O “Pfizergate” tomou conta das redes sociais depois da publicação, no conceituado jornal científico British Medical Journal (BMJ), de um artigo que coloca em causa os testes clínicos realizados em torno da vacina da Pfizer contra a covid-19.
O texto baseia-se em denúncias de uma “directora regional”, Brook Jackson, de uma empresa sub-contratada pela Pfizer, a Ventavia, para fazer uma parte dos testes clínicos da vacina.
Brook Jackson denuncia más práticas, salientando que a Ventavia “falsificou dados” e contratou “vacinadores inadequadamente treinados”.
A mulher trabalhou na empresa apenas durante duas semanas, em Setembro de 2020, e é uma auditora de ensaios clínicos com “mais de 15 anos de experiência na coordenação e gestão de pesquisas clínicas”, como aponta o artigo.
Jornalista é um “teórico da conspiração”
É preciso notar que as denúncias a que Jackson se refere são relativas a apenas três centros de investigação dos 153 onde foram feitos os ensaios clínicos da Pfizer em vários países do mundo. Estão em causa 1000 participantes entre os 44 mil que estiveram envolvidos nos testes clínicos.
Portanto, o epidemiologista francês, Thibault Fiolet, nota que estamos a falar de apenas 2,3% dos ensaios clínicos realizados.
As alegadas más práticas nestes testes “não põem em causa a eficácia das vacinas” que até já foi “demonstrada em condições reais em múltiplos países e por múltiplas equipas de pesquisa independentes”, nota Fiolet em declarações à Franceinfo, onde lamenta a instrumentalização de assuntos sérios por teorias conspiracionistas.
De facto, o jornalista que assina a peça, Paul D. Thacker, é descrito pelo Conselho Americano de Ciência e Saúde como um “teórico da conspiração”. A entidade também acusa o jornalista especializado em ciência de disseminar informações falsas sobre a Organização Mundial de Saúde (OMS).
De resto, o seu artigo no BMJ baseia-se apenas nas declarações de Jackson, não tendo quaisquer espaço para o contraditório da Ventavia, nem da Pfizer. A peça também fala da autoridade do medicamento dos EUA, a US Food and Drug Administration (FDA), mas também esta não terá sido contactada.
Fake news colocam CEO da Pfizer na prisão
Entretanto, a notícia de Thacker está a ser aproveitada pelos anti-vacinas para divulgarem fake news. Nas últimas horas, surgiram rumores de que o CEO da Pfizer, Albert Bourla, teria sido preso pelo FBI por suspeitas de fraude quanto à eficácia da vacina. Mas não é verdade.
Bourla tem aparecido em vários programas de televisão a dar entrevistas sobre o novo medicamento contra a covid-19 que a Pfizer anunciou. E mesmo este lançamento é aproveitado pelos adeptos das teorias da conspiração que alegam que o anúncio foi feito para abafar o “Pfizergate”.
Certo é que já há políticos a aproveitarem estas dúvidas em torno da vacina, como é o caso do eurodeputado francês Florian Philippot, ex-número dois de Marine Le Pen que fundou o movimento Os Patriotas.
Philippot já pediu ao ministro da Saúde de França, Olivier Véran, a suspensão imediata da vacina da Pfizer em França. “A saúde pública acima de tudo”, salienta.
Entretanto, a Pfizer recusa-se a comentar o artigo no BMJ, mas sublinha que estão a decorrer investigações “internas”. A Ventavia anunciou também que vai “investigar as acusações de Brook Jackson”.
Já a FDA não comenta o assunto, mas assegura que mantém “total confiança nos dados que levaram a apoiar a autorização da vacina Pfizer/BioNTech”.
A Agência Europeia do Medicamento (EMA) salienta que as alegações feitas “não colocam em causa as conclusões sobre a segurança, eficácia e qualidade da própria vacina”, conforme declarações divulgadas pelo francês Le Parisien.
O que diz o artigo?
O texto que despoletou este “Pfizergate” que parece destinado a morrer nas redes sociais baseia-se totalmente nas denúncias de Brook Jackson que diz que a Ventavia “falsificou dados” e contratou “vacinadores inadequadamente treinados”.
Além disso, a ex-funcionária da empresa refere que os procedimentos adoptados podem ter revelado aos pacientes e aos investigadores se estavam a tomar a vacina anti-covid ou uma vacina placebo, o que vai contra as boas práticas dos testes clínicos.
Por outro lado, Jackson refere que a Ventavia reagiu de forma “lenta” aos efeitos adversos reportados na fase III dos testes, atrasando-se no contacto aos pacientes com sintomas.
A denunciante também nota que os participantes dos testes foram deixados num corredor, após a vacina, e sem monitorização clínica. Também fala em vacinas armazenadas em temperaturas desadequadas e em amostras de laboratório com marcação incorrecta.
Brook Jackson nota que alertou, por diversas vezes, a empresa para estes problemas, mas que nada foi feito. Assim, apresentou uma queixa à FDA e acabou por ser despedida no mesmo dia, refere o artigo.
O jornalista dá a entender que os problemas nos testes estariam relacionados com a pressa em acelerar a investigação para colocar a vacina no mercado o mais cedo possível.
A ex-funcionária cedeu ao BMJ “dezenas de documentos internos da empresa, fotos, gravações áudio e emails“, como se nota no artigo.
Entre as fotos reveladas ao jornal está uma que mostra “agulhas descartadas num saco plástico de risco biológico em vez de numa caixa para materiais cortantes”.
Há ainda outra foto onde surgem “materiais de embalagem das vacinas com os números de identificação dos participantes dos ensaios escritos e deixados à mostra, potencialmente revelando os participantes“, aponta o jornalista.
O artigo ainda cita um áudio de uma reunião de Setembro de 2020 em que terá ficado notório que a empresa não conseguia “quantificar os tipos e o número de erros encontrados ao examinar a papelada dos testes para controlo de qualidade”.
O jornalista conta que Brooke Jackson foi contactada pela FDA, mas que não recebeu mais dados sobre o que é que a entidade estaria a fazer quanto às suas denúncias.
Além disso, aquando do pedido de autorização para o uso de emergência da vacina enviado pela Pfizer à FDA, não terá havido qualquer referência aos problemas denunciados por Jackson.
A FDA terá feito inspecções a 9 dos 153 locais onde foram realizados os testes clínicos, não incluindo nenhum da Ventavia, assegura o BMJ.
O jornalista falou com mais dois ex-funcionários da Ventavia que confirmaram as denúncias de Jackson, recusando dar o nome “por medo de represálias e perda de perspectivas de emprego na coesa comunidade de pesquisa”.
“Não acho que sejam dados limpos e bons. É uma confusão maluca“, salienta um destes funcionários à publicação científica.
Após o despedimento de Jackson, a Pfizer terá sido informada dos problemas na Ventavia e terá feito uma auditoria. Não se conhecem os resultados obtidos, mas o artigo do BMJ relata que a Pfizer contratou a Ventavia para mais quatro testes clínicos relacionados com a vacina contra a covid-19, incluindo a investigação em torno de crianças e mulheres grávidas.
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