O caso de Owen Paterson rapidamente suscitou um debate público no Reino Unido sobre a acumulação de empregos dos deputados, principalmente dos membros do Partido Conservador.
Não têm sido dias fáceis para Boris Johnson. O primeiro-ministro britânico está debaixo de fogo devido a várias suspeitas de corrupção e má conduta dentro do seu próprio partido. No entanto, apesar de até ter o seu nome envolvido em acusações, Johnson considera que o Reino Unido não é um país sistematicamente corrupto.
“Acredito genuinamente que o Reino Unido não é um país remotamente corrupto e acho genuinamente que as nossas instituições não são corruptas“, respondeu o primeiro-ministro quando questionado sobre as preocupações dos eleitores sobre a má conduta nos Conservadores.
“Temos um sistema muito, muito duro de escrutínio e democracia parlamentares, e dos media também. Acho que temos casos onde, infelizmente, os deputados quebraram as regras no passado e podem ser culpados de quebrar as regras agora. O que quero é vê-los a enfrentar castigos apropriados“, afirmou.
Sobre a acumulação de empregos dos deputados, Johnson refere que essa possibilidade já existe “há centenas de anos” e que esta práctica no geral tem fortalecido a democracia britânica ao dar aos políticos “alguma experiência no mundo“.
Afinal, o que está em causa? Tudo começou nas últimas semanas, quando foi noticiado que Owen Paterson, que foi deputado pelos Conservadores durante 24 anos, terá quebrado as regras dos lobbys durante o seu trabalho no sector privado, onde recebia mais de 100 mil libras por ano, segundo uma investigação independente de um comité do parlamento.
Paterson terá usado a sua influência como deputado numa agência pública responsável pela comida para beneficiar a empresa de diagnósticos Randox e a distribuidora de carne Lynn’s Country Foods, para as quais trabalhou.
Apesar de os deputados britânicos não serem obrigados a trabalhar em exclusividade, as regras sobre lobbys impedem que usem o seu poder político para beneficiar as empresas às quais estão ligados.
O deputado também terá usado o seu escritório parlamentar para se reunir com clientes privados e enviado cartas em nome das empresas usando os papéis identificados como vindos da Câmara dos Comuns, algo que não é permitido.
Os conservadores apoiados por Johnson aprovaram uma moção que definiu que a suspensão de um mês para Paterson recomendada pelo comité independente fosse ignorada, o que motivou muitas críticas e acusações de que o partido estava a proteger o deputado e a ser cúmplice no escândalo de corrupção.
No âmbito das críticas, o governou mudou de postura no dia seguinte, menos de 15 horas depois do voto, prometendo que ia levar a suspensão de novo a votação. No entanto, apenas algumas horas depois, Paterson anunciou a sua demissão, reforçando que as acusações eram infundadas.
Boris Johnson ficou “muito triste” com o seu afastamento depois de uma “carreira distinta”, isto depois do seu governo ter planeado mudar as regras sobre lobbys para proteger Paterson.
A resposta dos Conversadores suscitou uma discussão sobre a corrupção no Reino Unido, com Johnson a ser acusado de “fugir com medo” ao escrutínio parlamentar, até por deputados dentro do seu partido, com Mark Harper a dizer que “se o capitão da equipa está errado, acho que devia pedir desculpa ao público e a esta Câmara”.
Keir Starmer, líder dos Trabalhistas chegou a dizer que Johnson deu “luz verde à corrupção” ao tentar mudar as regras parlamentares para salvar Paterson e que o primeiro-ministro tinha escolhido “encolher-se” em vez de enfrentar as críticas e pedir desculpa.
O Partido Nacional Escocês até submeteu um pedido formal à Polícia Metropolitana para investigarem criminalmente Johnson e o Partido Conservador depois de terem sido
dados títulos nobres a nove antigos tesoureiros do partido que tinham dado pelo menos 3 milhões de libras aos Conservadores.
Os esqueletos no armário dos Conservadores
O primeiro-ministro já tinha sido acusado de nepotismo e favorecimentos com a atribuição de títulos ao seu próprio irmão, o também deputado Jo Johnson, e a vários ex-colegas e amigos, como Evgeny Lebedev. Johnson também foi contra os conselhos oficiais quando escolheu o doador dos Conservadores Peter Cruddas para receber um título.
Depois do escândalo com Paterson, foi a vez do deputado e antigo procurador-geral Geoffrey Cox ser o centro das atenções. Os Trabalhistas exigiram uma investigação depois de se saber que o político conservador ganhou cerca de 900 mil libras no ano passado pelo seu trabalho como advogado, incluindo viagens até ao paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas para ser conselheiro num inquérito governamental sobre corrupção, revelou o
Daily Mail.
Cox terá ficado lá durante semanas e feito trabalho de deputado, incluindo votar, remotamente, e também pode ter quebrado as regras do parlamento ao participar de uma videoconferência com um cliente a partir do seu escritório na Câmara dos Comuns. O deputado negou ter desrespeitado as regras.
A trabalhista Anneliese Dodds acusou Cox de “se aproveitar” das proibições trazidas pela pandemia para trabalhar a partir das Caraíbas. Downing Street respondeu que os deputados têm de “ser visíveis” nas comunidades que representam e que “se não estão a fazer isso, não estão a fazer o seu trabalho”.
Mas Paterson e Cox estão longe de ser os únicos. Segundo o
The Guardian, 30 políticos do Partido Conservador, incluindo ex-líderes partidários acumulam trabalhos como consultores com salários milionários, o que tem posto em causa a credibilidade do partido. Um deputado dos Liberais Democratas e um Trabalhista também estão na lista.
Apesar das regras parlamentares não impedirem que os deputados acumulem outros trabalhos, sendo que alguns até têm trabalhado parcialmente como médicos ou enfermeiros durante a pandemia, a maioria dos que têm segundos empregos — incluindo Keir Starmer — trabalham como advogados.
O debate actual é principalmente à volta dos políticos que trabalham como consultores, já que isso pode facilmente levar a suspeitas de sleaze — um termo que é usado no Reino Unido para descrever todos os tipos de má conduta política, desde a ética à sexual.
A acumulação de empregos em si até já foi vista como algo positivo, já que a experiência laboral dos deputados poderia ser útil para um melhor serviço dos cidadãos, tal como defendeu Boris Johnson, mas as polémicas e os valores milionários que muitos políticos auferem nos segundos empregos têm levado a apelos a que as regras sejam revistas para que sejam evitados conflitos de interesse.
Para além das supeitas de favorecimento, o nome de Johnson também veio à baila devido à sua relação com a família de um membro da Câmara dos Lordes suspeita de evasão fiscal. Segundo avançou o
The Guardian, a vila de luxo em Espanha onde Boris Johnson passou férias também está ligada a propriedades detidas pela família de Zac Goldsmith, que está envolvida num esquema de fuga aos impostos.
Os documentos do tribunal revelam que os investigadores ordenaram que as empresas detidas pelos Goldsmith pagassem 20 milhões de libras (24 milhões de euros) de impostos e multas que ainda não tinham sido pagos relativos a negócios com propriedades suspeitos. Johnson recusa-se a revelar o custo destas férias.
Esta não é a primeira vez que as férias do primeiro-ministro são escrutinadas, depois de ter sido criticado este ano devido à opacidade dos detalhes sobre uma viagem às Caraíbas que foi financiada por um doador dos Conservadores.
Também não se sabe de onde veio o dinheiro para pagar as renovações ao apartamento de Johnson em Downing Street, que alegadamente custaram 200 mil libras. O doador Conservador Lord Brownlow terá ajudado a financiar as obras.
As acusações de que o governo quer interferir no comité independente que investigou Paterson também fazem Johnson ficar mal na fotografia. Desde que o escândalo rebentou que Downing Street argumentou duas vezes que a actual comissária, Kathryn Stone, não devia poder examinar dois assuntos ligados especificamente ao primeiro-ministro, nomeadamente as suas férias gratuitas na vila de Goldsmith em Espanha e quem pagou as renovações ao seu apartamento.
O primeiro-ministro estará também a tentar colocar o antigo editor do Daily Mail, Paul Dacre, a liderar a entidade que fiscaliza os meios de comunicação no país. Dacre é um aliado de Johnson e teve um papel importante na campanha do Brexit como editor de um dos maiores tablóides britiânicos. Depois de ter sido inicialmente rejeitado para o cargo, os ministros reabriram o processo com uma mudança na descrição do trabalho para tentarem melhorar as probabilidades de Dacre.
O desrespeito aos tratados internacionais e a conduta do governo britânico no protocolo da Irlanda do Norte, que o ex-conselheiro de Johnson — Dominic Cummings — revelou que o executivo nunca teve intenção de cumprir também tem sido outra das críticas apontadas, especialmente depois de se falar que o país vai activar o artigo 16 para unilateralmente mudar o acordo com a União Europeia.
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