que registou um aumento exponencial das vendas. Em Outubro de 2020, a Shein era uma das maiores empresas destinadas à venda de vestuário com atividade exclusiva no meio online — o que não acontece com a Zara ou a H&M, que têm lojas físicas muitas centenas de países.
A competição direta da Shein vem das britânicas ASOS e Boohoo, que, segundo a CNN, concentram grande parte do poder no que concerne à venda de vestuário online — apesar de não conseguirem sequer aproximar-se da gigante Shein. Na primeira metade deste ano, a aplicação da Shein foi descarregada 81 milhões de vezes em todo o mundo e em maio ultrapassou a Amazon como a aplicação de compras mais instalada nos Estados Unidos da América — por utilizadores de iPhones (App Store) e de smartphones (Google Play) —, de acordo com os dados da App Annie e da Sensor Tower.
Desde então, a Amazon já conseguiu reconquistar o primeiro lugar, apesar de as duas aplicações se manterem próximas nos dois lugares das tabelas. Segundo Erin Schmidt, os últimos meses têm sido, de facto, de crescimento exponencial para Shein e nem tudo se resume a vendas. A fama da marca também tem aumentado consideravelmente, com muita gente a querer conhecer toda a informação possível sobre a sua história.
O que pode causar alguns dissabores. É que apesar do sucesso — é uma das empresas chinesas mais bem cotadas — pouco ou nada se sabe sobre a Shein e a sua forma de funcionamento. Do pouco que é tornado público, é possível afirmar que a empresa chinesa tinha um capital de 15 mil milhões de dólares, segundo o PitchBook. Este verão, esse valor duplicou para 30 mil milhões com as os lucros anuais a chegarem aos 10 mil milhões de dólares, de acordo com a Bloomberg.
No site oficial da Shein não é possível encontrar referências à morada física da empresa que se caracteriza como uma “firma internacional” — também não é descrito qualquer detalhe sobre a sua história. Estas opções levaram alguns a especular que a marca pretende omitir as suas origens chinesas devido a possíveis controvérsias políticas.
“Eles só querem fazer o trabalho deles e este é um assunto com que não querem lidar. Acho que não os podemos culpar por isso“, disse Matthew Brennan, autor de vários artigos sobre tecnologia móvel chinesa, à CNN.
O esconder de jogo não agrada muitas vezes aos consumidores mais informados e conscientes, que já começaram a pedir mais informações sobre os processos de fabrico das peças, assim como a origem dos materiais usados. Para os analistas também é difícil comprovar os números relacionados com as vendas das empresas, pelo que servem-se de outros indicadores para medir o real poder e influência da marca.
Tal como qualquer empresa que deseja ter sucesso nos dias de hoje, muita da estratégia de comunicação da Shein passa pelas redes sociais, através de parcerias com influencers e outras figuras conhecidas, como o caso da cantora Katy Perry ou Nick Jonas, também cantor.
No entanto, o fenómeno mais recente da Shein aconteceu no TikTok, rede social que se tornou especialmente famosa entre adolescentes durante a pandemia graças à proliferação de vídeos em que os utilizadores davam a conhecer as peças de roupa compradas — em alguns casos, num valor equivalente a mil dólares.
https://www.youtube.com/watch?v=7RhWpNDb_d4
Em muitos casos, a Shein uniu-se aos utilizadores mais famosos desta rede social, facultando-lhes o que é frequentemente chamado de ‘código de desconto’, um código que os indivíduos podem inserir no momento de finalizar a compra, de forma a usufruírem de um desconto adicional. No caso de o código ser usado muitas vezes, o influencer com quem a Shein fez parceria também é remunerado pela marca.
Outro campo em que a marca chinesa também se move é na dinamização de eventos, podendo estes acontecer em formato físico e digital. Em setembro de 2021, a marca organizou um evento exclusivamente digital que serviu para apresentar algumas das suas peças, mas também para atrair potenciais clientes. Entre os artistas que dinamizaram o evento estava Ellie Goulding, cantora inglesa já nomeada para os prémios Grammys.
Esta constante transgressão das barreiras físicas e digitais leva Matthew Brennan a afirmar que a Shein está à frente de qualquer outra marca no que respeita à experiência que oferece aos seus clientes. “Eles misturam comunicação com entretenimento na experiência, assim como conteúdo gerado pelos utilizadores e críticas dos clientes.”
Outro fator que diferencia a Shein das restantes empresas, segundo os analistas, é um conceito intitulado “real-time retail“. De acordo com os especialistas, a marca chinesa inventou um algoritmo que consegue passar em revista a internet, incluindo a sua base de dados, para perceber que peças de vestuário estão a ser mais procuradas e como estão os potenciais clientes a reagir aos artigos disponibilizados pelas marcas concorrentes.
A informação que daqui sai é usada pelos designers da marca para desenhar novas criações — que no caso da Shein podem ser mais de 500 por dia — sim, leu bem, 500 peças novas todos os dias. No caso da britânica Boohoo, são disponibilizadas as mesmas mas no espaço de uma semana. A estes números não é certamente alheia a capacidade produtiva da China, o que permite à empresa reduzir o tempo de fabrico das peças consideravelmente — os especialistas sugerem que o tempo de produção de uma peça da Shein pode variar entre três a sete dias, quando a média da Zara é de três semanas.
A Shein também disponibiliza aos seus fornecedores os mesmos dados em que se baseia para produzir as peças, conferindo-lhes um acesso quase imediato a informações como as peças que estão a ser mais frequentemente visionadas e compradas — o que lhes permite iniciar o processo de confeção mais rapidamente. “Eles integraram o sistema nas suas fábricas. Com base no que é tendência, em termos cliques ou vendas, o algoritmo vai à fábrica e comunica ‘começa a encomendar material, começa a produzir'”, explica Schmidt. Desta forma, a empresa eliminou todos os intermediários do processo.
A aposta em cada uma das peças também é feita de forma cuidadosa, já que a marca só produz quantidades pequenas de cada artigo até que a procura mostre que é preciso elevar o stock. “Se a peça em questão esgota, a Shein encomenda uma grande quantidade de unidades dessa mesma peça”, explica a Coresight Reasearch. “Caso um artigo não se venda com a velocidade esperada, a marca vende as unidades que restam e abandona a ideia.”
Este modelo suscita obviamente preocupações relacionadas com o ambiente, à semelhança do que acontece com outras fabricantes de roupa. Enquanto alguns clientes da Shein têm vindo a levantar questões sobre o impacto ambiental, outros destacam os preços demasiado baixos, o que no entender de alguns pode dar a entender que algo de errado se passa no processo de fabrico e nas condições de trabalho dos funcionários responsáveis pela produção das peças.
No caso de Sachan, a jovem japonesa destaca a quantidade de material desperdiçado na produção das peças e o incentivo ao consumismo que é praticado pela marca chinesa.
Apesar do domínio e influência que tem em todo o mundo, há um território onde a presença da Shein não se faz sentir: a China.
Há vários motivos para isto acontecer, a começar pela competição feroz, como é o caso do Alibaba. “Não é lucrativo para eles vender na China. Os artigos que para nós podem parecer baratos para nós não o são no mercado chinês”, explica Schmidt. Como tal, a Shein concentra a sua atividade na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e no Médio Oriente — apesar de a empresa não revelar quais são os seus melhores mercados.
Recentemente, o fenómeno Shein chegou à América Latina, com os downloads da aplicação a aumentarem 988% no Brasil nos 12 meses prévios a junho face ao período homologo anterior. A marca é também um sucesso entre utilizadores indianos, apesar de em 2020 a aplicação ter ficado indisponível, à semelhança de outras dezenas. O seu regresso, consumado este ano, foi encarado com muita expectativas.
O caso português
Como seria expectável, Portugal não fica imune à febre Shein, sendo várias as publicações de figuras públicas patrocinadas pela marca chinesa. Ainda assim, o mais recente episódio a envolvê-la configura um caso de má publicidade difícil de esquecer.
Lara Luís é uma ilustradora portuguesa que se deparou com autênticas réplicas não autorizadas do seu trabalho no site da marca, o que despoletou uma corrente de apoio a Lara e de boicote à Shein.
“Na semana passada, curiosamente, instalei a aplicação da Shein no telemóvel e já tinha itens no carrinho. Sabia que é de origem chinesa e algo suspeita, mas nunca imaginei que fizessem plágio de designs de ilustradores. Muito menos, de um meu“, começou por explicar ao jornal i.
“Felizmente, não cheguei a fazer a encomenda e fui a tempo de boicotar a marca. Imagino que milhares de pessoas caiam na armadilha, não só pelos tamanhos grandes que são disponibilizados como pelos preços reduzidos.” No caso de Lara, a peça em questão é uma t-shirt desenhada pela ilustradora em 2013 com um gato preto e a frase “You work… I watch and judge” — facto que passou despercebido a Lara luís até que uma seguidora a alertar.
“Pensei logo: ‘Isto vai ser uma dor de cabeça’. E depois entendi o quão inalcançável a marca é”, disse, referindo-se à política da marca de não disponibilizar qualquer morada física ou contacto direto que permita, em casos semelhantes, aos autores plagiados entrar em contacto com a marca.
“Já recebi relatos de artistas portugueses — como joalheiros ou designers de moda — que passaram pelo mesmo”, revelou. “Há uma rapariga influencer, proprietária de uma marca de biquínis, que teve um caso destes e andou muito na internet. Ela não conseguiu resolvê-lo porque os designs estavam em várias lojas do AliExpress e acho que ela até comprou uma das réplicas que era de má qualidade em relação ao dela. Houve imensa malta estrangeira a queixar-se também”.
Alguns relatos informaram-na de que o mais longe que a Shein foi em casos semelhantes foi na eliminação dos artigos dos seus sites, algo inútil uma vez que o design em causa estava já presente em inúmeras plataformas semelhantes: eBay, Etsy ou AliExpress. Lara Luis baseou-se na experiência de uma outra designer para resolver o seu problema. “Ele não conseguiu de nenhuma maneira, mas foi atrás de todas as influencers patrocinadas pela Shein e pediu-lhes que falassem com a mesma. E foi esta a única maneira que ele teve, por isso, foi exatamente aquilo que eu fiz”, relata.
Apesar de nenhuma ter conseguido uma resposta, a cópia do seu trabalho foi também apagada. O sucedido fê-la, por incentivo dos seguidores, criar uma nova ilustração com a frase “You work and they copy”, uma forma de “dar uma bofetada de luva branca à marca”, apesar de duvidar que na Shein “estejam preocupados com isto“.
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