Vários estudos já mostraram que o 1% mais rico da população
mundial, que são um grupo de cerca de 70 milhões, são os principais
causadores das alterações climáticas e que as mudanças que cada um de
nós adopta valem pouco sem se acabar com as “emissões de luxo”.
Nas aulas de matemática ensinam-nos que 50% é mais do que 1% e a
lógica sugere que, num mundo desenvolvido e de oportunidades iguais,
esses 50% seriam mais responsáveis pelas alterações climáticas do que o
tal 1% — mas esse não é o mundo em que vivemos.
Entre apelos a mais mudanças de hábitos individuais e governamentais,
há um grupo que é um grande causador das alterações climáticas e que
parece muitas vezes passar entre os pingos da chuva no que toca às
críticas: os mais ricos.
De acordo com um novo estudo da Oxfam, as emissões do 1% mais rico da população mundial serão 30 vezes maiores
do que aquilo que é necessário para se conseguir manter o aumento da
temperatura global abaixo de 1.5ºC — o objectivo definido no Acordo de
Paris de 2015.
Os cientistas alertam para uma necessidade urgente dos governos de
obrigarem ao corte “no consumo de carbono de luxo” emitido com o uso de
aviões privados, iates e viagens turísticas ao espaço. Para os
objectivos de Paris serem alcançados, a população mundial tem de reduzir
as suas emissões de CO2 numa média de 2.3 toneladas por pessoa até
2030, cerca de metade da média actual.
O 1% do topo, que são menos do que os 83 milhões de habitantes da Alemanha, estão a seguir uma tendência de emissão de 70 toneladas de dióxido de carbono por pessoa
anualmente. Estes valores são um grande contraste com a mera tonelada
anual que a metade mais pobre do planeta emite. Até 2030, os mais ricos
serem os causadores de 16% de todas as emissões.
“Uma pequena elite parece ter liberdade para poluir à vontade.
As suas emissões desproporcionais estão a alimentar o tempo extremo em
todo o mundo e a colocar em risco o objectivo internacional da limitação
do aquecimento global”, critica a responsável política da Oxfam,
Nafkote Dabi, que autorizou o estudo do Instituto Europeu para a
Política Ambiental e do Instituto para o Ambiente de Estocolmo.
O estudo foi divulgado enquanto a Cop26 ainda estava a decorrer em
Glasgow, onde vários participantes, como Boris Johnson, o Príncipe
Carlos ou Jeff Bezos, chegaram de jacto privado. A
cimeira foi também criticada por muitos activistas e representantes dos
países mais afectados pelas alterações climáticas por não ter alcançado
resultados suficientemente ambiciosos.
As ambições dos bilionários Richard Branson ou Elon Musk de criar uma
indústria de viagens turísticas ao espaço também não é um bom agoiro
para o futuro do planeta. O lançamento de um foguetão emite entre 200 e 300 toneladas de dióxido de carbono que são distribuídas por à volta de quatro passageiros, geralmente.
Actualmente, o número de viagens de foguetão é pequeno. De acordo com
a NASA, houve 114 tentativas de lançamentos orbitais. Em comparação,
uma média de 100 mil voos de avião acontecem todos os dias em todo o
mundo.
No entanto, um único voo de 11 minutos de foguetão emite pelo menos 75 toneladas de CO2 para a atmosfera, o que pode exceder as emissões de toda a vida de cada pessoa dos mil milhões de pessoas mais pobres da Terra.
Apenas a emissão total dos 10% mais ricos é suficiente para exceder a quantidade alocada para se cumprir os 1.5ºC até 2030, independentemente daquilo que os outros 90% da população façam.
O estudo da Oxfam mostra que a luta para conter o aumento de
temperatura aos 1.5ºC não está a ser colocado em risco pela maioria da
população mundial, mas sim pelos excessos luxuosos de uma elite
económica — mas está longe de ser o único. A própria ONU já tinha
recomendado que os mais ricos terão de cortar as suas emissões em 97%.
Uma outra investigação da Oxfam em 2020 já tinha tido resultados semelhantes, mostrando que o 1% mais rico tinha causado mais do dobro das emissões que a metade mais pobre do planeta toda junta entre 1990 e 2015.
No geral, as emissões subiram 60% no período de 25 anos, mas o
aumento por parte dos mais ricos foi o triplo daquele causado pelos 50%
mais pobres.
Os 54 países de África representam mais de um quarto de todas as
nações do planeta, onde vivem cerca de 1.3 mil milhões de pessoas, o que
equivale a mais de um sexto da população mundial. No entanto, o
continente é responsável por apenas 4% do total das emissões de gases com efeito de estufa, segundo um estudo da Organização Mundial de Meteorológica.
Mas o clima é implacável e não quer saber de quem é culpado pelas
alterações climáticas. Apesar de terem pouca culpa no cartório, tal como
os países insulares do Pacífico, os africanos não vão ser poupados dos
efeitos do aquecimento, sendo que os únicos três glaciares no continente
— o monte Kilimanjaro, as montanhas Rwenzori e o monte Quénia — devem
desaparecer.
A desigualdade económica não se manifesta só nas diferenças entre os
causadores, mas também na forma como as populações africanas vão sofrer
com o aumento da frequência dos fenómenos extremos e o aumento do nível
das águas do mar. Os países mais pobres estão condenados a ter planos de
adaptação insuficientes, daí os apelos a que as nações ricas apoiem o
hemisfério Sul sem os prender num ciclo de dívidas.
Em 2017, um relatório da Carbon Majors concluiu que apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões
de dióxido de carbono desde 1988. As empresas de combustíveis fósseis
ExxonMobil, Shell, BP e Chevron foram as principais culpadas.
Caso a exploração fóssil continue ao mesmo ritmo nos 28 anos seguintes àquele a que existiu entre 1988 e 2017, as temperaturas globais subiriam 4ºC até ao fim do século — muito longe dos 1.5ºC desejados.
A tensão entre a sede pelos lucros a curto-prazo exigida pela
economia capitalista e a necessidade urgente de combate às alterações
climáticas são o maior obstáculo a enfrentar. Uma investigação da Carbon
Tracker de 2015 concluiu que as empresas fósseis arriscam-se a desperdiçar mais de 2 biliões de dólares
na próxima década ao continuarem a explorar carvão, petróleo e gás
natural em projectos que podem perder todo o valor perante a resposta à
crise climática.
Mas as empresas não são o único problema. O financiamento público à
exploração de combustíveis fósseis também continua, seja este resultado
da pressão de lobbys das indústrias ou das ambições de crescimento
económico dos países.
O relatório da Carbon Majors já apontava que um quinto das emissões
industriais de gases com efeito de estufa são apoiadas por fundos
públicos. De acordo com a Amigos da Terra, desde 2018 até 2021, os
países do G20 já investiram pelo menos 188 mil milhões na exploração de combustíveis fósseis.
“O problema é estrutural e sistémico. A sociedade capitalista está orientada para o desperdício
e a destruição da ordem para promover o consumo e a produção ao custo
mais baixo. Isso exige poder e significa que sem restrições apertadas a
maior parte das vezes usados formas de energia “sujas” como o carvão”,
explica David Fasenfest, sociólogo e professor universitário ao Salon.
Seguindo esta lógica, não há um único bicho-papão a quem se possa
apontar o dedo por estar a destruir o planeta e o problema é o incentivo
do sistema económico ao interesse egoísta de cada um em detrimento do bem comum.
Por exemplo, caso o uso das energias verdes aumente muito os custos
de produção e diminua a competitividade de forma a que se possam perder
postos de trabalho e haja inflacção, uma empresa que prefira continuar a
usar petróleo pode ser acusada de ser a vilã da história?
“Somos todos culpados e inocentes ao mesmo tempo“,
responde Fasenfest, que lembra que a maioria das pessoas não tem
alternativas viáveis à participação no sistema no dia-a-dia, estando
limitadas a pequenas mudanças, como desligar as luzes quando não estão a
ser precisas ou fechar a torneira enquanto lavam os dentes, que não têm
um grande impacto no problema geral.
Já Naomi Oreskes, historiadora na Universidade de Harvard, resume a
questão ao Salon: “As alterações climáticas são alimentadas pelos gases
com efeito de estufa, que são produzidos pela actividade económica, por
isso os países com maior actividade económica são mais responsáveis
pelas alterações climáticas”.
Durante a maior parte da história moderna, este grupo de nações
incluiu os Estados Unidos, França, Alemanha ou o Reino Unido. Mas a
hegemonia económica ocidental tem sido ameaçada nos últimos anos pelo crescimento dos chamados BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A China é inclusivamente já a maior economia mundial e também o maior
poluidor mundial (28% das emissões mundiais), mas Oreskes lembra a
falta de nuance que existe em muitas discussões que acusam a Índia (7%
das emissões) e a China de serem grandes culpados pelo aquecimento
global e que não têm conta as emissões per capita ou o outsourcing de indústrias ocidentais que operam nestes países.
Os dois países asiáticos juntos acolhem mais de um terço da população
mundial, pelo que o seu contributo para a crise climática é bastante
mais pequeno quando se têm esse número em conta. “Estamos a falar de
pessoas em nações que são ou muito ricas, muito ineficientes, ou ambos”,
explica.
Em 2011, por exemplo, as nações que tiveram emissões mais altas per capita foram o Luxemburgo, o Reino Unido, os Estados Unidos, a Bélgica e a República Checa.
A professora revela que costuma explicar aos seus alunos que o
americano médio tem a mesma pegada carbónica que 1.3 coreanos, 7
brasileiros, 9 paquistaneses, 35 nigerianos e 52 ugandeses.
No entanto, é importante lembrar que a causa das disparidades são “pessoas ricas” independentemente da nacionalidade, já que uma “pessoa rica na Índia deve ter uma pegada carbónica semelhante à de um americano médio”.
Este foi também o argumento usado pelo primeiro-ministro Narendra
Modi na Cop26 para responder às críticas de que a ambição da Índia de
chegar às zero emissões líquidas em 2070 não era uma concessão
suficiente dado os compromissos adoptados por outros países, dizendo que
a Índia “entende e partilha a dor de outros países em desenvolvimento”.
O mundo está em alerta vermelho e as medidas sérias para combater as
alterações climáticas são urgentes. Resta saber se o planeta e os
governos estarão dispostos a fazer o que é necessário para que uma
pequena minoria não ponha em risco o futuro do planeta.
https://zap.aeiou.pt/poluidores-iguais-mais-rico-futuro-planeta-444702