Se está desconcentrado ou procrastina no trabalho, isso pode não ser sua culpa. Antes de começar a ler este artigo, uma pergunta: está realmente a prestar atenção? Provavelmente não, especialmente se estiver a ler no escritório.
Pesquisas indicam que estamos a ter cada vez mais dificuldade em desligarmo-nos de estímulos externos e internos. E a culpa é da tecnologia.
Gloria Mark, do Departamento de Informática da Universidade da Califórnia, em Irvine, nos EUA, disse que e-mail, redes sociais, notificações e várias outras distracções digitais estão a destruir a nossa capacidade de focar a atenção em tarefas individuais.
«Em 2004, monitorizamos trabalhadores do sector de informação com cronómetros e medimos cada acção (que faziam)», disse Mark.
«Eles mudavam o seu foco de atenção, em média, a cada três minutos. Em 2012, observamos que o tempo gasto na tela de um computador antes de os trabalhadores transferirem o seu foco para outra tela era de 1 minuto e 15 segundos.»
«No Verão de 2014, a média foi 59,5 segundos», disse a especialista.
Académicos e cientistas estão cada vez mais interessados nos efeitos da tecnologia sobre o ambiente de trabalho.
Há relativamente poucos estudos a respeito do impacto sobre o trabalho de sites como o Twitter e o Facebook ou de jogos como o Candy Crush - que procuram, deliberadamente, manter os utilizadores em conexão constante.
Antropólogos culturais como a professora Natasha Dow Schull, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), destacam o trabalho de Mihaly Csikszentmihalyi, que há várias décadas criou o conceito de flow (em tradução livre, fluxo).
Czikszentmihalyi identificou várias características típicas do estado onde a pessoa está concentrada em algo - explicou Schull.
«Tem a ver com uma sensação de controlo, de podermos escolher se somos atraídos por algo envolvente, que não vai além da nossa capacidade nem nos deixa confusos e frustrados porque não sabemos como fazer (essa actividade)», explicou Schull à BBC.
«Para obter fluxo, a sua actividade precisa se adequar à sua habilidade. Mas descobri, no meu próprio trabalho, que o fluxo não depende apenas de mim e é preciso reconhecer que este pode ser afectado pelo ambiente.»
O conceito de fluxo forma a base de um serviço de áudio streaming chamado Focus@will.
O serviço procura fundir-se com o ruído ambiente de forma tão perfeita que o utilizador deixa de notar a sua presença, porém, a sua mente é mantida num estado prolongado de fluxo.
Fundado por Will Henshall - ex-elemento da banda Londonbeat - o serviço remixa música de vários tipos e tempos.
A maior parte das faixas começa com uma introdução instrumental básica, mas depois é completamente modificada.
«Descobrimos que não são apenas os vocais. Instrumentos que soam como a voz humana também podem distrair muito (a atenção de quem ouve)», disse Henshall.
«Um bom exemplo é o violoncelo, além de saxofones, fagotes, sons sintetizados e guitarras elétricas.» Henshall disse ter identificado cerca de 40 outros elementos que, segundo ele, afectam a mente de forma não consciente.
E é por isso que ouvir as suas canções favoritas não ajuda na concentração. Irá reconhecê-las e, mesmo que momentaneamente, perder a sua concentração, explicou.
Segundo os responsáveis pelo Focus@will, dois terços das pessoas podem beneficiar do serviço - o restante não sente qualquer efeito.
Há várias opções de canais. O Uptempo, por exemplo, para quem gosta de batidas rápidas. O Alpha Chill, mais relaxante. Também há opções para quem busca, por exemplo, o clima de um café bar ou sons de bateria.
Para pessoas com Transtorno de Défice de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o serviço oferece o canal ADHD (sigla inglesa para Attention Deficit Hyperactivity Disorder) Type 1. Cerca de 4% dos membros ouvem apenas esse canal. Mas para quem não têm o transtorno, esse canal é quase insuportável.
Pesquisas feitas pelo próprio serviço indicam que a metade dos utilizadores consegue concentrar-se por cerca de uma hora sem interrupção. Cerca de 20% conseguem ficar concentrados durante até duas horas.
Os algoritmos do site oferecem uma selecção pessoal de música, baseada em respostas a algumas questões iniciais e também de acordo com a quantidade de tempo que o utilizador passa a ouvir as transmissões. Ele também se adapta, ao longo do tempo, segundo o padrão de uso do utlizador.
Henshall sugere que o uso de mesas de trabalho acopladas a esteiras para caminhar em combinação com o áudio streaming talvez melhore a concentração de algumas pessoas.
Esta esteira é voltada não para corridas, mas caminhadas - e pode ser usada no escritório.
O presidente de uma fábrica de esteiras para caminhar, a Lifespan Fitness, disse à BBC que há cada vez mais estudos que demonstram que caminhar no mesmo lugar pode trazer benefícios para a mente.
«Um estudo canadiano recente revelou uma conexão entre mesas acopladas a esteiras para caminhar e melhorias na memória e na concentração», disse Peter Schenk.
«Outro estudo investigou a relação entre mesas com esteira e o perfeccionismo. E um estudo da Universidade do Minnesota que acabou por tornar-se num importante ponto de referência demonstrou a conexão entre a mesa com esteira e aumentos na produtividade», acrescentou.
Entretanto, algumas técnicas para melhorar a concentração chegaram ao mercado há alguns anos.
Entre elas, a chamada Técnica Pomodoro, criada pelo italiano Francesco Cirillo na década de 1980. O seu objectivo permitir um uso eficiente do tempo aliado a concentração máxima.
Este conjunto de programas para telemóveis ajuda a evitar distrações
A pessoa programa um relógio com alarme para tocar dentro de 25 minutos. Cada período de 25 minutos equivale a um pomodoro (em italiano, tomate). É possível que sejam necessários vários pomodoros para que um projecto seja terminado, mas cada pomodoro deve ser completado sem interrupções ou distrações. Entre um pomodoro e outro, a pessoa pode fazer uma pausa de 5 minutos.
A ideia é aumentar a concentração, alcançar um objectivo em estágios e completar o trabalho, evitando que a tarefa se torne demasiado pesada.
Outro recurso disponível hoje são uma série de apps que evitam distrações, como FocusMask, OneFocus, Concentrate, B-social e SelfControl; funcionam ao bloquear, temporariamente, sites e outras aplicações.
Pesquisadores estão esperançosos de que, apesar do impacto negativo da tecnologia sobre a nossa capacidade de concentração, experiências com serviços, softwares e outros aparelhos criados para melhorar a nossa atenção tragam resultados positivos.
Fonte: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=774422
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