A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigou no
Senado brasileiro a gestão da covid-19, aprovou o relatório final, esta
terça-feira, e pediu 80 indiciamentos por crimes durante a pandemia,
entre eles do Presidente.
Por sete votos contra quatro, o relatório final
elaborado pelo relator Renan Calheiros foi aprovado, concluindo assim os
trabalhos da CPI, que ao longo de seis meses ouviu dezenas de pessoas e
investigou indícios de inúmeras irregularidades, que vão desde a defesa
de fármacos ineficazes contra a doença por parte do Governo, até
possíveis casos de corrupção na negociação de vacinas.
Votaram a favor do relatório: Eduardo Braga (MDB-AM), Humberto Costa
(PT-PE), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues
(Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Votaram contra: Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO).
A versão final do relatório, com 1279 páginas, recomenda o indiciamento do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, pela prática de nove crimes.
Ao chefe de Estado foram atribuídos os crimes de prevaricação;
charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas
sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao
crime; falsificação de documentos particulares; crime de
responsabilidade e crimes contra a Humanidade.
De acordo com o relatório final, Bolsonaro “incentivou de forma
reiterada a população a violar o distanciamento social, opôs-se ao uso
de máscaras, promoveu aglomerações e tentou desqualificar as vacinas”.
No documento foi ainda incluído um pedido para que o Bolsonaro seja “suspenso”
indefinidamente nas redes sociais, uma das principais ferramentas de
comunicação do mandatário e que tem utilizado para divulgar
desinformação sobre a pandemia, como uma relação falsa entre as vacinas
contra a covid-19 e o desenvolvimento de SIDA.
Antes da sessão, Renan Calheiros comentou este recente direto de Bolsonaro, tendo chamado o Presidente de “serial killer que tem compulsão de morte e continua a repetir tudo o que já fez anteriormente”.
Entre as figuras políticas que não foram poupadas pelo relator da CPI estão três filhos
do Presidente – o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo
Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro –, que foram acusados da prática
de incitação ao crime.
Entre os 80 indiciamentos pedidos, dois foram contra
empresas que firmaram contratos com o Ministério da Saúde (a Precisa
Medicamentos e a VTCLog) e 78 foram contra pessoas, entre o próprio
chefe de Estado, ministros e ex-ministros do atual Governo, deputados,
empresários, médicos, funcionários públicos, o governador do Amazonas,
entre outros.
O parecer da CPI será agora encaminhado a diferentes órgãos públicos,
como a Câmara dos Deputados, a Polícia Federal, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas
da União (TCU), a Ministérios Públicos estaduais, à Procuradoria-Geral
da República (PGR), à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Tribunal
Penal Internacional (TPI), neste último caso devido aos alegados crimes
contra a Humanidade.
Segundo a versão brasileira da Deutsche Welle,
no caso do chefe de Estado, investigá-lo e denunciá-lo pelos sete
crimes comuns mencionados no documento dependeria do procurador-geral da
República, Augusto Aras. Já as acusações de crime de
responsabilidade poderiam levar a um pedido de destituição, que depende
do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Se o procurador-geral da República não tomar a iniciativa de
prosseguir com a investigação, senadores podem apresentar ao Supremo uma
ação penal subsidiária da pública, que permite que partes interessadas
solicitem a abertura de uma ação penal quando o Ministério Público teve a
oportunidade de fazer isso, mas não o fez, explica o mesmo órgão de
comunicação.
“A CPI, depois de seis meses de trabalho, encerra os seus trabalhos
com o relatório aprovado pelo colegiado e agora é uma nova etapa,
encaminhando-o para os órgãos competentes para que possamos fazer justiça ao povo brasileiro“, despediu-se o senador Omar Aziz, presidente da CPI.
Aziz apontou ainda que a CPI da Pandemia conseguiu contrapor-se ao
negacionismo do Governo e trazer o debate político aos brasileiros.
O senador argumentou também que a CPI descobriu que Bolsonaro nunca
teve a intenção de vacinar a população brasileira e disse que “não houve
uma única palavra de acalento e solidariedade pelo chefe maior da
nação” face às mais 600 mil mortes causadas pela covid-19.
Já os senadores aliados do Presidente refutaram a tese de que
Bolsonaro foi responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e apresentaram votos em separado nos quais pediram a investigação sobre a atuação de governadores e prefeitos.
Após proclamar o resultado da votação do relatório, Omar Aziz atendeu
a um pedido da senadora Eliziane Gama e pediu um minuto de silêncio
pelas vítimas da pandemia.
Oposição brasileira pede destituição de Bolsonaro
A oposição ao Governo brasileiro celebrou a aprovação do relatório e pediu a destituição de Bolsonaro.
“Urgente! O relatório da CPI acaba de ser aprovado. ‘Impeachment’ e cadeia para Bolsonaro! É obrigação dos deputados darem continuidade ao corajoso trabalho
dos senadores e colocarem toda a pressão para votar o ‘impeachment’ de
Bolsonaro. Os crimes de responsabilidade do Presidente mataram centenas
de milhares de brasileiros e a Câmara não pode seguir omissa”, defendeu
no Twitter o parlamentar Marcelo Freixo (Partido Socialista Brasileiro).
Também Ciro Gomes, que disputou a eleição presidencial de 2018 contra
Jair Bolsonaro e que deverá concorrer novamente em 2022, pediu a
destituição imediata do atual mandatário.
Já o Partido dos Trabalhadores (PT), formação política do
ex-Presidente Lula da Silva, que é apontado pelas sondagens como
vencedor das próximas presidenciais contra Bolsonaro, considerou “histórica” a sessão que resultou na aprovação do relatório da CPI e exigiu que o chefe de Estado “responda” pelos crimes de que é acusado.
A líder da bancada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na Câmara
dos Deputados, Talíria Petrone, também se manifestou sobre o parecer da
comissão: “Que todos os culpados sejam responsabilizados”.
Já o deputado federal Ivan Valente (PSOL) pediu que o PGR “não prevarique” e aceite os pedidos de indiciamento feito pelos senadores.
“Relatório aprovado! 80 indiciados, inclusive Bolsonaro e três
filhos, ministros e ex-ministros, parlamentares ‘governistas’, médicos
do gabinete paralelo, ‘bloggers’ e empresários que espalharam fake news.
A PGR não pode ignorar as graves denúncias”, apelou no Twitter.
“Não foi a omissão que nos levou a 605.884 mortos. Foi a ação dolosa
de quem dirigia o Brasil nesse período que levou a essa marca terrível,
que fica marcada, que fica registada na história como um dos momentos
mais macabros da vida deste jovem país chamado Brasil”, defendeu, por
sua vez, o senador Rogério Carvalho (PT).
Com mais de 606.246 mortes e 21,7 milhões de
infetados pelo covid-19, o Brasil é, em números absolutos, um dos três
países mais afetados pela pandemia no mundo, juntamente com os Estados
Unidos e com a Índia.
https://zap.aeiou.pt/senadores-aprovam-relatorio-pedem-indiciamento-bolsonaro-440599