Há vários anos que os jornalistas russos lidam com as limitações à liberdade de expressão e de imprensa no país, no entanto, a ideia de que podem estar a participar no branqueamento da guerra na Ucrânia e na instrumentalização da opinião pública.
Quando no início desta semana Marina Ovsyannikova decidiu intrometer-se no cenário da transmissão televisiva do estatal Channel One exibindo um cartaz a denunciar invasão russa à Ucrânia e apelar ao fim do conflito, estava longe de adivinhar o que se seguiria. A própria jornalista reconheceu, mais tarde, que antes do gesto não havia refletido bem sobre as consequências que dele resultaria, já que a sua prioridade era contestar o conflito, no qual a sua própria se recusa a acreditar.
A ação da jornalista ganhou dimensão mundial, com muitos a elogiar-lhe a coragem e valentia. O próprio presente ucraniano Volodymyr Zelenskyy agradeceu-lhe, para além de pedir a todos os que trabalham para o que chamou de ‘sistema de propaganda russo’ que se demitam das suas funções. Foi ainda mais longe, dizendo que aqueles que trabalham para o quarto ramo do poder arrisca-se a ser alvo de sanções e investigações por parte dos tribunais internacionais por envolvimento nos “crimes de guerra”.
De facto, alguns dos apoiantes mais próximos do presidente russo que trabalham nos canais de televisão estatais já foram alvo de sanções, nomeadamente Vladimir Solovyov, que apresenta um talk show num dos canais mais vistos, e Margarita Simonyan que afirmou que todos os seus compatriotas com vergonha de serem russos é porque “realmente não o são”.
Neste contexto de completa limitação da liberdade de expressão e imprensa, em que os meios de comunicação são obrigados a seguir a cartilha imposta pelo governo, a demissão pode ser mesmo o único caminho para os profissionais que não concordam com as suas opções, nomeadamente a invasão da Ucrânia. E o incidente com Ovsyannikova parece ter incentivado alguns a fazê-lo.
Nas horas que se seguiram ao protesto, três demissões sonantes aconteceram. Também no Channel One, a jornalista Zhanna Agalakova deixou as suas funções como correspondente europeia, ao passo que dois outros jornalistas abandonaram a rival NTV. Lilia Gildeyeva trabalhava na estação como apresentadora desde 2006 e Vadim Glusker era funcionário do canal há quase 30. Na imprensa internacional correm rumores de demissões entre jornalistas do grupo VGTRK, também controlada pelo Kremlin.
Roman Super jornalista da Vesti, anunciou que os funcionários estavam a sair “em massa”, apesar de tal afirmação ainda não ter sido oficialmente confirmada. Na RT (Russia Today), órgão russo com predominância em todo o mundo e que acabou banido na Europa por decisão da União Europeia como consequência da guerra na Ucrânia, a demissão mais proeminente foi a de Maria Baronova. Em declarações à BBC, a antiga editora-executiva afirmou que o presidente russo havia destruído a reputação do país e que a economia estava morta.
Para além de Baronova, a onda de demissões na RT vai além dos jornalistas com nacionalidade russa. Shadia Edwards-Dashti anunciou o cessar de funções enquanto correspondente em Londres no dia da invasão à Ucrânia, sem que avançar qualquer justificação. Jonny Tickle, com nacionalidade inglesa mas a trabalhar em Moscovo, também apresentou a demissão “à luz dos eventos recentes”.
Já Frédéric Taddei, apresentador francês na RT do seu país, anunciou que iria deixar de apresentar o seu programa já que França estava “em conflito” com a Rússia, o que impedia de prosseguir as suas funções habituais “por lealdade” ao seu país. De acordo com a Reuters, a agência de notícias estatal russa com sede na Alemanha, a Ruptly, viu muitos dos seus quadros baterem com a porta.
Também os meios de comunicação social russos sem ligações ao Kremlin têm sido alvo de ataques repetidos durante os últimos anos, pelo que muitos estão habituados a trabalhar sob a ameaça – daí não estarem surpreendidos pela atual colheita de demissões. De facto, alguns foram rotulados como agentes estrangeiros, em linha com o que acontecia na era soviética.
A Dozhd (TV Rain), que foi forçada a abandonar a transmissão tradicional em 2014, teve de suspender as suas emissões online devido à invasão da Ucrânia e alguns dos seus jornalistas fugiram da Rússia de forma a garantir a segurança. A Rádio Ekho Moskvy também foi retirada do ar como consequência da nova legislação russa sobre a chamada falsa informação. A BBC russa está também entre os vários meios ocidentais que foram proibidos, enquanto os jornalistas que trabalham para a Meduza, sediada na Letónia, foram forçados a sair da Rússia.
https://zap.aeiou.pt/apos-protesto-em-direto-televisoes-russas-deparam-se-com-onda-de-demissoes-de-jornalistas-468163
Quando no início desta semana Marina Ovsyannikova decidiu intrometer-se no cenário da transmissão televisiva do estatal Channel One exibindo um cartaz a denunciar invasão russa à Ucrânia e apelar ao fim do conflito, estava longe de adivinhar o que se seguiria. A própria jornalista reconheceu, mais tarde, que antes do gesto não havia refletido bem sobre as consequências que dele resultaria, já que a sua prioridade era contestar o conflito, no qual a sua própria se recusa a acreditar.
A ação da jornalista ganhou dimensão mundial, com muitos a elogiar-lhe a coragem e valentia. O próprio presente ucraniano Volodymyr Zelenskyy agradeceu-lhe, para além de pedir a todos os que trabalham para o que chamou de ‘sistema de propaganda russo’ que se demitam das suas funções. Foi ainda mais longe, dizendo que aqueles que trabalham para o quarto ramo do poder arrisca-se a ser alvo de sanções e investigações por parte dos tribunais internacionais por envolvimento nos “crimes de guerra”.
De facto, alguns dos apoiantes mais próximos do presidente russo que trabalham nos canais de televisão estatais já foram alvo de sanções, nomeadamente Vladimir Solovyov, que apresenta um talk show num dos canais mais vistos, e Margarita Simonyan que afirmou que todos os seus compatriotas com vergonha de serem russos é porque “realmente não o são”.
Neste contexto de completa limitação da liberdade de expressão e imprensa, em que os meios de comunicação são obrigados a seguir a cartilha imposta pelo governo, a demissão pode ser mesmo o único caminho para os profissionais que não concordam com as suas opções, nomeadamente a invasão da Ucrânia. E o incidente com Ovsyannikova parece ter incentivado alguns a fazê-lo.
Nas horas que se seguiram ao protesto, três demissões sonantes aconteceram. Também no Channel One, a jornalista Zhanna Agalakova deixou as suas funções como correspondente europeia, ao passo que dois outros jornalistas abandonaram a rival NTV. Lilia Gildeyeva trabalhava na estação como apresentadora desde 2006 e Vadim Glusker era funcionário do canal há quase 30. Na imprensa internacional correm rumores de demissões entre jornalistas do grupo VGTRK, também controlada pelo Kremlin.
Roman Super jornalista da Vesti, anunciou que os funcionários estavam a sair “em massa”, apesar de tal afirmação ainda não ter sido oficialmente confirmada. Na RT (Russia Today), órgão russo com predominância em todo o mundo e que acabou banido na Europa por decisão da União Europeia como consequência da guerra na Ucrânia, a demissão mais proeminente foi a de Maria Baronova. Em declarações à BBC, a antiga editora-executiva afirmou que o presidente russo havia destruído a reputação do país e que a economia estava morta.
Para além de Baronova, a onda de demissões na RT vai além dos jornalistas com nacionalidade russa. Shadia Edwards-Dashti anunciou o cessar de funções enquanto correspondente em Londres no dia da invasão à Ucrânia, sem que avançar qualquer justificação. Jonny Tickle, com nacionalidade inglesa mas a trabalhar em Moscovo, também apresentou a demissão “à luz dos eventos recentes”.
Já Frédéric Taddei, apresentador francês na RT do seu país, anunciou que iria deixar de apresentar o seu programa já que França estava “em conflito” com a Rússia, o que impedia de prosseguir as suas funções habituais “por lealdade” ao seu país. De acordo com a Reuters, a agência de notícias estatal russa com sede na Alemanha, a Ruptly, viu muitos dos seus quadros baterem com a porta.
Também os meios de comunicação social russos sem ligações ao Kremlin têm sido alvo de ataques repetidos durante os últimos anos, pelo que muitos estão habituados a trabalhar sob a ameaça – daí não estarem surpreendidos pela atual colheita de demissões. De facto, alguns foram rotulados como agentes estrangeiros, em linha com o que acontecia na era soviética.
A Dozhd (TV Rain), que foi forçada a abandonar a transmissão tradicional em 2014, teve de suspender as suas emissões online devido à invasão da Ucrânia e alguns dos seus jornalistas fugiram da Rússia de forma a garantir a segurança. A Rádio Ekho Moskvy também foi retirada do ar como consequência da nova legislação russa sobre a chamada falsa informação. A BBC russa está também entre os vários meios ocidentais que foram proibidos, enquanto os jornalistas que trabalham para a Meduza, sediada na Letónia, foram forçados a sair da Rússia.
https://zap.aeiou.pt/apos-protesto-em-direto-televisoes-russas-deparam-se-com-onda-de-demissoes-de-jornalistas-468163
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