Depois de semanas de impasse devido ao bloqueio dos Senadores Democratas Kyrsten Sinema e Joe Manchin ao seu pacote de leis sociais Build Back Better, a Casa Branca anunciou hoje um novo plano que promete ser “o maior esforço para combater as alterações climáticas na história americana” e que vai colocar os “Estados Unidos no caminho para cumprir com os objectivos climáticos”, o que vem mesmo a calhar com a proximidade da Cimeira climática Cop26.
As negociações com Manchin e Sinema duraram semanas, com os dois Democratas da ala mais conservadora do partido a serem criticados por não dizerem especificamente quais as concessões que queriam para aprovarem o pacote. No entanto, a presidência está confiante de que a nova proposta — que é um corte ao pacote que levou ao Senado, sendo que esse também já era um corte em relação ao que tinha prometido durante a campanha eleitoral — de 1.75 biliões de dólares (1.5 biliões de euros) e que já deixou cair algumas partes importantes do seu plano original, vai ser finalmente aprovada.
A proposta inclui 555 mil milhões de dólares destinados a incentivos, investimentos e benefícios fiscais com o objectivo de apoiar o desenvolvimento da energia renovável nos EUA. Os compradores de carros eléctricos também poderão beneficiar de um corte nos impostos que pode deixar-lhes até 12.500 dólares nos bolsos. A lei inclui também a compra de novos autocarros e camiões eléctricos e financiamento para a preparação das comunidades para fenómenos meteorológicos extremos, como incêndios e cheias, que se vão tornar mais comuns com as mudanças no clima.
Os cuidados com crianças também são um dos principais focos do pacote, com a gratuitidade universal das creches para crianças com 3 e 4 anos, o que a Casa Branca diz que é a maior expansão na educação pública dos últimos 100 anos. Este pacote em específico financiaria esta medida durante seis anos. O plano prevê também cortes nos impostos de até 3600 dólares anuais por criança para mais de 35 milhões de famílias.
Os cuidados de saúde também estão na mira e são frequentemente uma das maiores preocupações dos eleitores norte-americanos, num país com um sistema totalmente privatizado e onde 68 mil pessoas morrem anualmente devido à falta de cuidados de saúde. A presidência promete custos mais baixos para 9 milhões de americanos através do Affordable Care Act — o famoso Obamacare. Biden quer também expandir a cobertura do Medicaid a mas pessoas e incluir aparelhos de audição no Medicare (programa público de saúde para cidadãos acima dos 65 anos).
A Casa Branca também quer facilitar as contas à classe média, com um investimento de 150 mil milhões para expandir o acesso a à habitação acessível. O subsídio Pell Grant que é dado a jovens que precisam de apoio para pagar o Ensino Superior deve ser aumentado em mais de 550 dólares para 5 milhões de estudantes e as refeições gratuitas nas escolas também devem agora abranger 8.7 milhões de crianças.
No plano fiscal, a proposta cria um imposto mínimo de 15% nas corporações que tenham mais de mil milhões de lucros. Esta mudança causou alguma confusão dentro do Partido Democrata, como escreveu o The Intercept. O Senador Angus King afirmou na terça à noite que a versão original da legislação, que foi proposta em Agosto, determinava o valor em 100 milhões, mas que a oposição de dentro da administração Biden pressionou até que o mínimo fosse subido para mil milhões. “A nossa proposta original angariaria o dobro do dinheiro e era uma taxa mais baixa”, afirma King. A versão original iria afectar 1300 empresas, enquanto que a actual se limita a 200.
A criação de uma taxa mínima de IRC de 15% a nível mundial é uma ideia já há muito defendida por Biden como forma de acabar com paraísos fiscais, tendo inclusivamente já sido discutida no G7, e está também incluída no pacote. O novo plano prevê também aumentar os impostos aos mais ricos, com uma sobretaxa de de 5% em rendimentos a acima de 10 milhões e uma outra sobretaxa adicional em rendimentos acima de 25 milhões de dólares.
De 3.5 biliões para 1.75 biliões — o que caiu?
Apesar da confiança da Casa Branca, adivinha-se já muita oposição da ala progressista do Partido Democrata devido às medidas importantes que caíram do Build Back Better original, que previa um gasto de 3.5 biliões ao longo de 10 anos. O impasse político também se devia à oposição dos progressistas na Câmara dos Representantes, que se recusaram a aprovar a lei das infraestuturas que já passou no Senado enquanto não tivessem a garantia de que o pacote social seria aprovado no Senado. Manchin e Sinema estavam a bloquear o pacote no Senado, onde todos os votos são precisos devido à divisão de 50 Senadores para cada lado, o que gerou um impasse de semanas que Biden espera ver agora resolvido.
Entre as medidas que caíram, a mais notória é a criação de uma licença parental paga de 12 semanas, num país que é dos poucos industrializados que não garante qualquer tempo de licença paga por lei. A medida foi uma das exigências do Senador Joe Manchin para votar a favor no Senado, que diz que uma lei deste tipo, que apenas precisa o apoio dos Democratas para ser aprovada, “não é o lugar para uma política importante”, querendo assim um apoio dos Republicanos para a aprovar.
A verdade é que a simpatia pelos Republicanos de Manchin não é novidade, tendo o Senador da Virgínia Ocidental dito em tom de brincadeira esta semana que não sabe a que partido pertence. Questionado sobre a possibilidade de mudar de partido, o político respondeu que a sua vida seria “muito mais fácil” de trocasse. “Mas é esse o propósito de estar envolvido no serviço público? Acham que ter um “D” ou um “I” ou um “R” vai mudar quem sou? Acho que os Rs estariam muito mais felizes comigo do que os Ds agora. Não sei onde raio pertenço”, afirmou. O Senador também foi o Democrata que mais apoiou mais nomeados para cargos públicos de Trump e chegou a considerar apoiar oficialmente o ex-presidente na recandidatura à Casa Branca.
As expansões significativas prometidas ao sistema de saúde também foram cortadas, incluindo provisões para que o Medicaid começasse a abranger cuidados dentários e de visão, assim como um plano para expandir o Medicaid a americanos que vivem em estados que se recusaram a expandi-los eles mesmos dentro do Obamacare. Uma proposta para se usar o Medicare para negociar preços de medicamentos mais baixos também foi por água abaixo.
O machado também caiu em cima do plano para a gratuitidade das universidades comunitárias, assim como do imposto sobre bilionários. Apesar da proposta actual prever um aumento na tributação aos mais ricos, a ideia original era bastante mais robusta e revolucionaria completamente a forma como os impostos são pagos no país do capitalismo, além de ser uma das maiores fontes de receita para colmatar o rombo nas contas públicas causado pelas outras medidas.
Na proposta original, os bilionários passariam a pagar impostos sobre as acções que têm das suas empresas. Actualmente, os investidores pagam impostos sobre os ganhos só quando vendem alguma coisa e lucram com isso. Os mais ricos contornavam esta tributação ao segurarem investimentos até morrerem e passarem-nos para os herdeiros sem terem de pagar impostos ou então ao pedirem empréstimos à condição dos seus investimentos e com baixos juros para poderem continuar com um estilo de vida luxuoso sem ter de pagar um cêntimo ao Estado.
A ideia inicial proposta por alguns Democratas era de acabar com estas brechas ao passarem a ser tributadas as acções e activos negociáveis dos mais ricos, mas a medida morreu quando os centristas manifestaram a sua oposição meras horas depois de ser conhecida.
Progressistas prometem bater o pé
A proposta foi conhecida há meras horas, mas já se espera mais um esticar da corda do lado dos representantes progressistas perante a enorme cedência de Biden a Manchin e Sinema. A Presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, já veio apelar a que os Democratas mais à esquerda, como Alexandria Ocasio-Cortez ou Ilhan Omar, cedam e não deixem a lei das infraestruturas refém do Build Back Better.
“Para aqueles que disseram “quero ver o texto”, o texto está aqui para vocês lerem e para se queixarem. Estamos no caminho para aprovarmos isto”, disse Pelosi numa conferência de imprensa esta tarde, depois de revelar o documento de 1600 páginas, numa aparente alfinetada aos progressistas. A CNN escreve também que a líder Democrata está a apelar nos bastidores a que os colegas não “envergonharem” Biden ao arrastarem o impasse.
A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, também pediu união no partido. “Estes são componentes daquilo em que o Presidente fez campanha, aquilo que ele prometeu, e todos teriam um impacto gigante nas vidas das pessoas por todo o país, por isso querem ser parte disso ou ser parte de nada? Porque são essas as alternativas?”, desafiou. Outras vozes conhecidas da política americana, como Barack Obama e Hillary Clinton, também já manifestaram o seu apoio à lei de Biden.
“Está na hora de votarmos a lei das infraestruturas e mostramos que o governo pode funcionar outra vez”, apelou também a congressista Suzan DelBene, que preside à centrista Nova Coligação Democrata. “Mantemo-nos totalmente comprometidos em levar este plano Build Back Better além da linha da meta o mais rapidamente possível”, rematou.
Mas os apelos não parecem estar a resultar. A líder do caucus progressista, Pramila Jaypal, já disse que continuam a haver “muitos votos negativos” para que a lei das infraestruturas passe, já que a maioria Democrata na Câmara dos Representantes tem uma ligeira maioria Democrata que precisa dos votos dos mais esquerdistas.
“Continuavam a haver muitas pessoas que realmente acreditam que não podemos aprovar a lei das infraestruturas sem um acordo total, em linguagem legislativa, e um voto em conjunto”, revelou à MSNBC. Vozes influentes na esquerda americana, como os Senadores e antigos candidatos presidenciais Bernie Sanders e Elizabeth Warren, também já apoiaram a intenção dos representantes progressistas.
A representante Cori Bush também já confirmou que mais de 10 membros do caucus progressista vão continuar a rejeitar a lei das infraestruturas caso não haja progressos com o pacote social. “Se for sozinho, voto 100% não. E isto não é nada contra o Presidente. O que estamos a dizer é que não confiamos nas pessoas que têm o poder de voto”, revelou à MSNBC, numa crítica pouco subtil a Sinema e Manchin.
A verdade é que Bush tem razão nessa desconfiança, já que nem Manchin nem Sinema confirmaram se vão votar a favor da nova proposta de Biden. Sinema, que tem sido parca nas declarações aos jornalistas ao longo de todo o processo de negociações, recusou responder a perguntas à saída do Capitólio, tendo apenas emitido um comunicado hoje em que diz que “aguarda ansiosamente” pela resolução do problema para poder “ajudar as famílias” americanas “depois de meses de negociações produtivas e de boa-fé”.
Já Manchin também não confirmou se vai finalmente ceder e votar a favor, limitando-se a mostrar-se satisfeito com um corte em metade no valor da lei. “Isso foi negociado“, disse o Senador.
Numa fase em que Biden está a perder popularidade em parte devido às suas falhas no cumprimento de promessas eleitorais — e consequentemente a preocupar os Democratas na antecipação das eleições intercalares — do próximo ano, este impasse não traz bons agoiros para a taxa de aprovação do Presidente. Resta continuar a acompanhar os próximos capítulos da novela no Congresso norte-americano.
Entre promessas por cumprir e a saída do Afeganistão, Biden está a perder popularidade – e os Democratas estão preocupados
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