De acordo com dados do Fogo Cruzado, no ano passado, foi morta, em média, uma criança por mês no Rio de Janeiro por uma bala perdida. A maioria dessas mortes aconteceu durante operações policiais nas favelas da cidade, que albergam grande parte da população pobre.
A plataforma digital que monitoriza a violência armada no Rio de Janeiro, revela ainda que quase 30% destas ações acabaram por envolver mortes.
Kaio Guilherme da Silva, de apenas 8 anos, foi uma das vítimas. O menino estava numa festa de escola quando foi atingido na cabeça por uma bala perdida.
“Eu soube que era uma bala perdida. A nossa comunidade vive num estado constante de medo que um de nós possa ser a próxima vítima”, disse Thais Silva, mãe da criança.
O pequeno Kaio acabou por morrer este fim de semana após estar vários dias em coma, tornando-se na centésima criança a ser atingida por uma bala perdida naquela cidade nos últimos cinco anos.
Em junho do ano passado, os moradores das favelas conseguiram ter um alívio temporário das operações policiais, após uma proibição emitida pelo Supremo Tribunal Federal.
O tribunal decidiu suspender as ações policiais durante a pandemia de covid-19, exceto em “circunstâncias absolutamente excecionais”, nas quais a polícia foi obrigada a justificar as razões por escrito ao Ministério Público.
Segundo dados de relatório do Ceni, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), os resultados da proibição foram promissores, pelo menos no início.
As operações policiais caíram 64% entre junho e setembro, em comparação com a média do mesmo período dos anos anteriores, fazendo com que se registasse o menor número de mortes desde o início dos registos, em 2007. Ainda assim, mais de 1.200 brasileiros foram mortos pela polícia em 2020.
No entanto, apesar da proibição ter aparentemente salvo vidas, o número de operações e assassinatos voltou a subir em outubro, e as operações rapidamente começaram a surgir.
Alguns especialistas dizem que Claudio Castro, o governador do Rio de Janeiro que assumiu o cargo em setembro, é o culpado. Isto porque o líder da cidade nomeou Allan Turnowski como comissário da Polícia Civil do Rio.
Turnowski é um ex-chefe de polícia que foi expulso da força policial da cidade durante dez anos sob acusações de corrupção, mas foi reintegrado quando Castro se tornou governador.
Numa das suas primeiras entrevistas, Turnowski revelou que a decisão do Supremo Tribunal Federal não impediria a entrada da polícia nas favelas e defendeu o uso de tanques e helicópteros.
A Suprema Corte voltou a indicar esta semana que as operações só são justificadas pela cláusula “excecional”, caso a vida das pessoas esteja em perigo iminente ou para evitar a expansão territorial de fações criminosas. Porém, vários moradores queixam-se que a polícia continua a atuar de forma violenta, pondo de lado a exceção justificativa.
“Estão a travar uma guerra contra os negros. É uma violação dos nossos direitos humanos e as mortes raramente são investigadas. Não há interesse do estado. Isso dá à polícia impunidade e licença para matar”, referiu Gizele Martins, especialista em periferias urbanas e moradora da favela do Mar.
Contudo, segundo a VICE, ainda há margem para o cenário piorar. Em março, o Ministério Público do Rio eliminou o Grupo de Ação Especializada em Segurança Pública (GAESP), órgão de investigação independente que analisava mais de 700 casos policiais.
Embora o GAESP tratasse apenas de um pequeno número de casos, a sua remoção levantava questões de imparcialidade.
Agora, todas as investigações sobre a má conduta policial serão conduzidas por promotores que trabalham em estreita colaboração com os policiais sob investigação.
https://zap.aeiou.pt/operacoes-policiais-mortes-favelas-398264
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