A China tem agora de ponderar se vale a pena arriscar ser igualmente ostracizada pelo Ocidente caso assuma uma aliança mais forte com Moscovo.
Ao contrário das grandes potências do Ocidente — que têm imposto pesadas sanções à Rússia no seguimento da invasão à Ucrânia — a China tem adoptado uma postura mais neutral que pode vir a ser a chave para a salvação da economia russa face ao bloqueio internacional que tem sofrido.
Por um lado, Pequim defendeu que a soberania de todos os países deve ser respeitada, mas afastou a imposição de sanções contra a Rússia e também teceu críticas à expansão da esfera de influência da NATO e da União Europeia para o leste da Europa, onde estão vários ex-membros da União Soviética.
Dado o seu isolamento económico, Moscovo pode mesmo ficar sem outras alternativas que não sejam Pequim, como nota o Público, face ao bloqueio do acesso de vários bancos russos ao sistema SWIFT, ao corte total das relações comerciais, e às alternativas que a UE já está a planear para reduzir a dependência energética da Rússia — que levaram ao crash do rublo e têm posto a economia russa em xeque.
O Kremlin tem respondido que há mais países para além dos Estados Unidos e dos estados europeus com os quais a Rússia pode fazer trocas comerciais, mas a verdade é que o único aliado que têm uma dimensão suficiente para ter um verdadeiro impacto na economia de Moscovo é a China.
E parece que Pequim não vai abandonar a Rússia. Esta segunda-feira, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, afirmou que a Rússia é o “parceiro estratégico mais importante” do país e que os dois estados têm uma das relações bilaterais “mais cruciais do mundo”.
“Não importa quão perigoso é o cenário internacional, vamos manter o nosso foco estratégico e promover o desenvolvimento de uma parceria abrangente China – Rússia na nova era. A amizade entre os dois povos é firme como uma rocha“, sublinhou Yi, que se ofereceu para mediar o conflito com a Ucrânia.
Já vários sinais apontavam para uma maior proximidade entre os dois países. Vladimir Putin fez questão de visitar a China durante os Jogos Olímpicos de Inverno, tendo a visita também dado frutos em forma de 15 acordos de cooperação económica e financeira assinados entre Pequim e Moscovo.
Dada a dependência da economia russa na exportação de energia, os novos contratos de fornecimento da Gazprom e da Rosneft à China foram particularmente importantes. As restrições de vendas de cereais russos a Pequim também acabaram.
Os laços entre Putin e Xi Jinping são tão estreitos que, alegadamente, o líder chinês terá pedido ao homólogo russo que não avançasse com uma invasão à Ucrânia antes do fim do evento desportivo. A informação foi avançada pela inteligência norte-americana, como nota o The New York Times, nas não foi confirmada oficialmente.
A Rússia tem também dado a mão à China durante a recente escalada de tensão com Taiwan, reconhecendo que a ilha é uma “parte inalienável” do território chinês, numa altura em que há receios de que estale uma guerra devido ao grande número de voos que Pequim tem feito no espaço aéreo de Taiwan.
Rússia em apuros com as vendas de energia
Apesar dos sinais de proximidade, o comércio com a China dificilmente será suficiente para colmatar os boicotes ocidentais à Rússia, especialmente se a Europa puxar a ficha às compras de gás natural a Moscovo, como está a planear.
De acordo com os dados da Gazprom, a maior empresa energética russa e maior exportadora de gás natural no mundo, 78% das suas vendas tiveram como destino a Europa Ocidental e a Turquia em 2020 e 22% foram para países da Europa Central. Os maiores compradores foram a Alemanha, a Itália, a Áustria, a Turquia e a França.
Em Janeiro, a empresa anunciou que vai construir um novo gasoduto através da Sibéria — Power Siberia 2 — que servirá para reforçar o comércio com a China e permitirá que a Rússia envie 50 milhares de milhões de metros cúbicos de de gás natural por ano.
No entanto o projecto só deve estar pronto em 2025 e não será suficiente para substituir a importância da Europa para a economia russa, especialmente depois da Alemanha ter suspendido o acordo que tinha com Moscovo para o Nord Stream 2, que duplicaria a venda de gás natural russo para a União Europeia.
Yang Jiang, investigadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais, nota que “em comparação, a Rússia exporta entre 150 e 190 milhares de milhões de metros cúbicos de gás natural para a Europa todos os anos”. Assim, caso a Europa deixe de comprar gás russo, Moscovo teria de encontrar mais parceiros para além da China para prevenir o rombo na sua economia.
Para além disto, Pequim também não está muito interessada em ficar dependente da compra de energia a longo prazo e tem apostado na produção interna — com um foco especial na energia nuclear como uma alternativa menos poluente.
No âmbito da cimeira climática Cop26, a China revelou que nos próximos 15 anos quer criar mais 150 reactores, mais do que o resto do mundo construiu nos últimos 35 anos, como escreveu a Bloomberg.
O investimento deve custar à volta de 440 mil milhões de dólares — 405 mil milhões de euros — e caso se concretize, levará a que a China se torne o maior produtor de energia nuclear, ultrapassando os Estados Unidos.
Apoio financeiro chinês à vista?
Para além do comércio de energia, o sector financeiro está agora também a dar dores de cabeça a Vladimir Putin. De momento, a Rússia tem dificuldades em encontrar divisas estrangeiras suficientes para fazer importações e defender o valor do rublo e os bancos foram bloqueados do sistema SWIFT, o que dificulta os pagamentos.
A China pode mostrar-se útil neste contexto, ao permitir que o comércio com a Rússia passe a ser feito totalmente com o yuan. Assim, Moscovo passaria a ter na divisa chinesa o principal activo nas suas reservas.
Actualmente, 32,3% dos activos do banco central russo estão em euros, o dólar representa 16,4% e o yuan fica-se pelos 13,1%. No entanto, o yuan não é uma divisa totalmente convertível nos mercados internacionais e representa apenas 3% dos pagamentos feitos globalmente, não sendo uma alternativa à altura para a Rússia.
O bloqueio dos bancos russos ao SWIFT pode ser colmatado com a adesão ao CIPS, um sistema semelhante que a China criou, mas novamente, a sua escala é bastante menor — o CIPS tem apenas 75 participantes directos contra 11 mil do SWIFT.
China pesa as opções na balança
Já falamos do que a Rússia pode ter a ganhar com o estreitamento das relações com a China, mas será que o mesmo pode ser dito de Pequim? Uma aliança forte entre os dois países pode não ser do interesse da China, que se arrisca a ser sancionada pelo Ocidente e sofrer danos colaterais do conflito da Ucrânia.
Pequim pode beneficiar das trocas comerciais de energia caso a Rússia faça descontos, especialmente com o disparo nos preços do petróleo que se tem vivido nos últimos tempos.
Os problemas surgem se a proximidade a Moscovo começar a afectar negativamente as relações chinesas com a Europa e o EUA. No ano passado, o comércio da sino-russo chegou aos 146.9 mil milhões de dólares — mas esse valor é menos de um décimo do total de 1.6 mil milhões alcançados com o comércio entre a China e os EUA e a União Europeia.
Assim, a China terá assim de avaliar cuidadosamente os riscos e benefícios da sua decisão, podendo ser esta a razão por detrás da sua postura mais ambígua no início do conflito na Ucrânia.
https://zap.aeiou.pt/russia-china-amigo-firme-rocha-466043
Ao contrário das grandes potências do Ocidente — que têm imposto pesadas sanções à Rússia no seguimento da invasão à Ucrânia — a China tem adoptado uma postura mais neutral que pode vir a ser a chave para a salvação da economia russa face ao bloqueio internacional que tem sofrido.
Por um lado, Pequim defendeu que a soberania de todos os países deve ser respeitada, mas afastou a imposição de sanções contra a Rússia e também teceu críticas à expansão da esfera de influência da NATO e da União Europeia para o leste da Europa, onde estão vários ex-membros da União Soviética.
Dado o seu isolamento económico, Moscovo pode mesmo ficar sem outras alternativas que não sejam Pequim, como nota o Público, face ao bloqueio do acesso de vários bancos russos ao sistema SWIFT, ao corte total das relações comerciais, e às alternativas que a UE já está a planear para reduzir a dependência energética da Rússia — que levaram ao crash do rublo e têm posto a economia russa em xeque.
O Kremlin tem respondido que há mais países para além dos Estados Unidos e dos estados europeus com os quais a Rússia pode fazer trocas comerciais, mas a verdade é que o único aliado que têm uma dimensão suficiente para ter um verdadeiro impacto na economia de Moscovo é a China.
E parece que Pequim não vai abandonar a Rússia. Esta segunda-feira, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, afirmou que a Rússia é o “parceiro estratégico mais importante” do país e que os dois estados têm uma das relações bilaterais “mais cruciais do mundo”.
“Não importa quão perigoso é o cenário internacional, vamos manter o nosso foco estratégico e promover o desenvolvimento de uma parceria abrangente China – Rússia na nova era. A amizade entre os dois povos é firme como uma rocha“, sublinhou Yi, que se ofereceu para mediar o conflito com a Ucrânia.
Já vários sinais apontavam para uma maior proximidade entre os dois países. Vladimir Putin fez questão de visitar a China durante os Jogos Olímpicos de Inverno, tendo a visita também dado frutos em forma de 15 acordos de cooperação económica e financeira assinados entre Pequim e Moscovo.
Dada a dependência da economia russa na exportação de energia, os novos contratos de fornecimento da Gazprom e da Rosneft à China foram particularmente importantes. As restrições de vendas de cereais russos a Pequim também acabaram.
Os laços entre Putin e Xi Jinping são tão estreitos que, alegadamente, o líder chinês terá pedido ao homólogo russo que não avançasse com uma invasão à Ucrânia antes do fim do evento desportivo. A informação foi avançada pela inteligência norte-americana, como nota o The New York Times, nas não foi confirmada oficialmente.
A Rússia tem também dado a mão à China durante a recente escalada de tensão com Taiwan, reconhecendo que a ilha é uma “parte inalienável” do território chinês, numa altura em que há receios de que estale uma guerra devido ao grande número de voos que Pequim tem feito no espaço aéreo de Taiwan.
Rússia em apuros com as vendas de energia
Apesar dos sinais de proximidade, o comércio com a China dificilmente será suficiente para colmatar os boicotes ocidentais à Rússia, especialmente se a Europa puxar a ficha às compras de gás natural a Moscovo, como está a planear.
De acordo com os dados da Gazprom, a maior empresa energética russa e maior exportadora de gás natural no mundo, 78% das suas vendas tiveram como destino a Europa Ocidental e a Turquia em 2020 e 22% foram para países da Europa Central. Os maiores compradores foram a Alemanha, a Itália, a Áustria, a Turquia e a França.
Em Janeiro, a empresa anunciou que vai construir um novo gasoduto através da Sibéria — Power Siberia 2 — que servirá para reforçar o comércio com a China e permitirá que a Rússia envie 50 milhares de milhões de metros cúbicos de de gás natural por ano.
No entanto o projecto só deve estar pronto em 2025 e não será suficiente para substituir a importância da Europa para a economia russa, especialmente depois da Alemanha ter suspendido o acordo que tinha com Moscovo para o Nord Stream 2, que duplicaria a venda de gás natural russo para a União Europeia.
Yang Jiang, investigadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais, nota que “em comparação, a Rússia exporta entre 150 e 190 milhares de milhões de metros cúbicos de gás natural para a Europa todos os anos”. Assim, caso a Europa deixe de comprar gás russo, Moscovo teria de encontrar mais parceiros para além da China para prevenir o rombo na sua economia.
Para além disto, Pequim também não está muito interessada em ficar dependente da compra de energia a longo prazo e tem apostado na produção interna — com um foco especial na energia nuclear como uma alternativa menos poluente.
No âmbito da cimeira climática Cop26, a China revelou que nos próximos 15 anos quer criar mais 150 reactores, mais do que o resto do mundo construiu nos últimos 35 anos, como escreveu a Bloomberg.
O investimento deve custar à volta de 440 mil milhões de dólares — 405 mil milhões de euros — e caso se concretize, levará a que a China se torne o maior produtor de energia nuclear, ultrapassando os Estados Unidos.
Apoio financeiro chinês à vista?
Para além do comércio de energia, o sector financeiro está agora também a dar dores de cabeça a Vladimir Putin. De momento, a Rússia tem dificuldades em encontrar divisas estrangeiras suficientes para fazer importações e defender o valor do rublo e os bancos foram bloqueados do sistema SWIFT, o que dificulta os pagamentos.
A China pode mostrar-se útil neste contexto, ao permitir que o comércio com a Rússia passe a ser feito totalmente com o yuan. Assim, Moscovo passaria a ter na divisa chinesa o principal activo nas suas reservas.
Actualmente, 32,3% dos activos do banco central russo estão em euros, o dólar representa 16,4% e o yuan fica-se pelos 13,1%. No entanto, o yuan não é uma divisa totalmente convertível nos mercados internacionais e representa apenas 3% dos pagamentos feitos globalmente, não sendo uma alternativa à altura para a Rússia.
O bloqueio dos bancos russos ao SWIFT pode ser colmatado com a adesão ao CIPS, um sistema semelhante que a China criou, mas novamente, a sua escala é bastante menor — o CIPS tem apenas 75 participantes directos contra 11 mil do SWIFT.
China pesa as opções na balança
Já falamos do que a Rússia pode ter a ganhar com o estreitamento das relações com a China, mas será que o mesmo pode ser dito de Pequim? Uma aliança forte entre os dois países pode não ser do interesse da China, que se arrisca a ser sancionada pelo Ocidente e sofrer danos colaterais do conflito da Ucrânia.
Pequim pode beneficiar das trocas comerciais de energia caso a Rússia faça descontos, especialmente com o disparo nos preços do petróleo que se tem vivido nos últimos tempos.
Os problemas surgem se a proximidade a Moscovo começar a afectar negativamente as relações chinesas com a Europa e o EUA. No ano passado, o comércio da sino-russo chegou aos 146.9 mil milhões de dólares — mas esse valor é menos de um décimo do total de 1.6 mil milhões alcançados com o comércio entre a China e os EUA e a União Europeia.
Assim, a China terá assim de avaliar cuidadosamente os riscos e benefícios da sua decisão, podendo ser esta a razão por detrás da sua postura mais ambígua no início do conflito na Ucrânia.
https://zap.aeiou.pt/russia-china-amigo-firme-rocha-466043
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