Depois de se ter tornado um símbolo da luta pelo direito de voto nos Estados Unidos, Hervis Rogers enfrenta uma pena de prisão que pode chegar até aos 40 anos.
Deveria ter sido mais uma eleição como tantas outras, mas este não foi o caso para Hervis Rogers. Aos 62 anos, este homem natural do Texas pode enfrentar 40 anos de prisão por ter votado ilegalmente.
Após uma espera de sete horas à porta da Universidade do Texas para poder votar nas primárias de Março de 2020 e de ter votado também nas presidenciais de Novembro, Hervis Rogers foi preso e acusado na semana passada de ter votado enquanto estava em liberdade condicional, que só terminava em Junho de 2020.
“Queria poder votar e expressar a minha opinião. Não ia deixar nada impedir-me, por isso esperei”, contou Rogers à ABC, depois de ser o último a votar na Super Terça-Feira.
No Texas, é ilegal para qualquer prisioneiro votar até cumprir a pena completa, mesmo já em liberdade condicional. Hervis Rogers, que estava em liberdade condicional depois de ter sido preso em 1995 por crimes de furto e intenção de cometer roubo, vai agora ser acusado de dois crimes de votação ilegal, com uma moldura penal de 20 anos.
O Procurador-Geral do Texas, Ken Paxton, um dos principais rostos dos processos relacionados com crimes eleitorais, está neste momento a ser investigado por má conduta profissional depois de ter desafiado a vitória de Joe Biden em tribunal por acreditar que houve fraude eleitoral nas presidenciais.
“Hervis é um criminoso que está devidamente impedido de votar pela lei do Texas. Eu abro processos contra a fraude eleitoral onde quer que os encontre!”, escreveu Ken Paxton no Twitter.
Rogers foi entretanto libertado da prisão do condado de Montgomery depois de a ONG The Bail Project, que ajuda cidadãos de baixos rendimentos, lhe ter pagado a fiança de 100 mil dólares.
Tommy Buser-Clancy, um dos advogados de Rogers, acredita que a prisão do seu cliente mostra o “perigo de criminalizar em demasia o código das eleições e o processo de participação nas sociedades democráticas”.
“Em particular, aumenta o perigo que os estatutos criminais no código eleitoral estejam a ser usados quando, na pior das hipóteses, se cometeu um erro inocente. Ele enfrenta a possibilidade de uma sentença extremamente severa. Crimes de segundo grau normalmente são reservados para agressões agravadas e aplicá-los ao caso do Senhor Rogers só mostra o quão injusto isto é”, reforça Buser-Clancy.
“A prisão do Senhor Rogers deve alarmar todos os Texanos. Ele esperou na fila mais de seis horas para votar e cumprir aquele que acredita ser o seu dever civil e enfrenta potencialmente décadas de prisão”, escreveu Andre Segura, director legal da União Americana pelas Liberdades Civis no Texas.
“As nossas leis não deviam intimidar as pessoas para não votarem ao aumentar o risco de serem acusadas por aquilo que são, no pior dos casos, erros inocentes”, escreveu Andre Segura, director legal da União Americana pelas Liberdades Civis no Texas”, acrescentou.
A luta pelo voto nos EUA
As leis sobre o direito ao voto variam bastante entre os estados e dependem dos crimes cometidos. No Distrito de Columbia, no Maine e no Vermont, os prisioneiros podem votar enquanto ainda estão atrás das grades.
No caso do Alabama, do Tennessee e do Mississippi, pessoas condenadas por homicídio ou violação nunca mais podem votar novamente. Muitos outros estados apenas deixam os prisioneiros votar depois de saírem da prisão e outros, como no Texas, têm um sistema que só garante o direito depois do fim da liberdade condicional.
Todas estas variações tornam difícil para os ex-prisioneiros saber se podem ou não votar. Devido às elevadas molduras penais dos crimes de voto ilegal, muitos acabam por decidir não arriscar por medo.
De acordo com o The Sentencing Project, cerca de 5.2 milhões de pessoas nos Estados Unidos não podem votar por terem sido condenadas anteriormente. Sarah K.S. Shannon, professora assistente de Sociologia na Universidade da Geórgia, afirma que estes números acabam também por impactar mais o poder de voto das minorias.
“Em termos de igualdade, obviamente, leis para destituir prisioneiros de direitos têm impactos raciais desproporcionais. Ainda por cima, como estas leis podem variar tanto de estado para estado, os efeitos também variam por localização e afectam o eleitorado de alguns estados mais do que de outros”, pode ler-se no The New York Times.
Este é mais um capítulo na luta pela reforma criminal e eleitoral nos Estados Unidos, que têm ficado mais acesa depois das acusações de fraude eleitoral de Donald Trump. Apesar do ex-presidente ter perdido os processos em tribunal em que alegou ter provas de fraude, muitos republicanos leais a Trump têm introduzido leis mais restritivas ao voto em vários estados.
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