O teletrabalho levou a menos trânsito, a má ventilação dos
espaços fechados levou à criação de mais esplanadas e as ciclovias
ganharam uma nova vida. A pandemia trouxe mudanças que já eram ansiadas
há anos nas nossas cidades e muitas vieram para ficar.
Com a explosão da pandemia em Março de 2020, veio o pânico e o medo do uso de transportes públicos. A resposta de Berlim foi criar ciclovias improvisadas
nos lugares de estacionamento da cidade, adicionando barreiras de
plástico e pintando com spray símbolos de bicicletas. Mas pouco mais de
um ano depois, em Setembro de 2021, essas ciclovias que deviam ser
temporárias, passaram a ser permanentes.
A nível global, mais de 200 cidades criaram iniciativas semelhantes no início da pandemia, reporta o Fast Company,
com o objectivo de facilitar os acessos nas cidades para os peões e os
ciclistas. Houve várias experiências, com lugares de estacionamento a
serem usados para esplanadas ou a criação de passeios de direcção única para se garantir a distância.
Uma pandemia (que esperamos que seja) temporária pode ter mudado
permanentemente as nossas cidades. Na Lituânia, a capital Vilnius
transformou-se numa cidade-esplanada para a economia local continuar viva durante a pandemia.
Em Nova Iorque, um programa que dá prioridade a peões e ciclistas em
certas ruas é agora definitivo, com várias ruas da cidade a ter agora menos faixas de rodagem
para carros, limites de velocidade mais apertados e passeios maiores. O
programa Open Restaurante da cidade, que delimita os espaços na rua
para as esplanadas dos restaurantes, também é agora permanente na Big
Apple.
Já em Paris, foram criados quase 50 quilómetros de ciclovias
no início da pandemia. Eram temporárias, mas já são permanentes, com
novas estruturas de cimento a separá-las das faixas para os carros. Até
2026, a capital francesa quer também adicionar mais 180 quilómetros de
ciclovias. Esta mudança já estava nos planos, mas a covid-19 acelerou o
processo.
“Na pandemia, as pessoas viram algo diferente para as cidades”
A Wired
dá também conta das mesmas mudanças. Se nos últimos anos, as cidades
atraíam cada vez mais pessoas e a população estava a concentrar-se nas
zonas urbanas, em 2020, muitas pessoas com mais posses começaram a sair
destes centros, caso o seu trabalho pudesse ser feito remotamente.
O trânsito diminuiu e quando os restaurantes, cinemas e museus
reabriram, muitas pessoas continuavam receosas de estarem presas em
contacto próximo com outras em espaços fechados e com pouca ventilação.
Para ajudar a salvar estes negócios, as actividades que anteriormente se faziam apenas em espaços fechados passaram a tomar conta das nossas ruas
e dos parques de estacionamento. As ruas com casas também foram
fechadas aos carros para que os residentes pudessem circular à vontade
ao ar livre.
A pandemia acabou por ser o catalisador para uma mudança que vários especialistas já queriam há décadas – tornar as nossas cidades mais amigas das pessoas e priorizá-las em vez dos carros.
Além de representar mais um perigo para a segurança rodoviária e
trazer problemas para a mobilidade nas cidades, a nossa
“carrodependência” também tem um grande impacto no ambiente e na qualidade do ar nas zonas urbanas.
Apesar destes problemas serem conhecidos já há muito, qualquer
tentativa de se mudar este panorama recebeu sempre imensa contestação.
De acordo com Greg Shill, professor de direito da Universidade do Iowa,
qualquer proposta enfrentaria um “difusão clássica de problemas entre
benefícios e custos”.
Entre comerciantes que afirmam que a redução nos lugares de estacionamento vai afugentar os clientes
da proximidade das suas lojas e queixas sobre a falta de oferta de
transportes públicos com alternativa, os argumentos contra a
reurbanização foram sempre entraves às mudanças.
Mas eventualmente, chegou a covid-19. “Como é frequentemente o caso com a ruptura, tivemos uma mudança mais rápida do que alguém teria esperado.
Uma das barreiras que caiu mais rápido que era expectável foi a
oposição legar e institucional ao reaproveitamento das ruas”, afirma
Shill.
“Como espécie, não somos bons a imaginar coisas que nunca vimos e a
grande maioria dos habitantes da América do Norte são viram casas para
cada família e ruas dominadas por carros como a forma como construímos
coisas”, aponta Shoshanna Saxe, engenheira da Universidade de Toronto,
retratando uma realidade que está longe de se limitar aos Estados Unidos
ou ao Canadá. “Essa não era a única opção. Não tinha de ser assim. Na pandemia, as pessoas viram algo diferente“.
Já Harriet Tregoning, diretora da Aliança da Nova Mobilidade Urbana,
lembra que o “músculo da reacção rápida das cidades” se desenvolveu
muito mais devido à covid-19. “Isso é muito importante. As intervenções
ligadas aos transportes nos EUA são tipicamente sujeitas a todos os tipos de análises ambientais, e orçamentos para muitas intervenções quando são permanentes, o que é muito caro”, aponta.
Agora, as cidades já sabem como agilizar os processos. “Quando as
cidades tipicamente implementam novas infraestruturas, podem fazer um
processo de quatro, cinco ou até 10 anos. Esta maneira de aprender no
momento com as mudanças é algo muito positivo“, remata.
A recepção da população também depende da forma como as alterações são comunicadas, já que, por exemplo, nem toda a gente anda de bicicleta
e beneficia das ciclovias, mas a generalidade da população come em
restaurantes, pelo que a criação de esplanadas pode ter assim menos
contestação do que as ciclovias.
https://zap.aeiou.pt/pandemia-mudar-cidades-455716