A Rainha de Inglaterra acordou nesta terça-feira com menos um reino na longa lista de países onde é a chefe de Estado, depois de Barbados ter cortado oficialmente as relações com a monarca de 95 anos à meia-noite.
A intenção já tinha sido anunciada em Setembro do ano passado, com a governadora geral do país, Sandra Mason, a dizer que tinha chegado a hora do país insular “deixar de vez o seu passado colonial para trás“, depois de se ter tornado independente em 1966. Há já 396 anos que a coroa britânica reinava no território.
Quando o relógio marcou a meia-noite, a bandeira real foi retirada numa praça na capital, Bridgetown. Carol Roberts-Reifer, que lidera a Fundação Cultural nacional declarou que o Barbados é agora uma República.
A multidão na praça aplaudiu a nova chefe de Estado, Sandra Mason, uma ex-jurista de 73 anos que se tornou assim a primeira Presidente do pequeno país de apenas 280 mil habitantes, depois de o parlamento lhe ter concedido o cargo em Outubro.
“A República dos Barbados zarpou na sua viagem inaugural“, declarou a nova Presidente no seu discurso inaugural, onde reconheceu o “mundo complexo, fracturado e turbulento” que o país tem agora de enfrentar. “O nosso país têm de ter sonhos grandes e lutar para os realizar”, rematou.
O Príncipe Carlos, herdeiro do trono britânico e futuro líder da Commonwealth, marcou presença na cerimónia, depois de ter chegado à ilha no domingo à noite a convite da primeira-ministra Mia Amor Mottley.
Aquando da sua chegada, uma guarda de honra deu as boas-vindas ao membro da família real. “A criação desta República marca um novo começo. Desde os dias mais negros do nosso passado e a atrocidade horrorosa da escravatura, que para sempre mancha a nossa história, o povo desta ilha criou o seu caminho com uma força de espírito extraordinária”, disse o Príncipe na sua intervenção.
A cantora Rihanna, que é natural da ilha, também marcou presença e foi homenageada ao ser declarada uma heroína nacional.
A decisão dos Barbados é a primeira em quase 30 anos que assinala o afastamento de um reino da coroa inglesa, depois da ilha Maurícia ter também passado a ser um República em 1992. No entanto, tal como a ilha Maurícia, Barbados vai continuar a integrar a Commonwealth.
Mas esta mudança já era antecipada há muito. “Tornar-se uma República é um sinal de amadurecimento. Faço a analogia a quando uma criança cresce e compra a sua própria casa, a sua própria hipoteca e dá as chave de volta aos pais porque está a seguir em frente”, revelou Guy Hewitt, que foi alto-comissário do país no Reino Unido entre 2014 e 2018, à CNN.
“Afecta a nossa dignidade enquanto cidadão. Reduz-nos psicologicamente e depois temos responsáveis oficiais que têm de jurar lealdada a este soberano que não faz parte da sua realidade”, afirma Hilary Beckles, o historiador mais conhecido do país, sobre o papel da monarquia, ao The Guardian.
Em 1966, no amanhecer da independência, o então primeiro-ministro, Errol Barrow, já tinha apelado à transição para uma República, dizendo a um ministro britânico que o país “não ia vadiar na propriedade colonial depois da hora do fecho“.
Um inquérito no Barbados sobre o que pensavam os cidadãos sobre a família real concluiu que 60% dos habitantes apoiam a transição para uma República, sendo que metade destes estavam entusiasmados. Apenas uma em cada dez pessoas queria manter o sistema anterior.
A popularidade da rainha também não era grande, com uma indiferença generalizada sobre a chefe de Estado britânica.
O corte do “cordão umbilical” com a realeza
Conhecida como a “pequena Inglaterra“, a pequena ilha nas Caraíbas foi a mais velha colónia britânica, tendo os primeiros navios lá chegado em 1627. Foi só em 1966 que o país se tornou independente.
Barbados foi uma fonte importante de riqueza para a Inglaterra nos séculos XVII e XVIII, com muitas famílias a fazer fortunas com a exploração do açúcar e com o trabalho escravo, tendo sido “o primeiro laboratório para o colonialismo inglês nos trópicos”, segundo o historiador Richard Drayton.
“Foi em Barbados que os ingleses passaram leis pela primeira vez onde distinguiam os direitos dos negros dos restantes e foi o precedente criado em Barbados na economia e na lei que foi depois transferido para a Jamaica, as Carolinas e o resto das Caraíbas”, acrescenta.
A influência britânica na ilha ainda se nota nos dias de hoje — continua-se a conduzir do lado esquerdo, a jogar-se críquete no estádio Kensington Oval e a praia Brighton relembra o passado do domínio inglês na escolha dos nomes dos locais.
No entanto, chegou a hora de se cortar de vez o cordão umbilical com a família real, numa decisão que integra uma agenda maior nas Caraíbas que pretende desenhar um futuro fora da alçada da influência britânica.
Apesar da mudança ser geralmente vista com bons olhos, há algumas preocupações sobre a abordagem escolhida.
Cynthia Barrow-Giles, professora universitária de governação constitucional, acredita que a janela de apenas um ano para a transição pode ter sido usada para “tirar atenção àquele que é um momento muito difícil em Barbados“.
“O mundo sofre com a pandemia de covid-19, mas em Barbados, que tem uma economia baseada no turismo, tem sido particularmente difícil. Se aceitarmos a noção de que uma República é um sistema dado às pessoas, o desafio que enfrentamos é que não houve muita consulta pública sobre a mudança. Sim, foi incluída no discurso, mas o povo de Barbados não fez parte desta jornada“, conclui.
https://zap.aeiou.pt/barbados-bye-bye-rainha-de-inglaterra-447632
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