O cerco das tropas russas à cidade estratégica de Mariupol é cada vez mais apertado. As autoridades ucranianas denunciam a sabotagem russa a caravanas humanitárias e o corte no fornecimento de água.
Mariupol tenta resistir, mas as tropas russas estão cada vez mais perto de tomarem a cidade. De acordo com as autoridades locais, foram lançadas duas bombas “super-poderosas” sobre a cidade ucraniana esta terça-feira, não tendo ainda sido revelados mais detalhes.
“Não resta nada, apenas ruínas“, afirmou o Presidente ucraniano, Volodimir Zelenskyy, sobre os ataques na cidade durante um discurso perante o Parlamento italiano esta terça-feira.
Zelenskyy também denunciou a captura de uma caravana humanitária que levava alimentos e medicamentos para a cidade. “Todas as nossas tentativas, infelizmente, são reduzidas a nada pelos ocupantes russos. Com bombardeamentos ou terror óbvio”, lamentou.
António Guterres, secretário-geral da ONU, apelou esta terça-feira à abertura de corredores humanitários, considerando “moralmente inaceitável, politicamente indefensável e militarmente disparatada” a continuação da guerra.
A vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, também exigiu a abertura de corredores para a saída dos civis da cidade costeira, afirmando que 100 mil pessoas estão presas sem conseguir sair de Mariupol.
No total, ainda estão cerca de 300 mil pessoas na cidade, que está há semanas sob cerco das tropas russas, que na segunda-feira apresentaram um ultimato para a rendição da cidade em troca da abertura dos corredores humanitários, uma proposta que Kiev rejeitou.
A União Europeia acusou a Rússia na terça-feira de estar a usar a água “como uma arma de guerra”, com as forças russas alegadamente a ameaçarem desidratar a população para forçarem a rendição desta cidade estratégica, localizada entre a Crimeia, que foi anexada por Moscovo em 2014, e o território separatista de Donetsk.
“No Dia Mundial da Água, continuamos chocados que uma das muitas táticas hediondas do ataque russo à Ucrânia seja o uso da água como arma de guerra“, realçaram, em comunicado conjunto, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, e o Comissário Europeu para o Meio Ambiente, Virginijus Sinkevicius.
Segundo estes responsáveis europeus, as tropas estão a “cortar deliberadamente o acesso da população à água potável, utilizando a ameaça de desidratação para forçar a rendição da cidade e negando o acesso às necessidades mais básicas“.
“Cada gota conta. Água potável e saneamento são direitos humanos essenciais”, vincaram, pedindo à Rússia que respeite os corredores humanitários e permita a retirada da população civil “para outras partes da Ucrânia”. Para além da falta de água, há também falhas no fornecimento de electricidade, comida ou medicamentos e problemas nas redes de comunicação.
De acordo com um alto funcionário do Pentágono, a estratégia russa baseia-se agora em “disparos de longo alcance” dirigidos ao centro da cidade. Os residentes que conseguiram fugir descrevem a situação à ONG Human Rights Watch como “um inferno glacial, com ruas cheias de cadáveres e escombros de edifícios destruídos”.
Já a procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, fala mesmo em “genocídio”. “Os teatros de guerra têm regras, princípios. O que vemos em Mariupol é a total ausência de regras”, revelou à AFP.
“Uma criança de cinco anos gritava: ‘Eu não quero morrer’”
Há cerca de uma semana, um teatro em Mariupol, onde se escondiam centenas de pessoas, foi bombardeado. O número de vítimas mortais ainda é desconhecido.
Mariia Rodionova, uma professora da 27 que sobreviveu ao ataque, relatou à
BBC a sua experiência. Mariia deixou os seus dois cães presos à bagagem por volta das 10 da manhã para ir buscar água ao teatro, quando a bomba caiu. O som foi tão arrebatador que a professora achou que tinha rompido o tímpano.
Mariia revela que um homem a tentou proteger dos escombros ao empurrá-la contra uma parede e que viu um outro com o rosto repleto de estilhaços de vidro.
“Só havia escombros, era impossível entrar. Durante duas horas não pude fazer nada. Só fiquei lá. Estava em choque”, revela, afirmando que desde então que nunca mais viu os seus cães.
Mariia conseguiu sair de Mariupol, mas relata que a sua avó, com quem morava, se recusou a abandonar o seu apartamento. “Ela apenas disse: ‘É o meu apartamento, a minha casa. Vou morrer aqui‘”, cita, acrescentando que continua sem saber se avó ainda está viva.
Já o serralheiro Vladyslav, que tinha ido ao teatro procurar alguns amigos que lá estavam abrigados, também sobreviveu ao ataque correndo para a cave, de onde saiu rapidamente depois de saber que o edifício estava a arder.
“Coisas terríveis estavam a acontecer”, conta, lembrando-se de ter visto uma mãe à procura dos filhos entre os escombros. “Uma criança de cinco anos gritava: ‘Eu não quero morrer’. Foi de partir o coração”, lamenta.
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