Serão armas? Tanques? Submarinos? Drones? Não, o novo trunfo militar dos Estados Unidos são mesmo balões — e não do tipo que inspiram canções infantis ou a música de Manuela Bravo. Já desde 2019 que o exército norte-americano estava a fazer testes em grandes áreas onde punha à prova a capacidade de vigilância destes balões de alta altitude.
Na altura, falavam-se em até 25 balões movidos a energia solar que estavam a ser lançados desde as zonas rurais do estado da Dakota do Sul e que vigiavam uma área de 250 milhas que se estendia ao Minnesota, Iowa, Wisconsin, Missouri e Illinois.
Os drones furtivos já tinham sido usados para espionagem há muito, mas agora os balões estratosféricos estão a ser encarados como alternativas viáveis e mais baratas que passam despercebidas pelas defesas aéreas dos inimigos.
Durante vários anos, a fabricante de aeronaves militares Sierra Nevada Corporation forneceu o governo norte-americano com pequenas avionetas equipadas com sensores que custavam milhões de dólares para sobrevoarem o México, a Colômbia, o Panamá e o mar nas Caraíbas. Num relatório do Senado de 2019, concluiu-se que apenas 6% do tráfico de drogas na região foi interceptado, cita o The Guardian.
A fraca eficiência aliada às limitações no tempo de voo e a necessidade de uma equipa nos aviões também tornou este método menos apelativo. Por isso, a Sierra Nevada começou a mudar de estratégia e passou a dedicar-se à produção de balões cujo objectivo é “fornecer um sistema de vigilância persistente para localizar e deter o tráfico narcótico e ameaças à segurança interna”.
A vigilância de áreas de interesse geopolítico para os adversários russos e chineses também é um dos possíveis usos desta tecnologia, como por exemplo, no Mar do Sul da China.
Equipados com radares de alta tecnologia que podem simultaneamente localizar vários veículos tanto de dia como de noite independentemente das condições meteorológicas.
É também possível voltar atrás nas imagens que são registadas para se ver exactamente o que aconteceu e quem estava envolvido caso haja suspeitas de alguma actividade ilícita.
A flutuar a altitudes de até 60 mil e 80 mil pés, esta inovação aparentemente inofensiva do Pentágono pode atingir alvos tácticos, como bases de mísseis e radares de defesa aérea a uma distância superior a mil milhas. No entanto, são precisos batedores aéreos para apontar os alvos.
A alta tecnologia usada faz com que por vezes até sejam confundidos com OVNIs. Os balões que passaram na fase de testes estão aos poucos a passar a ser mesmo usados em operações militares. Para além do uso militar, a inovação pode também ajudar a detectar a formação de furacões ou tempestades solares.
Os actuais equipamentos militares aéreos, como os drones ou satélites, são bastante limitados relativamente ao tempo em que podem vigiar uma zona ou ao nível de detalhe conseguido.
O recurso a uma inovação muito mais barata como os Stratollites — nome dado aos balões pela World View Enterprises, que também produz para o Pentágono e para a NASA e é concorrente da Sierra Nevada — pode representar um enorme aumento na capacidade de recolha de informações da inteligência dos EUA.
Segundo escreve a Popular Mechanics, os Stratollites são aeronaves gigantes em forma de abóbora que podem ter um volume até 800 mil metros cúbicos. As suas gôndolas podem contem câmaras para a luz diurna, radares, câmaras térmicas, sensores de frequências de rádio e painéis solares.
A inclusão de sensores que avaliam os padrões do vento e o design que permite mudanças de voo rápidas e eficientes, um Stratollite pode também mudar de altitude, apanhar ventos e manter-se em posição dentro de um perímetro de 19 quilómetros do alvo durante quatro dias.
Está também já a ser desenvolvido o programa TRIPPWIRE que inclui uma experiência nas operações contra-estratosférias — ou seja, já prevê guerras entre balões. Para se destruir um destes balões o mais provável é ser preciso um golpe na gôndola.
Visto que as gôndolas não tem cockpits pressurizados, tanques de combustível, munições ou turbinas de alta velocidade, será mais difícil rebentar estes balões do que seria destruir um drone ou um avião pilotado.
Também será muito mais barato substituir os balões do que os outros equipamentos aéreos, pelo que o Pentágono pode recorrer a uma estratégia que combina o uso de balões e de drones.
Depois do anúncio de Biden de que a política externa militar dos EUA vai agora ser mais baseada em operações “além do horizonte” em que não há tropas no solo, o recurso a esta nova tecnologia pode até começar a substituir certos modelos de drones.
Até mesmo durante a fase de testes, o uso destes balões já levantou preocupações sobre a privacidade dos cidadãos que são vigiados, especialmente tendo em conta o histórico da inteligência norte-americana de espiar os seus próprios cidadãos, tal como revelou o denunciante Edward Snowden. Dado serem uma inovação recente, há também ainda poucas regulações sobre o uso de balões para a vigilância.
“Não achamos que as cidades americanas devam ser sujeitas a vigilância de grandes áreas onde todos os veículos podem ser acompanhados onde quer que vão. Mesmo só com testes, estão a recolher muitos dados sobre os americanos. Não devemos ir pelo caminho de permitir que isto seja usado nos Estados Unidos e é perturbador ouvir que estes testes estão a ser feitos, até pelo exército”, criticou Jay Stanley, analista da União Americana pelas Liberdades Civis.
Os documentos relativos aos testes em 2019 também não especificavam se estavam a ser feitos no âmbito de alguma investigação e se os dados recolhidos seriam apagados, guardados ou passados a outras autoridades federais ou locais.
“Gostaríamos de saber o que estão a fazer com esses dados, como os estão a arquivar, e se estão a contemplar usar os balões dentro dos Estados Unidos. Porque se decidirem que a tecnologia pode ser usada domesticamente, haverá uma enorme pressão para a implementarem”, reforça Stanley.
Já Ryan Hartman, CEO da World View, diz que as preocupações com a privacidade são tidas em conta pela empresa — apesar de já ter feito dezenas de testes para clientes cuja identidade não revelou e não clarificar que dados são recolhidos.
“Obviamente, há leis para proteger a privacidade das pessoas e nós respeitamos essas leis. Também entendemos a importância de trabalhar de forma ética para que se proteja ainda mais a privacidade das pessoas”, declarou ao The Guardian.
https://zap.aeiou.pt/baloes-trunfo-militar-eua-privacidade-444323