“O Método Jacarta”, livro em que o norte-americano Vincent Bevins dá a conhecer a forma como as ações dos Estados Unidos durante a Guerra Fria causaram um número incomensurável de mortes, chegou às livrarias portuguesas.
Classificado um dos melhores livros de 2020 por publicações como o jornal britânico Financial Times ou a rádio norte-americana NPR, o livro lembra como, “em 1965, o Governo dos EUA ajudou as forças militares indonésias a matarem cerca de um milhão de civis inocentes”.
Segundo a sinopse da obra, o livro relata a forma como, sob o manto de uma campanha anticomunista, esse acontecimento “inspirou campanhas de terror semelhantes em países tão distantes como o Brasil e o Chile”, , agora editada em Portugal pela Temas e Debates.
Em entrevista à Lusa, o jornalista norte-americano afirmou que, ao crescer nos Estados Unidos, nas décadas de 1990 e 2000, era ensinada “uma narrativa absurdamente simplificada e branqueada da Guerra Fria”.
Era “uma luta entre o Bem e o Mal, em que o Bem ganha, e toda a gente vive feliz para sempre”, ou, de forma ainda mais resumida, “uma espécie de história da Disney em que os EUA são o herói.”
“Não era conhecimento corrente nos EUA que teríamos feito algo mau de todo, menos ainda o em que acredito agora, que a Guerra Fria serviu para os EUA formularem táticas neocoloniais para os países do Sul global, para tomarem o lugar da Europa Ocidental na maneira em que se relacionava, formalmente, com o Sul”, diz Bevins.
O jornalista cobriu o Brasil entre 2010 e 2017, ano em que se mudou para Jacarta, para fazer a cobertura da região para o Washington Post.
Quando chegou à Indonésia, apercebeu-se de que “a história da tragédia de 1965 era relevante para quase tudo o que estava a acontecer no presente”, mas que, não só era praticamente “tabu” discutir o tema naquele país, como os acontecimentos eram quase desconhecidos das pessoas com quem falava nos EUA.
“O que era de loucos, considerando que penso que foi um dos mais importantes momentos de viragem na história do século XX”, acrescenta Bevins, que sentiu uma “pesada responsabilidade moral” para levar a cabo este projeto.
Em “O Método Jacarta”, Bevins recorre às histórias de vários indivíduos que atravessaram esses momentos para contar o que se passou, não só na Indonésia, mas noutros países que também foram alvo de golpes de Estado por influência de Washington, como o Brasil.
“O que aconteceu no Brasil em 1964 e na Indonésia em 1965 poderão ter sido as mais importantes vitórias da Guerra Fria para o lado que, no fim, venceu — isto é, os Estados Unidos e o sistema económico global que agora opera”, considera Bevins.
“Depois de 1964, com o golpe que depôs o presidente Goulart, no Brasil, e 1965, com a erradicação do Partido Comunista e a deposição do presidente Sukarno, muitos dos países vizinhos foram influenciados, direta ou indiretamente, pelos regimes anticomunistas dos maiores países da região”, argumenta Bevins.
No Chile de Salvador Allende, no começo da década de 1970, “alguém começou a pintar uma mensagem nas paredes”, com as frases “Jacarta vem” ou “Jacarta está a aproximar-se”, como forma de aterrorizar as forças de esquerda.
Em 11 de setembro de 1973, Allende morreu num golpe de Estado que instaura uma ditadura militar que causou milhares de mortos e desaparecidos.
“Com que tipo de mundo ficámos depois da Guerra Fria? Quem ganhou a guerra? Quem perdeu? Mais especificamente, como é que a cruzada anticomunista afeta, em concreto, as vidas de milhares de milhões de pessoas hoje?”, questiona Bevins no seu livro.
Colocada essa mesma questão a um dos sobreviventes do massacre de 1965, veio a resposta: “Os Estados Unidos ganharam. Aqui na Indonésia, tiveram o que queriam, e, à volta do mundo, tiveram o que queriam. A Guerra Fria foi um conflito entre o socialismo e o capitalismo e o capitalismo ganhou.”
“Como é que os EUA ganharam?”, pergunta Bevins a Winarso. “Mataram-nos”.
https://zap.aeiou.pt/o-metodo-jacarta-ou-as-incomensuraveis-mortes-com-que-os-eua-ganharam-a-guerra-fria-476339
Classificado um dos melhores livros de 2020 por publicações como o jornal britânico Financial Times ou a rádio norte-americana NPR, o livro lembra como, “em 1965, o Governo dos EUA ajudou as forças militares indonésias a matarem cerca de um milhão de civis inocentes”.
Segundo a sinopse da obra, o livro relata a forma como, sob o manto de uma campanha anticomunista, esse acontecimento “inspirou campanhas de terror semelhantes em países tão distantes como o Brasil e o Chile”, , agora editada em Portugal pela Temas e Debates.
Em entrevista à Lusa, o jornalista norte-americano afirmou que, ao crescer nos Estados Unidos, nas décadas de 1990 e 2000, era ensinada “uma narrativa absurdamente simplificada e branqueada da Guerra Fria”.
Era “uma luta entre o Bem e o Mal, em que o Bem ganha, e toda a gente vive feliz para sempre”, ou, de forma ainda mais resumida, “uma espécie de história da Disney em que os EUA são o herói.”
“Não era conhecimento corrente nos EUA que teríamos feito algo mau de todo, menos ainda o em que acredito agora, que a Guerra Fria serviu para os EUA formularem táticas neocoloniais para os países do Sul global, para tomarem o lugar da Europa Ocidental na maneira em que se relacionava, formalmente, com o Sul”, diz Bevins.
O jornalista cobriu o Brasil entre 2010 e 2017, ano em que se mudou para Jacarta, para fazer a cobertura da região para o Washington Post.
Quando chegou à Indonésia, apercebeu-se de que “a história da tragédia de 1965 era relevante para quase tudo o que estava a acontecer no presente”, mas que, não só era praticamente “tabu” discutir o tema naquele país, como os acontecimentos eram quase desconhecidos das pessoas com quem falava nos EUA.
“O que era de loucos, considerando que penso que foi um dos mais importantes momentos de viragem na história do século XX”, acrescenta Bevins, que sentiu uma “pesada responsabilidade moral” para levar a cabo este projeto.
Em “O Método Jacarta”, Bevins recorre às histórias de vários indivíduos que atravessaram esses momentos para contar o que se passou, não só na Indonésia, mas noutros países que também foram alvo de golpes de Estado por influência de Washington, como o Brasil.
“O que aconteceu no Brasil em 1964 e na Indonésia em 1965 poderão ter sido as mais importantes vitórias da Guerra Fria para o lado que, no fim, venceu — isto é, os Estados Unidos e o sistema económico global que agora opera”, considera Bevins.
“Depois de 1964, com o golpe que depôs o presidente Goulart, no Brasil, e 1965, com a erradicação do Partido Comunista e a deposição do presidente Sukarno, muitos dos países vizinhos foram influenciados, direta ou indiretamente, pelos regimes anticomunistas dos maiores países da região”, argumenta Bevins.
No Chile de Salvador Allende, no começo da década de 1970, “alguém começou a pintar uma mensagem nas paredes”, com as frases “Jacarta vem” ou “Jacarta está a aproximar-se”, como forma de aterrorizar as forças de esquerda.
Em 11 de setembro de 1973, Allende morreu num golpe de Estado que instaura uma ditadura militar que causou milhares de mortos e desaparecidos.
“Com que tipo de mundo ficámos depois da Guerra Fria? Quem ganhou a guerra? Quem perdeu? Mais especificamente, como é que a cruzada anticomunista afeta, em concreto, as vidas de milhares de milhões de pessoas hoje?”, questiona Bevins no seu livro.
Colocada essa mesma questão a um dos sobreviventes do massacre de 1965, veio a resposta: “Os Estados Unidos ganharam. Aqui na Indonésia, tiveram o que queriam, e, à volta do mundo, tiveram o que queriam. A Guerra Fria foi um conflito entre o socialismo e o capitalismo e o capitalismo ganhou.”
“Como é que os EUA ganharam?”, pergunta Bevins a Winarso. “Mataram-nos”.
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