sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Todos os poluidores são iguais, mas alguns são mais iguais que outros - O 1% mais rico está a colocar o futuro do planeta em risco !


Vários estudos já mostraram que o 1% mais rico da população mundial, que são um grupo de cerca de 70 milhões, são os principais causadores das alterações climáticas e que as mudanças que cada um de nós adopta valem pouco sem se acabar com as “emissões de luxo”.

Nas aulas de matemática ensinam-nos que 50% é mais do que 1% e a lógica sugere que, num mundo desenvolvido e de oportunidades iguais, esses 50% seriam mais responsáveis pelas alterações climáticas do que o tal 1% — mas esse não é o mundo em que vivemos.

Entre apelos a mais mudanças de hábitos individuais e governamentais, há um grupo que é um grande causador das alterações climáticas e que parece muitas vezes passar entre os pingos da chuva no que toca às críticas: os mais ricos.

De acordo com um novo estudo da Oxfam, as emissões do 1% mais rico da população mundial serão 30 vezes maiores do que aquilo que é necessário para se conseguir manter o aumento da temperatura global abaixo de 1.5ºC — o objectivo definido no Acordo de Paris de 2015.

Os cientistas alertam para uma necessidade urgente dos governos de obrigarem ao corte “no consumo de carbono de luxo” emitido com o uso de aviões privados, iates e viagens turísticas ao espaço. Para os objectivos de Paris serem alcançados, a população mundial tem de reduzir as suas emissões de CO2 numa média de 2.3 toneladas por pessoa até 2030, cerca de metade da média actual.

O 1% do topo, que são menos do que os 83 milhões de habitantes da Alemanha, estão a seguir uma tendência de emissão de 70 toneladas de dióxido de carbono por pessoa anualmente. Estes valores são um grande contraste com a mera tonelada anual que a metade mais pobre do planeta emite. Até 2030, os mais ricos serem os causadores de 16% de todas as emissões.

Uma pequena elite parece ter liberdade para poluir à vontade. As suas emissões desproporcionais estão a alimentar o tempo extremo em todo o mundo e a colocar em risco o objectivo internacional da limitação do aquecimento global”, critica a responsável política da Oxfam, Nafkote Dabi, que autorizou o estudo do Instituto Europeu para a Política Ambiental e do Instituto para o Ambiente de Estocolmo.

O estudo foi divulgado enquanto a Cop26 ainda estava a decorrer em Glasgow, onde vários participantes, como Boris Johnson, o Príncipe Carlos ou Jeff Bezos, chegaram de jacto privado. A cimeira foi também criticada por muitos activistas e representantes dos países mais afectados pelas alterações climáticas por não ter alcançado resultados suficientemente ambiciosos.

As ambições dos bilionários Richard Branson ou Elon Musk de criar uma indústria de viagens turísticas ao espaço também não é um bom agoiro para o futuro do planeta. O lançamento de um foguetão emite entre 200 e 300 toneladas de dióxido de carbono que são distribuídas por à volta de quatro passageiros, geralmente.

Actualmente, o número de viagens de foguetão é pequeno. De acordo com a NASA, houve 114 tentativas de lançamentos orbitais. Em comparação, uma média de 100 mil voos de avião acontecem todos os dias em todo o mundo.

No entanto, um único voo de 11 minutos de foguetão emite pelo menos 75 toneladas de CO2 para a atmosfera, o que pode exceder as emissões de toda a vida de cada pessoa dos mil milhões de pessoas mais pobres da Terra.

Apenas a emissão total dos 10% mais ricos é suficiente para exceder a quantidade alocada para se cumprir os 1.5ºC até 2030, independentemente daquilo que os outros 90% da população façam.

O estudo da Oxfam mostra que a luta para conter o aumento de temperatura aos 1.5ºC não está a ser colocado em risco pela maioria da população mundial, mas sim pelos excessos luxuosos de uma elite económica — mas está longe de ser o único. A própria ONU já tinha recomendado que os mais ricos terão de cortar as suas emissões em 97%.

Uma outra investigação da Oxfam em 2020 já tinha tido resultados semelhantes, mostrando que o 1% mais rico tinha causado mais do dobro das emissões que a metade mais pobre do planeta toda junta entre 1990 e 2015.

No geral, as emissões subiram 60% no período de 25 anos, mas o aumento por parte dos mais ricos foi o triplo daquele causado pelos 50% mais pobres.

Os 54 países de África representam mais de um quarto de todas as nações do planeta, onde vivem cerca de 1.3 mil milhões de pessoas, o que equivale a mais de um sexto da população mundial. No entanto, o continente é responsável por apenas 4% do total das emissões de gases com efeito de estufa, segundo um estudo da Organização Mundial de Meteorológica.

Mas o clima é implacável e não quer saber de quem é culpado pelas alterações climáticas. Apesar de terem pouca culpa no cartório, tal como os países insulares do Pacífico, os africanos não vão ser poupados dos efeitos do aquecimento, sendo que os únicos três glaciares no continente — o monte Kilimanjaro, as montanhas Rwenzori e o monte Quénia — devem desaparecer.

A desigualdade económica não se manifesta só nas diferenças entre os causadores, mas também na forma como as populações africanas vão sofrer com o aumento da frequência dos fenómenos extremos e o aumento do nível das águas do mar. Os países mais pobres estão condenados a ter planos de adaptação insuficientes, daí os apelos a que as nações ricas apoiem o hemisfério Sul sem os prender num ciclo de dívidas.

Em 2017, um relatório da Carbon Majors concluiu que apenas 100 empresas são responsáveis por 71% das emissões de dióxido de carbono desde 1988. As empresas de combustíveis fósseis ExxonMobil, Shell, BP e Chevron foram as principais culpadas.

Caso a exploração fóssil continue ao mesmo ritmo nos 28 anos seguintes àquele a que existiu entre 1988 e 2017, as temperaturas globais subiriam 4ºC até ao fim do século — muito longe dos 1.5ºC desejados.

A tensão entre a sede pelos lucros a curto-prazo exigida pela economia capitalista e a necessidade urgente de combate às alterações climáticas são o maior obstáculo a enfrentar. Uma investigação da Carbon Tracker de 2015 concluiu que as empresas fósseis arriscam-se a desperdiçar mais de 2 biliões de dólares na próxima década ao continuarem a explorar carvão, petróleo e gás natural em projectos que podem perder todo o valor perante a resposta à crise climática.

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Mas as empresas não são o único problema. O financiamento público à exploração de combustíveis fósseis também continua, seja este resultado da pressão de lobbys das indústrias ou das ambições de crescimento económico dos países.

O relatório da Carbon Majors já apontava que um quinto das emissões industriais de gases com efeito de estufa são apoiadas por fundos públicos. De acordo com a Amigos da Terra, desde 2018 até 2021, os países do G20 já investiram pelo menos 188 mil milhões na exploração de combustíveis fósseis.

“O problema é estrutural e sistémico. A sociedade capitalista está orientada para o desperdício e a destruição da ordem para promover o consumo e a produção ao custo mais baixo. Isso exige poder e significa que sem restrições apertadas a maior parte das vezes usados formas de energia “sujas” como o carvão”, explica David Fasenfest, sociólogo e professor universitário ao Salon.

Seguindo esta lógica, não há um único bicho-papão a quem se possa apontar o dedo por estar a destruir o planeta e o problema é o incentivo do sistema económico ao interesse egoísta de cada um em detrimento do bem comum.

Por exemplo, caso o uso das energias verdes aumente muito os custos de produção e diminua a competitividade de forma a que se possam perder postos de trabalho e haja inflacção, uma empresa que prefira continuar a usar petróleo pode ser acusada de ser a vilã da história?

Somos todos culpados e inocentes ao mesmo tempo“, responde Fasenfest, que lembra que a maioria das pessoas não tem alternativas viáveis à participação no sistema no dia-a-dia, estando limitadas a pequenas mudanças, como desligar as luzes quando não estão a ser precisas ou fechar a torneira enquanto lavam os dentes, que não têm um grande impacto no problema geral.

Já Naomi Oreskes, historiadora na Universidade de Harvard, resume a questão ao Salon: “As alterações climáticas são alimentadas pelos gases com efeito de estufa, que são produzidos pela actividade económica, por isso os países com maior actividade económica são mais responsáveis pelas alterações climáticas”.

Durante a maior parte da história moderna, este grupo de nações incluiu os Estados Unidos, França, Alemanha ou o Reino Unido. Mas a hegemonia económica ocidental tem sido ameaçada nos últimos anos pelo crescimento dos chamados BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A China é inclusivamente já a maior economia mundial e também o maior poluidor mundial (28% das emissões mundiais), mas Oreskes lembra a falta de nuance que existe em muitas discussões que acusam a Índia (7% das emissões) e a China de serem grandes culpados pelo aquecimento global e que não têm conta as emissões per capita ou o outsourcing de indústrias ocidentais que operam nestes países.

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Os dois países asiáticos juntos acolhem mais de um terço da população mundial, pelo que o seu contributo para a crise climática é bastante mais pequeno quando se têm esse número em conta. “Estamos a falar de pessoas em nações que são ou muito ricas, muito ineficientes, ou ambos”, explica.

Em 2011, por exemplo, as nações que tiveram emissões mais altas per capita foram o Luxemburgo, o Reino Unido, os Estados Unidos, a Bélgica e a República Checa.

A professora revela que costuma explicar aos seus alunos que o americano médio tem a mesma pegada carbónica que 1.3 coreanos, 7 brasileiros, 9 paquistaneses, 35 nigerianos e 52 ugandeses.

No entanto, é importante lembrar que a causa das disparidades são “pessoas ricas” independentemente da nacionalidade, já que uma “pessoa rica na Índia deve ter uma pegada carbónica semelhante à de um americano médio”.

Este foi também o argumento usado pelo primeiro-ministro Narendra Modi na Cop26 para responder às críticas de que a ambição da Índia de chegar às zero emissões líquidas em 2070 não era uma concessão suficiente dado os compromissos adoptados por outros países, dizendo que a Índia “entende e partilha a dor de outros países em desenvolvimento”.

O mundo está em alerta vermelho e as medidas sérias para combater as alterações climáticas são urgentes. Resta saber se o planeta e os governos estarão dispostos a fazer o que é necessário para que uma pequena minoria não ponha em risco o futuro do planeta.

https://zap.aeiou.pt/poluidores-iguais-mais-rico-futuro-planeta-444702

 

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