As autoridades chinesas estão a pedir aos governos regionais para se prepararem para um possível colapso da Evergrande.
O The Wall Street Journal noticia, esta quinta-feira, que as autoridades chinesas estão a pedir aos governos regionais que se preparem para o eventual colapso da Evergrande, um sinal da relutância da China em evitar a falência da gigante promotora imobiliária.
De acordo com responsáveis governativos próximos do processo, Beijing
está a pedir aos governos locais que se “prepararem para uma possível
tempestade” que pode surgir caso a Evergrande entre em incumprimento em
algum pagamento de dívida.
Os governos locais estão a ser instados a tomar medidas
para prevenir o risco de instabilidade social e de “incidentes de
massas”, ou seja, manifestações de pessoas afetadas pelo eventual
colapso da Evergrande.
Além disso, para evitar o “contágio” ao resto da economia, pede-se
que seja travada a destruição de postos de trabalho que possa surgir
caso o cenário se confirme.
A curto prazo, cada responsável regional tem de criar “gabinetes de crise”
com especialistas em finanças e contabilidade, para ajudarem a criar um
retrato fiel da exposição da economia regional à Evergrande, direta e
indiretamente, relata o diário.
Analistas afastam que Evergrande seja Lehman chinês
Os analistas contactados pela Lusa descartam que se possa comparar o
caso da chinesa Evergrande à queda do banco norte-americano Lehman
Brothers, que marcou o início do último grande sismo financeiro, afastando uma crise mundial.
O analista do banco BIG João Lampreia disse que considerar esta
situação “um momento Lehman Brothers não faz sentido”, ainda que a
Evergrande seja das maiores construtoras e imobiliárias da China.
A menção ao Lehman Brothers recorda a queda deste banco de
investimento dos EUA em 2008, uma das instituições financeiras mais
prestigiadas de Wall Street, que sucumbiu aos créditos imobiliários sem
qualidade ou de qualidade fraca, os designados subprime. A sua falência
precipitou a economia internacional em 2008 na pior crise financeira
desde 1929, seguida de uma crise económica.
O analista estimou que haja perdas, sobretudo para
acionistas e obrigacionistas da Evergrande, mas que tal já não é
novidade para os mercados, que já o antecipavam. Além disso, o mercado
imobiliário e o mercado financeiro tinham um nível de entrecruzamento
nos EUA que não se compara com o que se passa na China, pelo que o
impacto desta empresa não será o mesmo.
Contudo, afirmou, este caso demonstra como o abrandamento da economia chinesa representa um risco para o mundo, mas que também houve aqui um oportunismo dos mercados para corrigirem riscos excessivos.
Estimou ainda que, a médio e longo prazo, possa ter efeitos benéficos
na economia, pois é provável que o Governo de Xi Jinping reverta a
política de contração iniciada no início do ano e que para conter riscos
mais graves dê como resposta uma política monetária mais favorável aos
ativos chineses.
Também o mercado imobiliário chinês, disse, não deverá rebentar,
pois, apesar de relatos de cidades fantasma, nas grandes cidades há um
grave problema de oferta para a elevada procura. Além disso, os 300 mil
milhões de dólares (cerca de 260 mil milhões de euros à taxa de câmbio
atual) de dívida da Evergrande representam só 2% do total do crédito
imobiliário na China.
Segundo Eduardo Silva, analista da XTB, os mercados ficaram nervosos com a informação de que o Governo chinês não estaria disponível para resgatar a empresa e preocupados com o efeito sistémico deste conglomerado da segunda maior economia do mundo.
Contudo, disse acreditar que haverá ajudas indiretas, que o executivo chinês irá arranjar maneira de intervir na sombra.
Ainda assim, afirmou, qualquer “tipo de solução arrasta problemas
para alguém, que terão de assumir perdas”, mas afastou uma crise mundial
decorrente da Evergrande.
Também Ricardo Evangelista, analista da ActivTrades, considerou que a
Evergrande “não é outro Lehman Brothers, nem nada que se pareça”, que a
dívida emitida pela empresa é detida, sobretudo, por empresas chinesas e
investidores chineses e que haverá medidas de menorização dos danos.
Sobre as consequências, considerou que no imediato o principal efeito poderá ser de alguma desaceleração da economia chinesa,
poderá diminuir a confiança dos agentes económicos (por exemplo,
reduzindo a compra de casas), mas que em poucos meses estarão
ultrapassados os seus efeitos.
Depois do sobresalto nas bolsas de segunda-feira, esta quarta-feira
já estiveram mais calmas, considerando mesmo Ricardo Evagelista que
muita da ansiedade nos mercados se terá devido à expectativa face ao que
a Reserva Federal dos EUA (Fed) iria anunciar.
Evergrande, o maior promotor imobiliário da China,
assegura estar presente em mais de 280 cidades, empregar 200 mil pessoas
e gerar indiretamente 3,8 milhões de empregos. A empresa cresceu graças
ao fácil acesso a crédito na China e à especulação imobiliária.
Desde há uma dezena de anos que o grupo se diversificou e multiplicou
as aquisições. Possui um clube de futebol, o Guangzhou FC (ex-Guangzhou
Evergrande), que é treinado pelo italiano campeão do mundo Fabio
Cannavaro.
Está também presente no florescente mercado do alimentar a água
mineral, com a sua marca Evergrande Spring, e sonha abrir parques de
diversão “ainda maiores” do que a Disney, bem como investir no turismo,
internet e digital, seguros e saúde.
Estas elevadas despesas foram financiadas por créditos negociados por Xu Jiayinn, o fundador da Evergrande que se tornou a quinta maior fortuna da China.
Em 2020, o Governo chinês tomou medidas severas dirigidas aos
promotores imobiliários, para os obrigar a reduzir o endividamento.
Agora, é-lhes interdito pré-vender bens imobiliários antes que a
construção esteja terminada, um sistema que representava uma parte
importante do modelo económico da Evergrande.
O grupo perdeu a capacidade de reembolsar os empréstimos
contraídos, pondo em causa o reembolso de dois empréstimos. Perante os
receios, muitos clientes pequenos que detêm dívida da Evergrande foram,
nos últimos dias, a escritórios da empresa pedir para ser devolvido o
seu dinheiro.
A situação do grupo pôs as atenções na intervenção do Governo chinês.
Na quarta-feira, a Evergrande disse ter chegado a um acordo com os detentores de obrigações para evitar o incumprimento de uma das suas dívidas.
O imobiliário é um motor essencial da economia chinesa. Representa
cerca de um quarto do Produto Interno Bruto e desempenhou um papel
determinante na recuperação depois da pandemia.
https://zap.aeiou.pt/colapso-da-evergrande-china-pede-433685