Quase metade dos psiquiatras
portugueses já ponderou o suicídio, um terço pensou mesmo numa forma de o
fazer e 4,3% já tentaram matar-se, segundo um estudo publicado na Acta
Médica.
O estudo
"Comportamento suicidário nos internos de psiquiatria em Portugal:
Comparação com a realidade europeia" foi coordenado pelo psiquiatra João
Gama Marques e pela pedopsiquiatria Ana Moscoso e publicado na edição
de setembro/outubro da revista Ata Médica Portuguesa.
A
investigação resultou das respostas a um questionário enviado a todos
os 159 médicos internos das especialidades de psiquiatra de adultos e de
psiquiatria da infância e da adolescência em Portugal, dos quais 62
responderem (40,3 por cento).
Segundo os resultados, 43,5% dos
inquiridos já pensaram que seria melhor se morressem e 32,6% já
ponderaram cometer o suicídio. Foram ainda identificados 4,3% de
psiquiatras que tentaram suicidar-se.
"Em Portugal, os trabalhos
que têm sido desenvolvidos sobre a ideação suicida em internos de
psiquiatria têm evidenciado potenciais fatores como causas do desejo de
morte nesta população. Entre esses fatores encontram-se a insatisfação
com o internato complementar, com as condições de trabalho", lê-se no
estudo.
O artigo acrescenta que "os internos de psiquiatria lidam
com pacientes com sintomas depressivos e comportamento suicidário na sua
prática clínica, o que pode constituir um fator de stresse acrescido".
João
Gama Marques ressalva que esse pensamento suicida "pode ter acontecido
ainda antes da entrada para o curso de medicina ou para a especialidade
de psiquiatria": "Não podemos estabelecer com segurança uma relação de
causalidade".
"Não sabemos se a ideação suicida foi causa ou
consequência da escolha da carreira médica e\ou psiquiátrica. No
entanto, sabemos que 4,3% dos inquiridos tentaram, de facto, o suicídio,
e que essa tentativa foi realizada (em todos os casos) antes da entrada
para a especialidade de psiquiatria", disse à Lusa.
Para João
Gama Marques, é curioso que "nenhum dos inquiridos tenha admitido uma
tentativa suicida após a entrada para a especialidade de psiquiatria, de
onde se poderá especular algum efeito protetor".
Questionado
sobre os fatores específicos a que esta população está exposta, o médico
esclareceu que alguns são "muito semelhantes aos que afetam os médicos
internos de outras especialidades, nomeadamente excesso de carga
horária, más condições de trabalho, insatisfação profissional, desilusão
pessoal, que muitas vezes condicionam o aparecimento da chamada
exaustão laboral (síndrome de burnout)".
Gama Marques alerta para
alguns estudos internacionais que têm revelado que os médicos estão de
facto muito vulneráveis ao suicídio.
"Isto é particularmente
preocupante para as médicas, que têm um risco de cometer suicídio muito
superior às restantes mulheres da população. Esta realidade tem-se
verificado noutros países, mas em Portugal ainda não há estudos que
permitam fazer um diagnóstico rigoroso da situação", disse.
Para o
psiquiatra, "tendo em conta que a relação entre a síndrome de burnout,
depressão e ideação ou comportamento suicida é sobejamente reconhecida a
nível internacional, parece que de facto existem razões específicas"
para um seguimento e avaliação destes casos pelas autoridades.
Sobre
o impacto da carga laboral, o psiquiatra referiu que, além dos médicos,
essa situação também acontece com enfermeiros. Os médicos internos
estão particularmente vulneráveis, porque estando na base da pirâmide
hierárquica, acabam por ter que assegurar uma série de tarefas clínicas:
consultas, cirurgias, urgências ou enfermaria".
Além disso,
prosseguiu, e por estes profissionais "estarem numa fase inicial da
carreira, têm também muito trabalho formativo, de vertente mais
académica ou teórica: estudo constante, artigos científicos ou
apresentações em congressos. Geralmente têm pouca qualidade de vida e
podem desenvolver a síndrome de burnout, que só por si aumenta o risco
de depressão e consequentemente o risco de ideação ou comportamento
suicida".
"Qualquer especialidade tem aspetos difíceis. Nunca é
fácil ser-se médico. No fundo «deve ser duro», tanto para um
pedopsiquiatra, como para um oncologista, um cirurgião cardiotorácico ou
um médico de medicina geral e familiar. Todos eles lidam com
«realidades duras», nomeadamente relacionadas com as mais variadas
formas de sofrimento humano".
Sobre eventuais formas de prevenção,
o investigador disse que "o comportamento suicida em técnicos de saúde
pode e deve ser prevenido, nomeadamente atacando os fatores de risco
para a síndrome de burnout".
A pedopsiquiatra Ana Moscoso
acrescentou que além dos possíveis fatores determinantes, apontados por
João Gama Marques, devem ser tidos em conta fatores de vulnerabilidade
individual (genéticos, ambientais) que não são dependentes da
especialidade ou até da profissão e que contribuem para o risco
suicidário.
Ana Moscoso adiantou que a investigação se integra num
estudo europeu mais abrangente (BOSS) e que, ao comparar os resultados
com outros países europeus (e também Estados Unidos e Japão) evidencia
que a prevalência de ideação suicidaria em internos de pedopsiquiatria e
psiquiatria se encontra na média, ou seja não é maior ou menor que nos
restantes países.
Fonte: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Saude/Interior.aspx?content_id=4952199&page=-1
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