A Grécia está a processar migrantes sob a acusação de tráfico de pessoas, impondo-lhes pesadas penas de prisão. É o caso do somali Hanad Abdi Mohammad, que utilizou um barco de contrabando naufragado na ilha de Lesbos, em dezembro de 2020, salvando-se a si próprio e a 31 migrantes.
Seis meses depois do ocorrido, Mohammad, de 28 anos, está preso na ilha de Chios, após receber uma sentença de 142 anos por tráfico de pessoas. Sobre a travessia da Turquia, na qual dois passageiros morreram, afirmou que não se arrependia. “Se eu não o tivesse feito, estaríamos todos mortos”, indicou, citado pelo New York Times.
Uma cópia da decisão do tribunal criminal de Lesbos, datada de 13 de maio e vista pelo New York Times, informava que Mohammad foi condenado a 142 anos e 10 dias de prisão por tráfico de migrantes sem documentos para a Grécia. O documento acrescentava que o homem cumpriria 20 anos, o máximo permitido pelo código penal grego.
Segundo grupos de direitos humanos, Mohammad é um dos vários requerentes de asilo que recebeu penas de prisão por tráfico ou facilitação de entrada ilegal, apesar de argumentar que estava apenas em busca de segurança.
De acordo com especialistas jurídicos, a prática de levar os migrantes a julgamento por tráfico começou durante a crise migratória de 2015-2016, quando mais de um milhão de refugiados chegaram à Grécia. A prática intensificou-se à medida que o país endureceu as suas políticas de migração.
“Na Grécia, como nos Estados Unidos [EUA] e em todo o mundo ocidental, a justiça é forte e independente, julgando com base nos fatos apresentados durante as audiências”, disse o ministro da Migração, Notis Mitarachi, em comunicado. “A Grécia continuará a proteger as suas fronteiras terrestres e marítimas, que também são fronteiras da Europa, como seu dever, respeitando o direito internacional e europeu”, acrescentou.
Na mesma prisão de Chios encontram-se dois afegãos, de 24 e 26 anos, ambos com sentenças de 50 anos por facilitarem a entrada ilegal na Grécia. Um deles havia viajado com a esposa grávida e o filho. Um sírio, de 28 anos, está preso em Atenas após receber uma pena de 52 anos, depois de viajar da Turquia com a esposa e três filhos.
Os advogados disseram que não existiam evidências de que os homens estivessem a conduzir os barcos, sendo a única testemunha um oficial da Guarda Costeira grega. A sentença de Mohammad foi mais pesada porque duas mulheres morreram afogadas durante a travessia.
“A criminalização de migrantes como meio de dissuasão é uma estratégia antiga”, disse François Crépeau, especialista em direito internacional e ex-alto funcionário das Nações Unidas para os direitos dos migrantes. “A última etapa (…) são os números obscenos de anos de prisão para pessoas que estão basicamente a tentar salvar as suas vidas e a proteger as suas famílias”.
“Sentenças de prisão ultrajantes e rebuscadas são um método de intimidação”, indicou Ioannis Ioannidis, presidente da Liga Grega pelos Direitos Humanos e ex-funcionário do governo, comparando à prática ilegal de devolver os migrantes de volta para o mar.
Embora não se saiba o número de migrantes nas prisões gregas condenados injustamente por tráfico de pessoas ou facilitação de entrada ilegal, um relatório de novembro da Border Monitoring, uma instituição de caridade alemã, mostrou que pelo menos 48 casos foram identificados em Chios e Lesbos.
A polícia grega disse em comunicado que todos os casos foram investigados de forma justa sob a supervisão de um promotor e os crimes julgados de acordo com a lei grega. Contudo, Alexandros Konstantinou, do Conselho Grego para Refugiados, disse que condenar refugiados como traficantes era parte de uma estratégia para impedir mais entradas.
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