Morreu, na quarta-feira passada (26), na cidade de Armação dos
Búzios, um herói brasileiro que poucos conheceram: o ex-piloto Fernando
Murilo de Lima e Silva, aos 76 anos. Esse profissional extremamente
habilidoso foi o comandante do voo da Vasp de 1988 que, sequestrado a
caminho do Rio de Janeiro, seria arremessado contra o Palácio do
Planalto.
Era Fernando o piloto do voo 375 da Vasp que foi sequestrado no dia 29 de setembro de 1988
com 135 passageiros e 8 tripulantes a bordo, quando voava de Belo
Horizonte com destino ao Rio de Janeiro. Graças à ação decisiva desse
aeronauta, o voo foi desviado para Goiânia, onde o sequestrador foi
interceptado.
Fernando Murilo de Lima e Silva. (Fonte: arquivo pessoal/reprodução)
O voo 375
Tudo corria bem com o voo naquela quinta-feira de 1988. Tendo
decolado de Porto Velho, ele já estava em sua última escala, Belo
Horizonte, em rota para seu destino final, Rio de Janeiro, após passar
por Cuiabá, Brasília e Goiânia. Já era um pouco mais do que 11 da manhã,
20 minutos após a decolagem, quando um passageiro anunciou um
sequestro.
Armado com um revólver calibre 32, o tratorista desempregado Raimundo
Nonato Alves da Conceição, insatisfeito com os rumos da política
econômica brasileira na época, resolveu se vingar: o plano era
sequestrar o avião e jogá-lo sobre o Palácio do Planalto, em Brasília,
para matar o culpado daquela crise: o presidente José Sarney.
O sequestro
Arte (Fonte: Jornal Nacional/Reprodução)
Um comissário tentou impedir que Raimundo chegasse à cabine, mas foi
baleado. Chegando às portas da cabine de pilotagem, que na época não
eram blindadas, o sequestrador atirou através delas, acertando o painel e
a perna do piloto reserva. Temendo pela vida dos passageiros, o piloto
Fernando abriu a porta.
Enquanto Raimundo anunciava o seu plano suicida, uma espécie de 11 de setembro
antecipado, o piloto acionou o transponder da aeronave, um transmissor
de rádio que permitiu enviar o código da ocorrência ("interferência
ilícita") e também a parte da conversa sobre o plano de jogar o avião
sobre o Palácio do Planalto.
Quando a torre de controle respondeu ao piloto, o copiloto Salvador
Evangelista apressou-se em responder, mas seu gesto foi interpretado por
Raimundo como uma tentativa de reação. Sem hesitar, o sequestrador o
executou friamente com um tiro na nuca.
A difícil negociação
Policiais no Aeroporto de Goiânia. (Fonte: O Globo/Reprodução)
Vendo a morte tão próxima, Fernando iniciou um arriscado processo de
convencimento na busca de uma improvável solução: sobrevoou uma área
nublada e disse ser impossível visualizar o palácio com aquelas nuvens.
O sequestrador então mudou de ideia e disse que queria ir para São
Paulo, Fernando respondeu que o combustível seria insuficiente e sugeriu
um pouso em Goiânia, local para onde rumou enquanto discutia com
Raimundo. Como o sequestrador permanecia irredutível e fazendo ameaças, o
piloto tirou o avião do piloto automático e executou um "tonneau rápido".
A ideia de fazer um tonneau, manobra acrobática em que o
avião dá uma volta em redor de seu eixo, visava desequilibrar o
sequestrador e lhe tirar a arma. Não deu certo. Não se dando por
vencido, Fernando executou outra manobra arriscadíssima para um Boeing
737: um mergulho em parafuso. O sequestrador caiu e ele pousou em
Goiânia.
O final do sequestro
O sequestrador Raimundo Nonato Alves da Conceição. (Fonte: O Globo/Reprodução)
Porém, Raimundo era duro na queda e retomou o sequestro em terra. Com
o avião cercado por oficiais do Exército e da Polícia Federal, Fernando
propôs ao sequestrador que ele exigisse um avião menor com bastante
combustível para seguir com seu plano. Raimundo aceitou, mas com uma
condição: que Fernando fosse o piloto.
Aceitando trocar sua vida
pelas dos 103 sobreviventes, Fernando esperou pacientemente, junto ao
sequestrador, durante mais 5 horas, até que a FAB colocou na pista um
avião Bandeirante que atenderia ao sequestrador. Quando este saiu,
levando também Fernando, um atirador de elite da PF o atingiu com três
tiros.
Mesmo caído, Raimundo ainda atirou na perna do piloto, que corria por abrigo. Passava das 7 horas da noite.
Uma morte e uma ingratidão
Após darem entrada em hospitais de Goiânia, todos os feridos foram
atendidos sem correr nenhum risco de morrer. No entanto, o sequestrador
Raimundo Nonato morreu misteriosamente 3 dias depois. O laudo médico
atestou "anemia falciforme".
Após salvar a vida de 104 pessoas, Fernando Murilo de Lima e Silva
foi condecorado com a Ordem do Mérito Aeronáutico. No entanto, o
principal alvo do atentado, o presidente José Sarney, jamais lhe dirigiu
a palavra ou sequer um telefonema.
https://www.megacurioso.com.br/estilo-de-vida/115898-piloto-heroi-impediu-11-de-setembro-brasileiro-em-1988.htm