O gás lacrimogéneo está entre os novos sabores de uma
gelataria de Hong Kong, com grãos de pimenta preta como ingrediente
principal, para recordar os confrontos nos meses de protestos
pró-democracia em 2019.
“Sabe a gás lacrimogéneo. Parece difícil de respirar ao princípio, e é
realmente pungente e irritante. Faz-me querer beber muita água
imediatamente”, diz uma cliente, Anita Wong, que foi vítima do gás
lacrimogéneo num dos muitos protestos que paralisaram a cidade
semi-autónoma. “É um flashback [recordação] que me lembra a dor que senti e que não devo esquecer”, acrescentou.
O sabor criado é um sinal de apoio ao movimento pró-democracia, que procura recuperar o seu ímpeto
ainda durante a pandemia da covid-19, explica o proprietário da loja,
que fala somente na condição de não ser identificado para evitar
repercussões do governo pró-Pequim.
“Queríamos criar um sabor que lembre as pessoas de que é preciso persistir no movimento de protesto e não perder a paixão”, salientou.
Para isso, experimentou diferentes ingredientes, incluindo wasabi e
mostarda, num esforço para reproduzir o sabor do gás lacrimogéneo. A pimenta preta, frisa, foi aquele que mais se aproximou do gás lacrimogéneo e dos seus efeitos irritantes na garganta.
“Torrámos e moemos grãos de pimenta pretos inteiros que transformámos em gelato, ao estilo italiano. Está um pouco picante, mas enfatizámos o seu travo, que é uma sensação de irritação na garganta. É como respirar gás lacrimogéneo“, resume o proprietário, de 31 anos.
Mais de 16 mil latas de gás lacrimogéneo foram
disparadas durante os protestos, segundo as autoridades de Hong Kong,
muitas em distritos densamente povoados, onde as ruas estreitas estão
cheias de pequenos restaurantes e blocos de apartamentos.
Os protestos começaram com a proposta de legislação que permitiria
que suspeitos de crimes fossem extraditados para a China continental
para serem acusados, entretanto abandonada, mas evoluiu para exigências de reformas democráticas.
Os protestos realizaram-se regularmente em 2019,
com os manifestantes a alegarem que Pequim estava a corroer as
liberdades civis concedidas à ex-colônia britânica quando regressou à
soberania chinesa em 1997.
A gelataria também oferece um espaço para as pessoas expressarem opiniões
sobre o movimento, incluindo o uso de notas adesivas iguais às que
apareceram espalhadas por todo o território no auge das manifestações e
que remonta já aos outros grandes protestos de 2014.
Com cada porção a custar cerca de 4,6 euros, o gelado de gás
lacrimogéneo tem sido um sucesso entre os clientes: o dono da gelataria
diz que antes dos regulamentos de distanciamento social devido à
covid-19 vendia entre 20 a 30 doses por dia com aquele sabor.
As manifestações quase desapareceram com a pandemia da covid-19,
mas episódios mais recentes, com detenções, manifestações em centros
comerciais e confrontos no parlamento local, levam a pensar que ações
maiores possam surgir durante o verão, caso o surto do novo coronavírus
esteja controlado.
Antes da pandemia da covid-19 “arrefecer” os protestos, restavam quatro reivindicações: a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não fossem identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e, finalmente, a demissão da chefe de governo e consequente eleição por sufrágio universal para este cargo e para o Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.
Agora, as forças de segurança procuram impedir grandes concentrações e o Governo está a avançar com uma legislação para criminalizar eventuais abusos ao hino nacional chinês.
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