Apesar da ameaça que pairava, o ataque da Rússia à Ucrânia deixou a Europa em choque. Desde a Segunda Guerra Mundial que o Velho Continente não vivia um conflito assim e “a guerra de Putin”, como já é chamada, pode ser “rápida, brutal e extraordinariamente destrutiva”, levando ao “colapso da arquitectura de segurança da Europa pós-Guerra Fria”.
Nesta altura, a estratégia russa quanto à Ucrânia é um pouco um mistério. Mas a teoria dos especialistas militares é que Putin pretende fazer “uma ocupação delimitada” da Ucrânia, para que seja “desmilitarizada e não seja uma base de ataque à Rússia”, como aponta o coronel português Carlos Matos Gomes em declarações à TSF.
Essa ideia já foi veiculada pelos media oficiais russos que falam na “desmilitarização” e na “desnazificação” da Ucrânia.
O especialista britânico Jonathan Marcus da Universidade de Exeter, no Reino Unido, acredita que Putin pretende “derrotar os militares ucranianos e impor um governo disposto a fazer o que Moscovo quer“, conforme uma análise para a BBC.
Marcus refere que a Rússia começou “ataques iniciais contra aeródromos, centros de logística e provavelmente centros de defesa e comando aéreos”, seguidos de “avanços terrestres na Ucrânia a partir do norte, da Crimeia no sul e dos enclaves separatistas orientais em Dombass”.
O objetivo pode ser “isolar a capital ucraniana Kiev e cortar e destruir as forças ucranianas no leste do país”, aponta ainda, frisando que os “ataques contra aeroportos na Ucrânia podem ser, em parte, um esforço para deter e impedir quaisquer outros carregamentos de armas ocidentais para o país”.
Marcus também lembra que “o combate mecanizado moderno é rápido, brutal e extraordinariamente destrutivo“, considerando que é isso que pode acontecer na Ucrânia e reparando que “a Europa não vê lutas assim desde 1945”.
O especialista britânico também alerta que há receios de que os russos possam estar a aproveitar o facto de os holofotes do mundo estarem concentrados na Ucrânia para terminarem “outros negócios inacabados”, por exemplo numa área separatista da Moldávia.
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Alemanha ajudou Putin a ganhar tempo
Para o coronel Carlos Matos Gomes, Putin estará interessado em enfraquecer a Ucrânia militarmente para “depois parar e exigir negociações” para “estabelecer um acordo entre os EUA e a Rússia que obrigue a que a Ucrânia seja uma zona neutral“, conforme declarações à TSF.
O que é certo é que este conflito é uma novidade na Europa e precipita “o que muitos temem poder ser o colapso da arquitectura de segurança da Europa pós-Guerra Fria”, conforme destaca uma análise do site Politico.
Pelo meio, os líderes mundiais continuam a tentar chamar a Rússia para o diálogo, como é o caso do Chanceler alemão Olaf Scholz que aponta o dedo a Putin, acusando-o de “trazer sofrimento e destruição para os seus vizinhos” e de “colocar em risco a vida de inúmeras pessoas inocentes” na “nação irmã”.
“Não há justificativa para isto – é a guerra de Putin“, atira ainda Scholz numa publicação no Twitter. “Peço-lhe que páre o ataque imediatamente”, escreve ainda o Chanceler.
Uma posição dura de Scholz que contrasta com a postura habitual de “paninhos quentes” com que a Alemanha vem lidando com as “trapalhices” de Putin.
Aliás, a Alemanha ajudou Putin a ganhar tempo para esta invasão, nomeadamente protelando a suspensão do gasoduto Nord Stream 2 e mantendo o diálogo com os russos, dando-lhes o benefício da dúvida, quando já mais ninguém o fazia.
Mas as culpas podem estender-se ao todo da Comunidade internacional e da NATO que pouco fizeram quando Putin anexou a Crimeia, território ucraniano, e que parecem bastante de mãos atadas novamente.
Os “EUA recusaram-se a acreditar que Putin era tão perigoso como acabou por ser”, escreve o Politico, notando que o “Reino Unido andou mais interessado em atrair a riqueza de oligarcas do que em perguntar de onde é que vinha”.
Mas “nenhum país fez mais para minimizar e perdoar as transgressões da Rússia do que a Alemanha”, destaca a publicação, lembrando que “os alemães gostam de fazer negócios com a Rússia” e que são um bom “match” em termos económicos.
De resto, a opinião pública alemã é bastante pró-russa e há quem acuse a NATO por esta guerra, por se ter “expandido” para o Leste da Europa e por ter ameaçado a Rússia com o prenúncio da entrada na Ucrânia, como realça ainda o Politico.
Biden passa “batata quente” à Europa e à NATO
Entretanto, o presidente dos EUA, Joe Biden, já anunciou que não vai enviar tropas norte-americanas para a Ucrânia.
“Biden está tão determinado a evitar a possibilidade de um encontro militar entre EUA e Rússia que retirou da Ucrânia dezenas de soldados americanos que treinavam os combatentes daquele país”, destaca ainda o Politico.
Assim, a resposta dos EUA deve limitar-se a “palavras de condenação”, a “sanções económicas” e a “esforços para reunir aliados dos EUA para enfrentar Moscovo”, aponta ainda o site.
Biden já repetiu, por várias vezes, que os EUA não têm a “intenção de lutar contra a Rússia”. “Ninguém quer arriscar uma guerra nuclear com a Rússia por causa da Ucrânia”, nota ao Politico uma fonte do Pentágono.
De resto, os EUA não têm grandes razões para intervir, pois a Ucrânia não é um parceiro comercial, nem alberga bases norte-americanas. Além disso, a invasão russa do país não coloca uma ameaça de segurança imediata aos EUA.
Por outras palavras, Biden passa a batata quente aos líderes europeus e à NATO.
Contudo, nesta guerra que ninguém quer, os EUA podem ser forçados a intervir se morrerem norte-americanos no território ucraniano, se os ataques russos atingirem algum país vizinho da NATO ou ainda se a Rússia avançar com ciberataques aos seus interesses.
Taiwan, “a Donetsk da China”?
No meio disto tudo, surge a China numa situação delicada. O presidente chinês Xi Jinping ainda não declarou oficialmente qualquer apoio ao amigo Putin.
Ao longo dos anos, a China sempre defendeu a supremacia da soberania nacional, até à luz da sua realidade territorial quando tem regiões dissidentes como o Tibete e Hong Kong.
Mas há ainda a questão de Taiwan que a China reclama como território seu, contra as reivindicações do Governo do país da ilha.
Após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, a Força Aérea de Taiwan alertou para a violação do seu espaço aéreo por parte de nove aeronaves chinesas. Mas esse tipo de incidente tem sido recorrente ao longo dos últimos anos.
Contudo, há receios de que a China possa sentir algum ímpeto de invasão a Taiwan, seguindo o exemplo russo e a aparente apatia da comunidade internacional – em especial a declarada não intervenção dos EUA na Ucrânia.
Quanto a Taiwan, os norte-americanos têm sempre mantido alguma ambiguidade, mas têm vendido armas e equipamento militar à ilha.
O Politico repara que o regime de Xi Jinping já está a aproveitar a situação na Ucrânia para falar de Taiwan como “a Donetsk da China”, apelando à comunidade internacional que apoie o país perante tentativas de independência ou de separação da ilha que considera ser território chinês.
Um dia depois de Putin ter reconhecido as regiões separatistas ucranianas, o porta-voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Wenbin, tratou de sublinhar aos jornalistas que “há apenas uma China no mundo” e que “Taiwan é uma parte inseparável do território chinês”.
Wang Wenbin não comentou directamente a questão na Ucrânia, mas defendeu que “as preocupações legítimas de segurança de qualquer país devem ser respeitadas, e os propósitos e princípios da Carta da ONU devem ser defendidos conjuntamente”.
Um discurso que é muito idêntico ao do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, que, citado pela agência de notícias russa RIA Novosti, aponta que os “amigos ocidentais não respeitam a lei internacional” e “tentam destruí-la”.
A Rússia “estará sempre pronta para o diálogo” que nos “devolva à justiça e aos princípios da Carta da ONU”, vinca também Lavrov.
https://zap.aeiou.pt/guerra-putin-europa-464397
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