Adolf Hitler tinha um plano — na verdade, ele tinha vários. Um deles,
a eugenia das raças, era apenas a ponta do iceberg de seus princípios,
que eram bem mais gananciosos. Os campos de concentração na Alemanha
serviram como um ensaio para o que ele ansiava alcançar. Um dos planos
do político alemão foi o intitulado Plano Geral do Leste e visava a um
genocídio e uma limpeza étnica que seria realizada em todos os
territórios ocupados pela Alemanha Nazista, partindo do Leste Europeu.
Se a Grã-Bretanha tivesse caído para o nazismo, Hitler introduziria
uma nova lei que definiria que todos os homens saudáveis entre 17 anos e
45 anos de idade fossem transferidos para a Europa continental para
serem usados como escravos. As mulheres e as crianças ficariam em casa,
mas todo o tipo de bem material seria tirado delas, deixando-as com
menos do que o essencial para viverem. A iniciativa previa ir mais longe
e exterminar pelo menos 80% da população britânica.
Em adição a isso, tomado de um nacionalismo extremo, Hitler queria
colocar em prática o plano de Espaço Vital (Lebensraum), que
estabeleceria a Nova Ordem, criando uma geração de jovens arianos
fisicamente aptos e obedientes através de programas nazistas, como o
Juventude Hitlerista, pois eles seriam os responsáveis por unir a
Alemanha e torná-la a nação mais forte do mundo.
A eugenia das raças era um dos principais planos de governo de Hitler
Entre um dos planos também estava o Casamento Duplo. Com muitos
soldados do Partido Nazista abatidos durante os conflitos, todo homem
clinicamente elegível, preferencialmente de origem ariana, saudável e
membro do Partido Nazista, deveria procriar o máximo possível para
preservar a chamada "supremacia racial". Sendo assim, mulheres dariam à
luz a no mínimo oito filhos, automaticamente se tornando heroínas do
Reich e salvando a raça que estaria em toda a face da Terra.
Os nazistas planejavam colocar um gigantesco espelho espacial com 1,6
quilômetro de diâmetro em órbita, a cerca de 35,9 mil quilômetros acima
do globo terrestre. A ideia era basicamente o equivalente a um
garotinho nazista espacial com sua lupa queimando formigas com os raios
solares. Toda a vez que alguém deixasse os nazistas enfurecidos, eles
inclinariam o espelho para refletir os raios do sol na cidade ofensora e
puni-la. Em tese, os raios solares se transformariam em raios ardentes
que incendiariam tudo o que tocassem.
Mas Hitler queria ir além. Ele tinha mais ambições do que um simples
espelho espacial. Fazendo uma aliança com os irmãos Heck, o líder
nazista queria iniciar um processo de "desextinção".
Os irmãos eugênicos
Lutz Heck
Lutz Heck era filho do diretor de um zoológico em Berlim, então toda a
formação de sua infância e as mais tenras memórias dele estavam
vinculadas com a vida selvagem que ele cresceu vendo o pai gerir. Mas
ele não esteve sozinho nesse universo, pois teve ao seu lado o irmão
mais novo, Heinz Heck. Conforme foram crescendo, ambos perceberam que,
em vez de simplesmente protegerem os animais, nutriam um pensamento mais
obscuro: queriam submetê-los a experimentos.
A vontade de explorar a raça animal fez de Lutz Heck zoologista e de
seu irmão biólogo. Eles se envolveram em debates ferrenhos sobre o papel
dos seres humanos na prevenção da extinção e na criação de novas
espécies. Foi Lutz quem se mostrou mais entusiasmado com a possibilidade
de ressuscitar auroques (uma espécie de bovino selvagem extinto que
habitou a Europa, a Ásia e o norte da África), recriando um fenótipo
extinto por meio de criação seletiva.
Eles viajaram pelos continentes em busca de espécies domésticas
adequadas que apresentassem as principais características da linhagem
genética dos auroques, como o touro espanhol e o gado escocês das
montanhas. Assim, poderiam recriar os animais escolhendo cor e
comportamento do chifre e refazendo as outras partes até que tivessem
algo parecido com os auroques.
Enquanto Heinz via toda a extinção como uma progressão natural do
resultado de tribos nômades que caçavam, Lutz via a desextinção como
parte da recriação da paisagem mítica alemã dos tempos antigos, quando a
raça ariana era pura e livre de ameaças. Em adição a isso, o zoólogo
acreditava que o ressuscitar dos auroques seria uma espécie de arauto
nacional-socialista.
Foi aí que Lutz começou a demonstrar os primeiros interesses pela ideologia de Hitler.
Dando forma à vida morta
Lutz e Goring também visavam à pureza da natureza
Depois de muito flertar com as ideias, Lutz ingressou de vez no
Partido Nazista e teve o próprio Hitler como apoiador oficial de seu
projeto de desextinção, que passou a ser algo que pertencia totalmente
ao nazismo. Os irmãos integraram a organização de pesquisa científica de
Heinrich Himmeler, chamada Annenerbe, que era endereçada ao estudo do
povo ariano e a sua extensão da raça.
Com a supervisão e as ideias de Hitler, Lutz começou a pedir a
transformação de terras recém-conquistadas no leste para poder recriar a
floresta descrita no poema épico germânico escrito na Idade Média, por
volta de 1200, chamado Nibelungenlied (A Canção dos Nibelungos,
em tradução livre). A ideia era remontar a era do nomadismo dos povos
bárbaros, gerando um habitat propício para a espécie recriada. Lutz
estudou crânios e pinturas rupestres para decidir como os auroques
deveriam se parecer.
Então, em 1932, após fazer o cruzamento de vários tipos de gado,
finalmente nasceu o primeiro touro, que passou a ser chamado de Glachl, e
supostamente se tratava de um auroque. O animal era o resultado do
cruzamento de 75% do gado da Córsega com 25% de gado cinza, gado escocês
e gado de Angeln.
O gado de Heck, como ficou conhecido na modernidade, era uma espécie
alta, com chifres grandes e personalidade agressiva. O animal era capaz
de sobreviver com cuidados humanos limitados e foi espalhado por todo o
país, passando a viver em todos os lugares, do zoológico de Munique de
propriedade dos irmãos até uma floresta na fronteira da Polônia e da
Rússia.
Em seu livro-documentário, Lutz, assim que lançou os seus
pseudoauroques para o mundo, escreveu: "Os auroques antes extintos
ressurgiram como espécies selvagens alemãs no Terceiro Reich".
O delírio de uma ideologia
Hermann Goring
O projeto dos irmãos, mas principalmente de Lutz em parceria com
Hitler, deu aos nazistas e às noções de pureza racial uma dimensão
especial, em que até mesmo o ambiente social que estavam "consertando"
estava sendo refeito organicamente com a conservação e o design da
paisagem, que seria tão importante quanto a higiene racial destinada a
purgar a base da hereditariedade.
A maioria do gado de Heck morreu principalmente durante os
bombardeios a Berlim no fim da Guerra. Antes disso, Lutz já tinha unido
esforços com Hermann Goring, o braço direito e segundo líder do Partido
Nazista, que viu a oportunidade de proteger a natureza da mistura
espúria das raças. Lutz continuou as experiências de reprodução com o
apoio do líder, dessa vez testando tarpãs (cavalos selvagens
euroasiáticos). As criações do zoólogo foram mais uma vez disseminadas
em várias florestas e reservas de caça, nas quais existem descendentes
até hoje.
Além de tudo isso, os dois homens se montavam com armaduras, lanças e
outras armas para refazer o cenário de como a Alemanha era,
principalmente do modo como era retratada no poema mítico Nibelungenlied.
A fascinação pela pureza dos tempos, desde a terra até os animais,
era tamanha que eles viviam uma espécie de fantasia, como se pudessem
voltar antes de tudo ser contaminado por outras raças, em uma mescla
"suja" da continuação da linhagem alemã. Era o retorno a um passado
heroico, "limpo", que na verdade estava apenas atrelado ao nacionalismo
extremo, à antimodernidade, à anti-iluminação e ao desejo de triunfar
por meio de emoções irracionais, místicas e repletas de um essencialismo
cultural que se transformou em dogma e, consequentemente, em loucura.
https://www.megacurioso.com.br/misterios/114057-desextincao-o-ambicioso-plano-nazista.htm