Os últimos anos do longo mandato de Angela Merkel ao leme dos destinos germânicos ficaram marcados marcados por políticas que a distanciaram da linha dura que adotou durante os tempos mais gravosos da crise do sistema financeiro mundial que se iniciou em 2008.
Nessa altura, a chanceler tornou-se um símbolo das medidas de austeridade impostas aos países mais frágeis e que se viram na necessidade de pedir ajuda internacional, não permitindo que estes se excedessem nos gastos internos e que cumprissem com as obrigações financeiras externas. A sua figura tornou-se altamente controversa em países como a Grécia, Portugal ou Espanha, com as populações a culpá-la — e às principais figuras europeias — pelos duros cortes orçamentais que os governos nacionais foram obrigados a implementar.
Anos mais tarde, perante uma nova crise, desta feita com origem no fluxo de refugiados que chegava às costas europeias, a postura de Merkel de abrir as fronteiras alemãs, em clara oposição às políticas adotadas por outros países, valeu-lhe muitas críticas internas — e alguns votos a menos nas eleições federais que se seguiram —, mas a chanceler manteve-se intransigente. Do exterior, paradoxalmente, chegavam elogios que sublinhavam o seu caráter humanista e solidário, em linha com os princípios fundadores da própria União Europeia.
Anunciada a sua reforma da política — apesar de se manter no poder de forma interina —, é caso para dizer que da Alemanha pode chegar uma nova figura capaz de fazer tremer as pernas dos responsáveis políticos dos mesmos países referidos anteriormente, sobretudo num contexto pós-pandemia. O seu nome é Christian Lindner, líder dos liberais alemães (FDP), um dos partidos que integra as negociações, juntamente com o os sociais-democratas do SPD e dos Verdes, para o próximo governo alemão. O seu cargo provável? Ministro das Finanças — com tudo o que isso significa no contexto europeu.
Com apenas 16 anos, Lindner filiou-se no FDP e, em menos de um ano, já dirigia o grupo do partido na sua escola secundária, localizada no estado da Renânia do Norte-Vestfália, onde nasceu, bem perto da fronteira com a Bélgica e dos Países Baixos. A sua precocidade política não se fica por aqui. Aos 21 anos, tornou-se o deputado mais jovem de sempre a integrar o parlamento do seu estado — por essa altura adotou também a alcunha de Bambi, uma referência à histórica personagem da Disney.
Em 2009, novo avanço — precoce — na carreira de político: é eleito para o parlamento federal da Alemanha, tornando-se, aos 34 anos anos e poucos anos depois, líder do FDP. Curiosamente, foi no rescaldo de um dos piores resultados da história do partido — em grande parte devido às posições controversas que assumiu durante a crise financeira, alegando que os alemães não deveriam ter que suportar os erros dos restantes países europeus — que Lindner’s garantiu a sua ascensão, quer a nível partidário quer a nível nacional.
Em 2013, o FDP obteve menos de 5% da votação nas eleições federais, o que ditou o seu afastamento do parlamento alemão, algo inédito desde a função do partido e um resultado que deixava o partido à beira da irrelevância político. Um descalabro, disseram uns, uma oportunidade, viu Lindner. De facto, o meu resultado foi aproveitado para uma reconstrução interna, algo que os mais próximos de Christian lhe louvam. Gerhart Baum, um histórico do FDP, trabalhou com Lindner durante grande parte da carreira, pelo que, quando o intitula de “um dos dos talentosos jovens políticos da Alemanha” e com “capacidade de lançar luz sobre os assuntos mais complexos”, deve saber minimamente do que fala.
Baum, contudo, também aponta ao prodígio do FDP um defeito que lhe é especialmente caro: a facilidade com que pode perder o seu “compasso liberal“. Um exemplo? Quando, em 2015, se opôs à referida política de acolhimento de refugiados adotada por Angela Merkel, aponta Baum — um “verdadeiro liberal” aos olhos de muitos.
Após as eleições federais de setembro, Christian Lindner voltou a ler o livro diante dos seus olhos como ninguém. Enquanto muitos liberais estavam à espera de chegar a acordo com o seu tradicional parceiro de coligação, a CDU de Merkel, o habilidoso político estava de olhos postos num outro alvo, os Verdes, tradicionalmente longe da mesa de diálogo. A abordagem, notam admiradores e críticos, consiste no “típico Lindner”: repensar o equilíbrio de poder no cenário político alemão e concluir rapidamente que o único caminho para o FDP chegar ao poder seria através de uma coligação tripla, precisamente com os Verdes e com o SPD.
Isto traria o partido para um lugar que conhecera durante décadas, o de peça determinante no xadrez das coligações – muito frequentes – alemãs, tendo viabilizado acordos tanto com os sociais-democratas e com os democratas cristãos. Por isso, não deixou de ser surpreendente que, em 2017, Lindner tenha batido com a porta nas negociações para a formação de uma nova solução governativa. A justificação? O entendimento de que o seu partido não estava a ser tratado de forma justa – uma visão que não terá sido partilhada por muitos comentadores e analistas políticos que formaram um autêntico coro de críticas.
Se terá servido, ou não, como lição, nunca se saberá, mas a verdade é que Lindner está ciente de que as negociações que atualmente decorrem na Alemanha para a formação de um novo governo poderão ser a sua última oportunidade – não estando, por isso, em cima da mesa a hipótese de falhanço. Ao eleitorado, o líder dos liberais apresenta-se como um político reinventado, apostado numa imagem de progressista, determinado em modernizar a maior potência europeia.
Essa imagem passa-a também, por exemplo, através das indumentárias que escolha para as suas aparições durante a campanha eleitoral, onde se apresentava irrepreensivelmente vestido e acompanhado de apoiantes jovens, sobretudo homens. Não terá constituído, por isso, uma surpresa para muitos que o FDP, juntamente com os Verdes, tenham sido as duas forças partidárias que tenham conquistado mais jovens votantes.
Entre eles, Lindner é a principal estrela, seja através da imagem de indivíduo bem-sucedido, da facilidade com que se move nas redes sociais – mostrando alguns momentos da sua vida privada ou a fazer atividade física. Como se escreve na imprensa germânica, Lindner é “cool”.
No que respeita à governação, o político afirmou, de forma quase insistente, que não estava interessado num ministério só para si – algo que deverá sempre ser relativizado. Manifestou ainda que ficaria satisfeito por ver “um, dois ou três jovens” como ministros: “homens e mulheres”. Uma declaração que, no que respeita a Lindner, tem especial peso. Ao longo da sua carreira como líder partidário tem sido frequentemente acusado de negligenciar a promoção de mulheres para cargos importantes, nomeadamente em comissões parlamentares, mas também na esfera interna do partido, sobretudo em comparação com os outros principais partidos germânicos.
Gerhart Baum, elogia-lhe, ainda assim, os esforços para inverter a imagem de que o FDP se trata de um partido de um homem só. “Ele está a fazer o que pode para encorajar os membros mais novos do partido, sejam homens ou mulheres. Ele está determinado em dispersar a imagem de que o FDP é o partido de um homem”, apontou Baum.
Apesar das declarações de Lindner que davam conta da sua não intenção de ficar responsável por um ministério no governo alemão, tal deverá mesmo acontecer – durante a campanha referiu que a sua intenção, talvez a longo prazo, seria tornar-se Ministro das Finanças. Um cargo talvez demasiado exigente para alguém sem qualquer experiência na área dos negócios ou das finanças, mas também para alguém que nunca esteve à frente de um ministério.
Frank Decker, cientista político alemão, diz que é fácil perceber o porquê de Lindner querer arriscar em voos tão altos, numa fase tão inicial da sua carreira. “O cargo de ministro das Finanças é a posição mais importante do Governo alemão depois da chancelaria”, como tal, seria fácil para o líder dos liberais exercer a sua influência pelas mais diferentes áreas de governação. Simultaneamente, “é uma posição igualmente ideal para o FDP trazer para o Governo os seus principais quadros em áreas como a economia ou a política fiscal”.
Nas entrelinhas desta explicação está também um poder quase imensurável no que respeita às políticas económicas europeias.
https://zap.aeiou.pt/__trashed-8-441437