O professor de Ciências Políticas Jaime Nogueira Pinto destacou “a proeza” de Marine Le Pen, com mais de 40 por cento nas eleições presidenciais de domingo em França, e salientou que o “desenho institucional” até 2027 sairá das próximas legislativas.
“Saber qual vai ser a política que o Presidente (Macron) poderá seguir vai depender dos resultados das legislativas de junho”, afirmou Jaime Nogueira Pinto à Lusa, sublinhando que não pode ser ignorado o crescimento da linha política “chamada de extrema direita ou direita nacionalista”.
“Tem que se levar em conta a progressão muito grande” sustentou, olhando para os dados oficiais, parciais que mostravam que Marine Le Pen conseguiu mais de 12,9 milhões de votos, contra quase 17,29 milhões que votaram e reelegeram Emmanuel Macron como Presidente.
Em 2017, a primeira vez que os dois se enfrentaram nas eleições presidenciais, o centrista Emmanuel Macron venceu com 66,10% dos votos, contra 33,90% de Marine Le Pen, ou seja com uma vantagem significativamente mais clara do que nas eleições de domingo.
A vitória de Macron “não é uma grande surpresa, esteve sempre de pé”, declarou o politólogo, considerando que na verdade Le Pen conseguiu “uma proeza”.
“Seria de facto extraordinário que a Marine le Pen, sobretudo com a propaganda adversa fortíssima contra ela, não só de franceses como internacionais, tivesse conseguido ganhar” as eleições presidenciais, considerou Nogueira Pinto.
Sobre a política que França seguirá, haverá “uma espécie de segunda volta, que são as eleições legislativas” e é daí, sublinhou, que “vai resultar o desenho institucional para os próximos cinco anos”.
“A França está dividida em três blocos” – o de Macron, o de Marine de Pen e Eric Zemmour e o de Jean-Luc Melanchon – cada um quase com a mesma força, “e nas legislativas se verá qual a linha política que terá maior força”, reforçou Nogueira Pinto.
Apoiantes “desiludidos” admitem deixar o país
Os apoiantes de Marine Le Pen que se encontravam no Pavilhão
d’Armenonville, onde decorreu a noite eleitoral da candidata derrotada
nas eleições presidenciais francesas, mostram-se “desiludidos com o povo francês” e alguns ponderam deixar o país.
Isabelle, de 42 anos, deslocou-se hoje da região de Pas-de-Calais, no
norte de França, para poder assistir ao vivo à noite eleitoral de
Marine Le Pen. Pouco depois de saber os resultados, mostra-se
“profundamente desiludida com o povo francês”.
“Acho que a França é um país onde as pessoas são hipócritas.
Ou têm medo da mudança, ou então são verdadeiramente hipócritas:
reivindicam imensas coisas, mas, quando é preciso agir, já cá não está
ninguém”, diz a francesa à Lusa.
“Não sei se é medo ou hipocrisia, mas há realmente uma exasperação que se sente, e depois ninguém, realmente, age”, sublinha.
Acompanhado da namorada, Jérémy, que se inscreveu na União Nacional
em 2013 e tem atualmente 35 anos, também diz que está “desiludido”
porque queria que a França “mudasse”.
“Durante cinco anos, sofremos com Emmanuel Macron. Estou aqui com a minha namorada e temos medo de ter filhos,
há uma grande insegurança. Foram cinco anos muito complicados – com o
confinamento, etc . – e só espero que ele não faça pior nos próximos
cinco”, diz.
Mais do que desilusão, Brigitte, de 63 anos, tem sobretudo raiva. Antes do anúncio dos resultados, tinha dito à Lusa que estava confiante na vitória de Le Pen porque Macron tinha mostrado “as suas cores” nos últimos cinco anos. Agora, considera que houve fraude eleitoral.
“Para mim, houve aldrabice, não corresponde absolutamente nada ao que nós, enquanto militantes, experienciámos”, diz.
“Fomos muito bem recebidos em meios profissionais muito diferentes,
por pessoas de todas as raças, de todos meios, não corresponde
absolutamente nada a este resultado”, frisa Brigitte, antes de
considerar que, segundo os seus cálculos, é impossível que Macron tenha tido mais de 20% ou 22% dos votos.
Com um percurso que passou pelo Partido Cristão Democrata (PCD) e
pelo partido de centro-direita UMP quando foi liderado pelo antigo
Presidente Nicolas Sarkozy, Brigitte diz que, depois de ter conhecido o
resultado das eleições, o marido lhe pediu para irem viver para o estrangeiro.
“Eu acho que devíamos continuar, pelo menos até às próximas legislativas. Mas, sinceramente, acho que hoje foi a França que perdeu, e não a Marine”, indica.
Valentin, de 22 anos, também está “muito desiludido” e “preocupado com o que vai acontecer nos próximos anos”: “Questiono-me: será que o meu lugar é na França nos próximos anos? Porque, apesar de ser um patriota fervoroso, o Emmanuel Macron diz que não há cultura francesa”.
Como o marido de Brigitte, também Valentin – que é coordenador
regional dos Jovens com Marine na região de Champagne-Ardennes, no
nordeste de França – está a equacionar deixar o país.
“É uma ideia em que vou pensar durante algum tempo. Após uma década com Macron no poder, acho que vai ser muito difícil conseguirmos levantarmo-nos. Por isso, acho que a ideia de ir para o estrangeiro é algo em que posso, de maneira legítima, pensar”, sublinha.
Entre os convidados estrangeiros que se deslocaram até Paris para
assistir à noite eleitoral de Marine Le Pen, está o eurodeputado alemão
do partido AfD Gunnar Beck, que reconhece que o resultado da candidata de extrema-direita não é “naturalmente o que esperava”.
“No entanto, temos que perceber que pelo menos 43% dos eleitores se opõem
muito claramente às políticas de Macron e também à direção para que se
encaminha a União Europeia (UE). O meu grande medo é que as opiniões de
quase metade dos eleitores de um dos maiores países europeus venha a ser
ignorada”, aponta.
Vice-presidente da família política europeia Identidade e Democracia
(ID) – de que também faz parte o Chega, que também contou com três
membros presentes na noite eleitoral de Le Pen, entre os quais o diretor
de relações internacionais do partido, Ricardo Regalla Dias –, Beck culpa o “sistema” pelo resultado.
“Não conseguimos alcançar o que queríamos, isso é verdade. Mas acho
que há diferentes razões para isso, e essas razões não estão ligadas às
nossas políticas, mas porque é difícil lutar contra toda a maquinaria do sistema. (…) Agora, temos de continuar o combate”, sublinha.
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