segunda-feira, 4 de maio de 2015

"Panela de pressão explodiu" entre os próprios israelitas

Racismo de que israelitas de origem etíope são vítimas desencadeou protesto na emblemática praça Rabin, em Telavive. Tudo começou com um vídeo publicado no YouTube

Quase sempre notícia pelo conflito israelo-palestiniano, agora são os próprios israelitas que entram em confronto. Não por causa de religião ou posse de territórios. A "panela de pressão explodiu" em Telavive por causa do racismo e discriminação contra os israelitas de origem etíope, como explicam os organizadores dos protestos que se pretendiam pacíficos, mas que fizeram mais de 60 feridos, no domingo. A gota de água foi um vídeo publicado no YouTube em que se veem dois polícias a espancar um jovem soldado com aquelas origens. 
 
O Estado de Israel assume, pela voz do seu Presidente Reuven Rivlin, ter “cometido um erro” de tratamento do grupo étnico. Os protestos fizeram “descobrir uma ferida aberta e em carne viva no coração da sociedade israelense: a dor de uma comunidade clamando contra a discriminação, racismo e falta de resposta”, admitiu, citado pelo “Times of Israel”.

O Presidente assinalou que os protestos são “uma ferramenta essencial em democracia”, mas lamentou a violência dos mesmos: “Não é nem a forma nem a solução”.

Os confrontos aconteceram na sequência da divulgação deste vídeo amador, no YouTube, onde dois polícias escapam um jovem israelita de pele mais escura, que servia nas Forças de Defesa de Israel e estava de uniforme:
O jovem soldado, de nacionalidade israelita, chegou mesmo a ser detido por alegada agressão aos polícias, mas mal foram divulgadas estas imagens, foi libertado.

O Presidente de Israel advoga que é preciso “olhar diretamente para esta ferida aberta”:
"Nós errámos. Nós não olhámos, e nós não ouvimos o suficiente. Entre os manifestantes nas ruas, estão alguns dos nossos melhores filhos e filhas: os melhores alunos, soldados que serviram no exército. Devemos-lhes respostas”.
Já o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pediu calma na noite de domingo, dizendo que todas as queixas devem ser investigadas "mas não há lugar para este tipo de violência e ilegalidade", advertiu. O chefe de Governo marcou uma reunião com os líderes da comunidade etíope para esta segunda-feira, incluindo o soldado que foi espancado por dois membros da autoridade na semana passada.
 
Na manifestação de ontem, a polícia disparou granadas e gás lacrimogéneo quando alguns manifestantes tentaram invadir a Tel Aviv City Hall. Voaram sobre os agentes pedras, tábuas e garrafas de plástico e de vidro.
(Protestos anti-racismo em Telavive - Reuters)

O comissário da polícia Tohanan Danino assegurou que irão responder perante os tribunais quer civis quer polícias que tenham atuado à margem da lei. “A maioria das reivindicações feitas pelos israelenses etíopes não estão relacionadas com a polícia, em tudo”. “Assumo a responsabilidade e eu acho que temos um problema com alguns dos casos mencionados, e vamos lidar com isso”, prometeu, segundo o jornal diário israelense “Haaretz”.

O ministro de Segurança Pública, Yitzhak Aharonovitz, reconheceu, por sua vez, que "algumas das queixas contra a polícia são justificadas”. Terá de haver uma investigação e de ser encontrada uma “solução abrangente”.

“Não estamos em Baltimore”

À primeira vista, o confronto racial espelhado naquele vídeo do pode fazer lembrar o que se tem passado nos Estados Unidos, nos últimos meses: vários casos de cidadãos mortos pela polícia motivaram protestos nas ruas.

Ainda na semana passada, na sequência do funeral do jovem negro de 25 anos Freddie Gray, que morreu com severos ferimentos na coluna após ter sido detido pela polícia, Baltimore foi palco de motins, que levaram as autoridades a lançar gás pimenta para dispersar quem protestava.

Em Tel Aviv, os organizadores da manifestação rejeitam comparações.  “Em Jerusalém nós não 'fazer um Baltimore' como pessoas estão a dizer”. “A polícia documentou cada momento da manifestação e eu quero ver essa documentação, se fomos nós realmente que começámos com a violência, como a alega a polícia. Nós marchávamos nas ruas e eles dispararam granadas de efeito moral contra nós.", disse Inbal Bogale, também de acordo com o "Haaretz".
(Protestos anti-racismo em Telavive - Reuters)

Uma coisa é certa, prometem: continuar a denunciar os casos de racismo e passar a mensagem de que é preciso que o Governo tome medidas para promover a igualdade, até serem efetivamente tomadas.

O movimento, iniciado por cerca de 20 jovens membros da comunidade etíope, rejeitam ainda ser rotulados como líderes. “Somos parte de uma comunidade que tem sentido na pele essas coisas, que está a sofrer e quer gritar, queremos sair para as ruas juntos e protestar contra a forma como somos tratados”, explicou Misganaw Fanta, um dos organizadores.
"É uma panela de pressão que explodiu. Há centenas de jovens etíopes com processos abertos pela polícia sem qualquer razão, e que arruínam as suas vidas. Eles são bons rapazes que querem chegar à frente, para estudar, para contribuir para o Estado, mas não podem ser soldados de combate, não estudam, são chamados de criminosos”
Fanta defende que a demissão, por si só, do agente da polícia que bateu no soldado no vídeo não satisfaria a comunidade. “Têm de reconhecer que cometeram um crime e que ele deve ser punido, não só demitido”.

Uma história de racismo, discriminação e pobreza

É uma história com mais de trinta anos. Dezenas de milhares de judeus etíopes afetados pela fome foram levados para Israel nos anos 1980 e 1990 depois de uma decisão rabínica que decretava que eles eram descendentes diretos da tribo judaica Dan.

A comunidade conta agora com cerca de 135.500 pessoas dos mais de 8 milhões de Israel e inclui muitos já nascidos no país.

Há muito que o grupo étnico reclama ser vítima de discriminação, racismo e pobreza. De facto, segundo a “Al Jazeera”, mais de metade dos etíopes em Israel vivem na pobreza e apenas metade tem o nível de estudos do secundário.

O próprio governo israelense também é frequentemente acusado de racismo por deportar imigrantes africanos. Outro caso flagrante aconteceu em 2013, quando Israel também admitiu a imposição de injeções de controlo de natalidade para as mulheres judias etíopes, sem que soubessem ou, sabendo, que o consentissem. 

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