Uma onda de agressões misteriosas com picadas de agulhas em discotecas, bares e espetáculos em várias cidades de França tem deixado as autoridades em alerta.
Donos de casas noturnas e organizadores de eventos festivos estão já a reforçar a segurança dos locais por receio de novos ataques.
Mais de uma centena de investigações foram abertas em França por “administração de substância nociva” em diversas localidades, como Nantes, Grenoble, Paris, Lyon, Béziers, Rennes e Toulouse. As vítimas são jovens, homens e mulheres, que relatam sintomas como náuseas, vertigens, perda de equilíbrio, dores musculares e suores.
As teorias sobre os motivos deste tipo de agressão estão em aberto, segundo os investigadores. Não se sabe se será uma forma de violência gratuita ou até mesmo uma espécie de desafio macabro “lançado nas redes sociais”.
A pena prevista para a administração de substâncias nocivas é de três anos de prisão, mas pode chegar a dez anos no caso de circunstâncias agravantes como a premeditação ou o dano causado à saúde da vítima.
A estudante de biologia Zoë Stoppaglia estava num bar em Grenoble, no sudeste de França, com amigos. Em entrevista ao jornal Le Monde, a jovem contou que tinha bebido apenas um copo de álcool horas antes de se sentir muito mal abruptamente, com problemas de visão e perda de força nas pernas, que a impossibilitou de conseguir ficar em pé.
Ao seu lado no bar, um jovem apresentava os mesmos sintomas. Ambos suspeitaram ter sido drogados e foram ao hospital. Os testes deram negativo para o GHB, conhecido como a “droga da violação”. No dia seguinte, o médico de Zoë detetou uma marca de injeção no corpo da jovem.
Zoë denunciou a ocorrência às autoridades e regressou ao hospital para exames complementares, ainda sem resultados, disse a estudante ao Le Monde. “Tenho medo. Não sei até agora o que me injetaram. Os médicos não conseguem descobrir”, afirmou.
Outra vítima, Élodie, teve perda de memória durante horas após passar a noite numa casa noturna em La Rochelle, no sudoeste do país. No dia seguinte, em entrevista ao Le Parisien, contou que descobriu duas marcas de injeção no seu braço e hematomas, confirmados por um certificado médico.
Outras vítimas também só identificaram a marca da agulha na pele no dia seguinte à agressão.
Já Marie dançava com amigos em Le Mans quando sentiu um formigueiro na coxa. “Uma dor súbita paralisou-me e as minhas pernas abandonaram-me. Não conseguia levantar-me. Os seguranças da discoteca acharam que eu estava bêbada e queriam expulsar-me. Um amigo achou que eu estava a ter um acidente vascular cerebral”, contou a jovem ao jornal Le Parisien.
A jovem passou a noite no hospital, onde uma enfermeira verificou que havia uma marca de agulha de seringa e um vermelhão na sua coxa.
Risco de HIV
Por medida preventiva, as vítimas iniciam rapidamente um tratamento com triterapia caso tenha ocorrido uma transmissão de AIDS por conta do uso de agulhas na agressão, mas até ao momento todos os testes de HIV deram negativo.
As autoridades francesas ainda não têm nenhum suspeito nem a confirmação da substância administrada, já que os exames realizados têm dado resultados negativos. Também não se sabe qual o tipo de agulha ou seringa que tem sido utilizado nas agressões, como por exemplo, uma injeção usada para aplicar insulina.
Em inúmeros casos, médicos e enfermeiros constataram marcas de picada da agulha em braços, coxas, nádegas, tornozelos, ombros ou nas costas das pessoas atacadas.
“É complicado porque é necessário que as vítimas reajam rapidamente”, afirmou o procurador de Béziers, Raphaël Balland, ao Le Monde. “Algumas substâncias desaparecem rapidamente do organismo. É o caso do GHB, que não pode ser mais detetado após algumas horas”.
Em Grenoble, os resultados de exames toxicológicos não revelaram, até ao momento, a presença de GHB ou GBL, ambas usadas por violadores para dopar as suas vítimas. Mas o procurador de Grenoble, Éric Vaillant, disse ao Le Parisien que estas análises foram feitas mais de 17 horas após as agressões, “o que não permite excluir formalmente a administração de GHB”.
Em Nantes, na Bretanha, o procurador Renaud Gaudel afirma que há até ao momento 45 casos deste tipo, que ocorreram em 17 estabelecimentos. Ainda são aguardados alguns resultados, mas até agora nem o GHB nem outro produto tóxico ou farmacêutico foi detetado. “O objetivo dessas picadas ainda precisa de ser elucidado”, disse Gaudel ao canal TF1.
O GHB pode ser injetado rapidamente, mas outras substâncias necessitam de uma injeção de alguns segundos. No entanto, as vítimas que perceberam instantaneamente que tinham sofrido uma picada relatam que foi feita rapidamente.
Uma fonte ligada às investigações em Béziers disse ao Le Monde que há a possibilidade de ser uma substância produzida pelo corpo humano, como adrenalina ou insulina em excesso.
Não houve nenhuma agressão sexual e em apenas um caso houve furto. Foi em Grenoble, onde um jovem prestou queixa afirmando ter sofrido uma picada de agulha numa discoteca e terem-lhe roubado o telemóvel, cartão de crédito, relógio e chaves.
Câmaras
Estas agressões preocupam os donos de discotecas, que passaram quase dois anos fechadas devido à pandemia de covid-19, recebendo ajudas financeiras do governo, e os organizadores de festivais, que tiveram de adiar os seus eventos.
Após funcionarem apenas cinco meses em 2021, as discotecas puderam reabrir em fevereiro deste ano.
Devido ao número crescente de queixas registadas por conta das misteriosas picadas, estabelecimentos estão a reforçar o controlo dos clientes na entrada, com revistas mais detalhadas, além da instalação de câmaras.
A discoteca Usine à Gaz, em Béziers, investiu 20 mil euros em câmaras, walkie-talkies e caixas de primeiros socorros, além de reforçar a equipa de segurança, segundo o seu gerente, Benoît Bienvenu. Desde então, diz que não houve nenhum novo caso de agressão com agulhas.
Já houve casos de picadas misteriosas num importante festival, o Printemps de Bourges. Durante o verão, a partir do final de junho, há grandes festivais em França, com dezenas de milhares de participantes, como o Hellfest, que atrai fãs de heavy metal.
“Levamos isto muito a sério. Vamos reforçar o sistema de revista dos participantes”, disse Gérard Pont, organizador do Francofolies de La Rochelle, que será realizado em julho, em declarações ao jornal Le Parisien.
“É preciso analisar a situação sem criar um pânico generalizado”, realça Jérôme Tréhorel, diretor do festival Vieilles Charues, que recebe 70 mil pessoas por dia. “Estamos a trabalhar com médicos, autoridades e a agência regional de saúde para ter um máximo de informações e tranquilizar o nosso público”, afirma.
https://zap.aeiou.pt/ataques-misteriosos-seringas-franca-476907
Donos de casas noturnas e organizadores de eventos festivos estão já a reforçar a segurança dos locais por receio de novos ataques.
Mais de uma centena de investigações foram abertas em França por “administração de substância nociva” em diversas localidades, como Nantes, Grenoble, Paris, Lyon, Béziers, Rennes e Toulouse. As vítimas são jovens, homens e mulheres, que relatam sintomas como náuseas, vertigens, perda de equilíbrio, dores musculares e suores.
As teorias sobre os motivos deste tipo de agressão estão em aberto, segundo os investigadores. Não se sabe se será uma forma de violência gratuita ou até mesmo uma espécie de desafio macabro “lançado nas redes sociais”.
A pena prevista para a administração de substâncias nocivas é de três anos de prisão, mas pode chegar a dez anos no caso de circunstâncias agravantes como a premeditação ou o dano causado à saúde da vítima.
A estudante de biologia Zoë Stoppaglia estava num bar em Grenoble, no sudeste de França, com amigos. Em entrevista ao jornal Le Monde, a jovem contou que tinha bebido apenas um copo de álcool horas antes de se sentir muito mal abruptamente, com problemas de visão e perda de força nas pernas, que a impossibilitou de conseguir ficar em pé.
Ao seu lado no bar, um jovem apresentava os mesmos sintomas. Ambos suspeitaram ter sido drogados e foram ao hospital. Os testes deram negativo para o GHB, conhecido como a “droga da violação”. No dia seguinte, o médico de Zoë detetou uma marca de injeção no corpo da jovem.
Zoë denunciou a ocorrência às autoridades e regressou ao hospital para exames complementares, ainda sem resultados, disse a estudante ao Le Monde. “Tenho medo. Não sei até agora o que me injetaram. Os médicos não conseguem descobrir”, afirmou.
Outra vítima, Élodie, teve perda de memória durante horas após passar a noite numa casa noturna em La Rochelle, no sudoeste do país. No dia seguinte, em entrevista ao Le Parisien, contou que descobriu duas marcas de injeção no seu braço e hematomas, confirmados por um certificado médico.
Outras vítimas também só identificaram a marca da agulha na pele no dia seguinte à agressão.
Já Marie dançava com amigos em Le Mans quando sentiu um formigueiro na coxa. “Uma dor súbita paralisou-me e as minhas pernas abandonaram-me. Não conseguia levantar-me. Os seguranças da discoteca acharam que eu estava bêbada e queriam expulsar-me. Um amigo achou que eu estava a ter um acidente vascular cerebral”, contou a jovem ao jornal Le Parisien.
A jovem passou a noite no hospital, onde uma enfermeira verificou que havia uma marca de agulha de seringa e um vermelhão na sua coxa.
Risco de HIV
Por medida preventiva, as vítimas iniciam rapidamente um tratamento com triterapia caso tenha ocorrido uma transmissão de AIDS por conta do uso de agulhas na agressão, mas até ao momento todos os testes de HIV deram negativo.
As autoridades francesas ainda não têm nenhum suspeito nem a confirmação da substância administrada, já que os exames realizados têm dado resultados negativos. Também não se sabe qual o tipo de agulha ou seringa que tem sido utilizado nas agressões, como por exemplo, uma injeção usada para aplicar insulina.
Em inúmeros casos, médicos e enfermeiros constataram marcas de picada da agulha em braços, coxas, nádegas, tornozelos, ombros ou nas costas das pessoas atacadas.
“É complicado porque é necessário que as vítimas reajam rapidamente”, afirmou o procurador de Béziers, Raphaël Balland, ao Le Monde. “Algumas substâncias desaparecem rapidamente do organismo. É o caso do GHB, que não pode ser mais detetado após algumas horas”.
Em Grenoble, os resultados de exames toxicológicos não revelaram, até ao momento, a presença de GHB ou GBL, ambas usadas por violadores para dopar as suas vítimas. Mas o procurador de Grenoble, Éric Vaillant, disse ao Le Parisien que estas análises foram feitas mais de 17 horas após as agressões, “o que não permite excluir formalmente a administração de GHB”.
Em Nantes, na Bretanha, o procurador Renaud Gaudel afirma que há até ao momento 45 casos deste tipo, que ocorreram em 17 estabelecimentos. Ainda são aguardados alguns resultados, mas até agora nem o GHB nem outro produto tóxico ou farmacêutico foi detetado. “O objetivo dessas picadas ainda precisa de ser elucidado”, disse Gaudel ao canal TF1.
O GHB pode ser injetado rapidamente, mas outras substâncias necessitam de uma injeção de alguns segundos. No entanto, as vítimas que perceberam instantaneamente que tinham sofrido uma picada relatam que foi feita rapidamente.
Uma fonte ligada às investigações em Béziers disse ao Le Monde que há a possibilidade de ser uma substância produzida pelo corpo humano, como adrenalina ou insulina em excesso.
Não houve nenhuma agressão sexual e em apenas um caso houve furto. Foi em Grenoble, onde um jovem prestou queixa afirmando ter sofrido uma picada de agulha numa discoteca e terem-lhe roubado o telemóvel, cartão de crédito, relógio e chaves.
Câmaras
Estas agressões preocupam os donos de discotecas, que passaram quase dois anos fechadas devido à pandemia de covid-19, recebendo ajudas financeiras do governo, e os organizadores de festivais, que tiveram de adiar os seus eventos.
Após funcionarem apenas cinco meses em 2021, as discotecas puderam reabrir em fevereiro deste ano.
Devido ao número crescente de queixas registadas por conta das misteriosas picadas, estabelecimentos estão a reforçar o controlo dos clientes na entrada, com revistas mais detalhadas, além da instalação de câmaras.
A discoteca Usine à Gaz, em Béziers, investiu 20 mil euros em câmaras, walkie-talkies e caixas de primeiros socorros, além de reforçar a equipa de segurança, segundo o seu gerente, Benoît Bienvenu. Desde então, diz que não houve nenhum novo caso de agressão com agulhas.
Já houve casos de picadas misteriosas num importante festival, o Printemps de Bourges. Durante o verão, a partir do final de junho, há grandes festivais em França, com dezenas de milhares de participantes, como o Hellfest, que atrai fãs de heavy metal.
“Levamos isto muito a sério. Vamos reforçar o sistema de revista dos participantes”, disse Gérard Pont, organizador do Francofolies de La Rochelle, que será realizado em julho, em declarações ao jornal Le Parisien.
“É preciso analisar a situação sem criar um pânico generalizado”, realça Jérôme Tréhorel, diretor do festival Vieilles Charues, que recebe 70 mil pessoas por dia. “Estamos a trabalhar com médicos, autoridades e a agência regional de saúde para ter um máximo de informações e tranquilizar o nosso público”, afirma.
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