Em vários países da Ásia e de África, o branqueamento da pele continua a ser recorrente devido à estratificação social que reflecte o colorismo. Além do impacto na auto-estima, estes produtos têm também efeitos nefastos na saúde.
A nossa aparência é um dos factores que mais afecta a nossa vida, mesmo sem a podermos mudar de forma natural, e o tom de pele pode também ser decisivo no rumo que a vida de cada um de nós leva.
Se no Ocidente há agora uma tendência de blackfishing, em muitos países asiáticos, como a Índia, há indústrias multimilionárias inteiros baseadas numa premissa: quando mais clara a pele, mais longe se chegará na vida.
A indústria da moda é um dos principais exemplos. Uma reportagem da VICE mostra como as marcas que vendem saris e outros trajes tradicionais recorrem a modelos brancas e da Europa de leste para promover estes produtos às mulheres indianas.
A gigantesca indústria de Bollywood também influencia imenso a cultura indiana e nas indicações dos perfis das personagens para os filmes, a exigência da pele clara é uma constante entre as primeiras linhas dos anúncios das audições. A maquilhagem e a luz também são sempre pensadas para fazer os actores parecer ainda mais claros.
Mas a obsessão com a pele branca não é só um capricho vaidoso. Dado o sistema de castas na Índia, o casamento é uma das principais formas de ascensão social, e a preferência por parceiros, principalmente mulheres, com a pele clara reflecte-se na estratificação social.
A ansiedade pela pele branca não tardou a ter uma resposta de um mercado pronto para capitalizar nas inseguranças dos indianos, estando as gigantes ocidentais L’Oreál, Unilever ou Procter & Gamble — que promovem mensagens feministas e de amor próprio na Europa e América do Norte — na linha da frente da venda de produtos que prometem branquear a tez na Ásia e em África.
Cerca de 60% das mulheres indianas usam estes cremes, e a tendência está também a crescer entre os homens. O truque para garantir o sucesso de vendas? Usar actores de Bollywood na publicidade.
Kailash Surendranath é o cérebro por detrás de muitas destas campanhas publicitárias — incluindo do famoso creme Fair & Lovely, lançado em 1975 — e explica a mensagem dos anúncios.
“Há um casamento a ser arranjado entre as famílias. O rapaz vai visitar a rapariga e talvez a ache demasiado escura. Depois, a rapariga usa o Fair & Lovely e quando o rapaz a volta a visitar, decide casar com ela. Os guiões são muito iguais e estranhos. A ideia é sempre: “não vais conseguir um emprego se não se fores clara” ou “não te vais casar se não se fores clara”, revela à VICE News.
Nos últimos anos, com a maior consciencialização social sobre os problemas do racismo e colorismo, muitos actores têm-se manifestado publicamente contra a promoção destes produtos, como Bipasha Basu, Kangana Ranaut ou Swara Bhasker.
Outros, como é o caso de Priyanka Chopra, pediram desculpa por terem participado nestas campanhas publicitárias. Um estudo de 2012 mostrou que os casais que recorriam a barrigas de aluguer até estavam dispostos a pagar mais para que mulheres mais claras fossem escolhidas para terem os seus bebé, mesmo não estando o seu material genético presente na criança.
Uma contagem da CNN aos anúncios matrimoniais nas edições de domingo em Agosto de três dos maiores jornais em inglês na Índia — Times of India, The Telegraph e Hindustan Times — concluiu que os termos explicitamente relacionados com a pele branca apareceram em 22%, seja como um atractivo do anunciante ou uma exigência para os candidatos.
Mas além das dificuldades no casamento, o panorama é parecido no mercado laboral, com muitos anúncios de emprego a pedir candidatos claros, especialmente nos trabalhos de serviço ao público.
Os perigos do branqueamento da pele
Seja através de misturas feitas em casa, cremes de branqueamento ou tratamentos estéticos que destroem a melanina e prometem tons mais claros, a indústria do branqueamento tem tido um enorme crescimento, chegando a um valor de mercado estimado em cerca de 270 mil milhões de rúpias (3,55 mil milhões de euros).
Além do impacto na saúde mental e na auto-estima das indianos, muitos destes tratamentos para clarear a pele têm também impactos na saúde física.
Numa nova série da CNN dedicada a esta indústria, há relatos de dependências de substâncias que começaram depois do uso de cremes de branqueamento.
Soma Banik, que tem um blog onde conta a sua experiência com estes produtos, foi transportada para a sua adolescência depois de receber uma mensagem de uma leitora que lhe pedia ajuda.
O relato da leitora Janet James revelava que há mais de dois anos que usava um creme com o esteroide betametasona e que estava a sofrer efeitos secundários. “Quando paro de o usar, a minha pele começa a fazer comichão e pequenas borbulhas surgem”, queixou-se
Banik, que tem agora 33 anos e trabalha para o governo indiano, respondeu imediatamente e sem dúvidas: “Pára de o usar agora“.
O betametasona é um corticosteróide potente usado em medicamentos para problemas de pele como a psoríase ou o eczema, mas que tem também como efeito secundário o aclareamento da pele. Apesar de só dever ser aplicado sob prescrição médica, na Índia o ingrediente é regularmente usado sem ser receitado.
Aos 14 anos, a mãe de Banik disse-lhe para usar um destes cremes, depois de uma vizinha ter dito que lhe iria branquear a pele. Nos primeiros tempos, os colegas de Banik elogiavam a sua “boa aparência”, mas dois meses depois de começar, a jovem começou a notar a pele a queimar-se quando estava ao Sol.
De início, Soma achou que era um sacrifício necessário, já que a beleza — ou neste caso, a pele branca — é dor. Mas numa manhã em que se esqueceu de aplicar o creme, uma borbulha apareceu-lhe no queixo.
Ao fim de algum tempo, Banik começou a sofrer com comichão e acne e começaram a aparecer-lhe pêlos na cara — sintomas de Rosto Dependente de Esteróides Tópicos (RDET), de acordo com dermatologistas.
O uso destes produtos sem controlo pode também causar pústulas, pele seca, sensibilidade ao Sol, hipopigmentação (branquear a pele) ou hiperpigmentação (escurecer a pele). Depois da pele ficar dependente do uso destes cremes, qualquer tentativa de para o uso vai causar borbulhas, vermelhidão e assaduras.
Perante o uso generalizado destes produtos na Índia, em 2018 o governo adicionou 14 cremes com esteroides à lista de medicamentos que só podem ser adquiridos com receita médica, mas seja pela pressão das farmacêuticas ou pela falta de controlo das autoridades, o acesso aos produtos continua fácil e livre.
A resistência contra o colorismo
A maior consciência social sobre o problema do racismo e do colorismo tem levado também ao surgimento de uma contra-cultura que luta contra a discriminação.
“Esta é uma crença que está enraizada nas nossas mentes. Faz parte da nossa cultura”, explica Kavitha Emmanuel, activista fundadora da campanha Dark is Beautiful, à VICE.
Entre a influência do colonialismo inglês, que representava o poder dos governantes com pele branca, e as crenças já próprias da cultura de castas na Índia, várias razões explicam esta obsessão no país, que se reflecte em no quotidiano.
“Quando um bebé nasce, a primeira coisa que as pessoas querem saber, depois do sexo, é a cor da pele. Desde o primeiro dia que os pais dizem coisas negativas sobre a cor dos bebés. Eu vi como isso afecta a confiança nas meninas“, revela.
Já activista feminista Reena Kukreja afirma à CNN que o desejo da pele clara também nasce da associação entre a pele escura e o trabalho feito nos campos ao Sol, que é “emblemática” do estatuto baixo nas castas.
Além de campanhas com o Dark is Beautiful, há também outros grupos que se dedicam a acabar com o estigma contra a pele escura, como o Kranti, que apoia filhas de trabalhadoras sexuais e as ajuda a reclamar a sua auto-estima.
“São as nossas famílias que começam a culpar-nos desde a infância. A minha mãe disse-me que sou tão escura que nunca vou arranjar um rapaz ou um emprego, faz este remédio caseiro, usa este creme e eu pergunto; porquê? Por que é que não me posso sentir bonita como sou?“, questiona uma integrante do Kranti.
Emmanuel remata lembrando a diversidade cultural da Índia. “Somos uma nação diversa, com línguas e etnias diversas, acho que temos de olhar em frente e pensar em por que é que continuamos a entreter esta crença tóxica“, conclui.
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